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2 O PROBLEMA DA SURPRESA ESTRATÉGICA

2.7 As Soluções Propostas

Com base nestes erros e problemas, têm sido propostos alguns tipos de soluções para minimizar as falhas. Começando por o de carácter mais imediato e prático, temos as soluções organizacionais. A reacção mais comum após se ter sofrido os efeitos da surpresa, é reformar a estrutura dos SI vigente, implementando mudanças concebidas para corrigir os erros cometidos e evitar que as mesmas falhas se repitam no futuro. Um sistema de informações muito hierarquizado, de grande dimensão, em associação à complexidade do processo de produção de informações, é dos obstáculos mais apontados que dificultam a necessária proximidade entre os responsáveis políticos e analistas. Portanto, em proveito da clareza e acuidade, a burocracia que envolve esta actividade deve ser racionalizada (Betts, 1978, p. 78). Porém, as inúmeras

tentativas de simplificar a organização do processo analítico, como a fusão de vários serviços especializados, não têm resolvido os principais problemas. A contracção é incompatível com o desejo de minimizar a falha. A compensação de uma insuficiência, normalmente, requer a adição de pessoal e de recursos. A partir do momento que se reduz a estrutura que contribui para a morosidade processual ou para a complexidade, podem-se criar lacunas na cobertura de assuntos do interesse nacional (Betts, 1978, p. 79). Não seria justo criar-se uma convicção generalizada, que uma reforma não conduz a melhores desempenhos. Mas, há um aspecto a ter sempre em conta quando se executam, é que os procedimentos são padronizados e fazem parte da rotina de trabalho, enquanto a surpresa devido a falhas, ocorre ocasionalmente. Ao se proceder à sua alteração, caso estes passem a não satisfazer as necessidades do dia-a-dia, ou no mínimo, dificultem a execução das operações e passem a exigir mais dos recursos disponíveis, rapidamente caem em desuso ou tornam-se procedimentos meramente simbólicos. A ilação a retirar, é que a maioria das reformas na tentativa de remediar algumas disfunções das informações acaba por incrementar outras40 (Betts, 1978, pp. 71-3).

Por se considerar que as soluções organizacionais não atingem aquilo que é o cerne do problema das falhas de informações como é o valor das análises produzidas, surge-nos uma outra tipologia, a das soluções intelectuais. Embora não seja possível estabelecer regras que guiem os analistas a produzir informações correctamente ou encontrar técnicas que aumentem a sua capacidade cognitiva, é no entanto possível identificar erros ou deficiências intelectuais que possam ser características genéricas do processo de análise ou como elas existem em determinadas condições. Desta forma, toma-se consciência sobre essas tendências e posteriormente, procurar-se-á tentar corrigi-las. Veja-se o caso de um dos principais erros de análise que se pode incorrer, o da imagem reflectida. As suas causas anteriormente explicadas, podem ser evitadas ou pelo menos reduzidas as suas probabilidades, desde que se possua um profundo conhecimento das sociedades, organizações ou personalidades que constituam uma ameaça se forem atendidos os seus valores culturais e religiosos, as suas tradições ou ainda o seu património histórico. Pretende-se com isto, obter-se uma estimativa mais precisa quanto ao que será uma futura acção (ou reacção) da entidade antagónica sob a sua perspectiva, ao invés da própria, ou seja, é o analista colocar-se na pele do seu alvo (Shulsky e Schmitt, 2002, pp. 72-3). Outra técnica possível de se recorrer, é assumir o pior cenário. Para fazer face à ambiguidade dos indícios e à ambivalência das análises opta-se pela interpretação mais ameaçadora, mesmo quando o peso dos indícios sugerindo o contrário, seja superior. Parece

40 Assim se explica por exemplo que a Defense Intelligence Agency dos EUA (DIA), só nos seus primeiros dez

não haver dúvida que esta prática ortodoxa e pouco imaginativa, para além de não ser considerado o factor probabilístico, é a forma mais óbvia de reduzir-se o risco da surpresa. Mas, operacionalizá-la exige grandes custos financeiros que mais tarde se podem revelar desnecessários41, e podem mesmo ser contraproducentes, caso a outra parte a interprete como uma provocação, aumentando o risco de um ataque preventivo, ou simplesmente reforçar as suas contra-medidas (Betts, 1978, pp. 73-4).

Também têm sido defendidas soluções institucionais para reduzir as hipóteses dos erros no processo analítico, sendo as mais comuns, a da análise competitiva e a do «advogado do diabo». A primeira, refere-se à criação separada de grupos de análise dedicados a um assunto específico, tendo por objectivo, promover a discussão entre os vários pontos de vista dos analistas para posteriormente cada uma ser explorada e encontrar as mais verosímeis, vulgarmente designadas por “Red Teams”. O objectivo é procurar desta forma colocar a descoberto a invalidade de avaliações cujos indícios não as corroborem e sejam consideradas novas interpretações mesmo não sendo muito convencionais. Reconhecendo ainda assim, não se evitar que uma determinada opinião acabe por dominar as mentalidades dos vários grupos, seja por pressão política, ou por partilharem a mesma sabedoria convencional, junta-se a figura do «advogado do diabo» ao debate. Neste caso, trata-se de inserir uma entidade externa à discussão, cujo propósito é desafiar as interpretações anteriormente declaradas. Entretanto, sérias objecções levantam-se ao valor das suas análises, porque os argumentos por si expostos são feitos com base em suposições e não por mérito (de conhecimento, objectividade, capacidade cognitiva). E sobretudo, dado serem sistematicamente divergentes, são encarados como algo inerente ao seu papel, logo todos os seus contributos perdem impacto sendo vistos como previsíveis e rotineiros. Os aspectos criticáveis deste tipo de propostas, cujo principal fim é combater uma hipotética falta de imaginação, é poderem levar à confusão e à ambiguidade do decisor, consoante a quantidade e a divergência das perspectivas apresentadas, revelando-se assim uma «faca de dois gumes». Um decisor nesta posição, para além de ficar inseguro se estará a agir de acordo com a opção correcta, ficará tentado a agir de acordo com a sua opinião pré-concebida. O efeito perverso de qualquer destes três métodos, é que ao elevar-se a sensibilidade dos sistemas de alerta e por conseguinte reduzir o risco de surpresa, irá aumentar o número de falsos alarmes e acabará por ter o seu efeito degradado com o decorrer do tempo (sindroma do «Pedro e o Lobo», no jargão anglo-saxónico cry wolf syndrom) conduzindo a um

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Entre 1971 e 1973, por três vezes o Egipto executou exercícios militares semelhantes ao do ataque a Israel no dia do Yom Kippur. Em todos eles, Israel reagiu com uma mobilização massiva e nada aconteceu. Isto provocou um desgaste na economia israelita, e o comandante-chefe das forças armadas foi duramente criticado por isso.

permanente estado de alerta, facto que pode ser difícil de manter num Estado democrático (Betts, 1978, p. 63).

Quanto aos problemas presentes na relação entre produtores e consumidores, em especial o da sua politização, seja ela bottom-up ou top-down, e a insatisfação dos decisores com as análises apresentadas que conduz ao seu desprezo, também não existe consenso quanto a possíveis soluções. Existem basicamente duas correntes de pensamento que preconizam como esta relação se deve desenrolar, o „modelo de Kent‟ e o „modelo de Gates‟. O primeiro, surge na sequência do alerta feito por S. Kent em Strategic Intelligence for American World

Policy, para os perigos do relacionamento próximo dos analistas com a classe política dirigente

por considerar que isso possa fazê-los perder a sua objectividade e a sua integridade venha a ser comprometida pelo seu envolvimento (apud Betts, 2003, p. 61). Não obstante, Kent reconheceu quando permanecem demasiado afastados daqueles que são responsáveis por servir, eles perdem o contacto que permitiria receber as orientações e esclarecimentos essenciais à produção de contributos válidos (apud Betts, 2003, p. 62). O desafio de obter um relacionamento equilibrado e eficaz, de facto resistiu. Durante cerca de três décadas, a protecção da autonomia do processo analítico das influências dos decisores tornou-se um valor central para os analistas da CIA, embora muitas vezes a um preço elevado. Muitos foram os que respeitaram a sua distância ao processo de decisão e que acabaram por constatar, para seu desânimo, que os políticos, pouca atenção prestavam às suas avaliações (Davis, 2007).

Para inverter esta situação de insatisfação com a eficácia da relação produtor/ consumidor, surge o segundo modelo em meados da década de 80. Robert Gates considerava os contributos da CIA, pouco relevantes para a formulação política, apesar de admitir que a sua existência era imprescindível (Betts, 2003, p. 61). Por esse motivo, veio defender uma relação mais estreita, mormente que os analistas deveriam empenhar-se mais nas preocupações dos decisores, bem como torná-los mais sensíveis ao contexto político. Para esse efeito, e durante todo o seu mandato como director da CIA (1991-3), efectuou um esforço global em fornecer análises de valor acrescentado para o processo de decisão, em particular, através do estabelecimento de canais mais directos e informais como briefings, reuniões inter-agências, teleconferências, chamadas telefónicas envolvendo os seus analistas seniores (Davis, 2007).

Fazendo o balanço dos prós e contras de ambos os modelos, temos de um lado, os prosélitos de Gates que vêm a proposta histórica de Kent como um incentivo à irrelevância e à sua autonomia para fazer passar as suas convicções como factos, enquanto na sua abordagem, refutam que ela reforce a politização mas sim a contextualização e uma gestão realística controlada por partes dos decisores. Por outro, temos os discípulos de Kent que consideram a

metodologia de Gates uma autêntica prescrição para a manipulação das informações pela classe política dirigente e para o comprovar, aludem às audiências a que o próprio Gates foi sujeito em 1991, no âmbito das investigações do caso Irão-Contras pelo seu alegado envolvimento, embora nunca tenha sido processado (Berkowitz, 2002, p. 97; Betts, 2003, p. 61). Foram vários os relatórios produzidos ao longo da década de 9042, que recomendavam a promoção de relações mais estreitas com os consumidores, apesar de os seus autores estarem conscientes do risco acrescido das informações perderem a sua objectividade, devido ao conhecimento dos pressupostos dos seus clientes e preferências políticas. A Comissão Brown no seu relatório, considerou que embora este problema seja real, pode ser controlado. A necessidade de apresentar a verdade aos decisores políticos está no centro da formação de cada analista e da sua ética, além disso, há pesos e contrapesos dentro do sistema, como é o caso da sujeição das informações a mecanismos do controlo democrático que serão abordados adiante (Aspin- Brown Commission, 1996, p. 85). Também John McLaughlin, antigo analista e director da CIA, vem salientar que nada pode substituir o contacto próximo com os decisores para assegurar uma boa compreensão acerca das suas necessidades, daí sugerir um maior treino e uma maior rotação funcional como sendo as melhores soluções para incrementar essa capacidade (apud George e Bruce, 2008, p. 69). De qualquer das formas, há aqui um erro de princípio nesta disputa entre os adeptos de Kent e de Gates, o de encarar a objectividade analítica e a relevância política como valores opostos, quando na verdade eles devem coexistir.

Por último, tem-se o problema da negação e decepção, que pela sua natureza complexa, torna todos os Estados vulneráveis a elas, fazendo da surpresa algo inevitável. Para aumentar as hipóteses da sua defesa, devem ser feitos esforços em três sentidos. Primeiro, deve haver um maior empenhamento na sua aprendizagem, recorrendo ao estudo aprofundado de casos históricos. O objectivo é inventariar o máximo de estratagemas possíveis e explorar as possibilidades em reconhecer a sua presença. Outro, é os SI, governantes e comandos militares compreenderem em que situação, a negação e decepção é mais provável de ocorrer para se poderem antecipar (Grabo, 2004, p. 129). O terceiro, reduzir as barreiras à circulação da informação, quer organizacionais como de classificação, para que se possa aumentar a inter- conectividade dentro e entre SI como via para melhorar a integração dos dados (Marrin, 2004, p. 662). Como se constatou com o ataque de 11SET e a inexistência de ADM no Iraque, que irão ser analisados de seguida, nenhum dos tipos de soluções aqui abordados resolvem cabalmente o problema das falhas ou simplesmente são ignoradas.

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“Making Intelligence Smarter: The Future of U.S. Intelligence” do Council on Foreign Relations (1996); “Preparing for the 21st Century: An Appraisal of U.S. Intelligence” da Commission on the Roles and Capabilities