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2 O PROBLEMA DA SURPRESA ESTRATÉGICA

2.5 A Falha Centrada nos Decisores

Como já foi referido, os governantes são livres de tomarem as suas opções, e com isso muitas vezes, o racional por detrás das suas decisões pouco ou nada respeita à qualidade da relação que mantêm com os seus SI. Até porque, mesmo uma boa interacção não é sinónima de sucesso das medidas políticas adoptadas. Daí, justificar-se uma abordagem centrada no papel do decisor político, enquanto entidade autónoma, como fonte primária da surpresa.

Um dos principais autores que coloca especial ênfase na responsabilidade do lado dos decisores é R. Betts. Ele concluiu, através dos casos mais estudados de surpresa, que “os erros

mais cruciais são raramente cometidos por uma má pesquisa, por vezes pelos analistas, mas na maioria das vezes é devido aos decisores que consomem os produtos dos SI” (1978, p. 61).

Para este autor, mesmo a produção perfeita de informações não leva necessariamente ao seu perfeito uso (Betts, 1978, p. 63). E, defende que a principal causa da surpresa não reside normalmente numa falha dos SI, mas antes, na má vontade dos decisores políticos em aceitarem as informações fornecidas ou em reagirem a elas com a necessária prontidão (Betts, 1982, p. 4). Para Betts, esta inércia na reacção não se deve propriamente à sua incompetência, mas antes a uma certa preocupação, que uma acção exagerada da sua parte possa agravar a situação de crise.

Igualmente, M. Handel considera como responsável mais comum, o decisor por recusar a admitir as análises produzidas pelos SI. Handel conceptualiza o trabalho desenvolvido pelos SI dividido em três níveis: aquisição, análise e aceitação; ele vem defender que a “experiência

histórica confirma que as falhas das informações foram mais causadas por uma quebra ao nível da aceitação do que no nível da aquisição ou da análise” (Handel, 1980, p. 98). Essa

realidade, que não pode ser ignorada, é explicada por os decisores padecerem exactamente das mesmas limitações psicológicas que os analistas (sabedoria convencional, imagem reflectida, rejeição de nova informação…). Como consequência, são susceptíveis de cometerem iguais erros de percepção e de ideias pré-concebidas, ainda que as análises sejam precisas e claramente compreendidas (Handel, 1980, p. 103). A comprová-lo, Martin Petersen relata que a sua experiência profissional vivida ao longo de trinta anos ao serviço da CIA, levou-o a

concluir existirem cerca de quatro razões genéricas para os decisores políticos menosprezarem o trabalho realizado pelos SI (2003).

Na primeira, considera que todos os políticos, independentemente da sua formação, área de especialização, ou funções desempenhadas no decurso da sua carreira, são bastante confiantes nas suas capacidades de análise. Esta convicção surge da sua experiência política ser mais vasta, caso contrário não alcançavam os cargos em que se encontram no momento. Além disso, eles têm possibilidade de aceder a grande parte da mesma informação que serve de base aos analistas dos SI e muitas vezes têm amigos com ligações privilegiadas a importantes ambientes que com eles partilham informação, mas não com os SI.

Na segunda, os decisores são seres humanos como qualquer outro cidadão, por isso formulam os seus raciocínios em termos de pessoas, das suas relações e comportamentos, não tanto em factos históricos ou tendências. Eles comparam a actividade política a um negócio. As pessoas agem de forma a manipular as outras no intuito de obter vantagem, nesse sentido, a história não é mais do que feita de actos cometidos por pessoas poderosas.

Na terceira razão, os políticos por inerência das suas funções tiveram contacto directo com as individualidades sobre quem os analistas escrevem. Por vezes, esses encontros não são circunstanciais, mas sim de outras experiências passadas, tanto dentro como fora dos círculos do poder. Quando isto se verifica, gera-se uma convicção no pensamento dos políticos de conhecerem as personalidades - alvo dos SI de um modo que supera qualquer tentativa por parte dos analistas. Este argumento, acrescente-se, difícil de contestar, leva os decisores a acreditar que os analistas neste capítulo pouco têm a oferecer para além de alguns factos.

Por último, os decisores políticos acreditam ser bastante virtuosos na interpretação dos sinais que as pessoas emitem. Isto justifica no seu entendimento, o seu sucesso. Embora, eles reconheçam a importância da cultura em que estas se inserem e como isso pode influenciar os seus comportamentos, estão convencidos de que são capazes de ir mais além no conhecimento do indivíduo, i.e., conseguem passar do nível antropológico e chegar ao psicológico. E nalguns casos, eles acreditam poderem ler as intenções e influenciar a outra pessoa, especialmente se tiveram vários encontros com ela.

Mas há um erro que se pode ainda acrescentar como típico dos decisores, é o do „pensamento desejado‟. Muitos dos erros cometidos são atribuídos à tendência dos decisores em assumirem uma visão optimista dos cenários apresentados37 e desconsiderarem as análises

37

Na Operação Barbarossa, Estaline refutou de forma veemente as análises dos seus SI que indicavam que estava iminente a invasão germânica, fazendo prevalecer a sua percepção.

A invasão dos exércitos sírio-egípcios no dia de Yom Kippur evidenciou que o governo de Israel estava desprevenido. No entanto, poucos meses antes do ataque, a primeira-ministra Golda Meir recebeu a visita do rei

menos favoráveis como aquelas que impliquem acções impopulares perante a opinião pública ou onerosas (Clark, 2007, p. 4).