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A família brasileira: a especificidade da família de baixa renda

Capitulo II A Creche e seus subsistemas

2.1 O subsistema familiar

2.1.1 A família brasileira: a especificidade da família de baixa renda

A história da família no Brasil é marcada por origens culturais diversas que auxiliam na compreensão da estrutura familiar existente nos nossos dias. De acordo com Neder (1998), de um lado tem-se a família padrão, de origem européia, de outro, outras famílias, de origem indígena ou africana. Na sociedade industrializada, a família padrão vai dar origem à nova família, a qual vai exigir uma nova mulher que precisa ser

compostas por homens e mulheres pobres e livres, em geral ex-escravos recém-libertos, são vítimas de manobras políticas que garantem a sua exclusão sob o argumento de que pouco se podia fazer, pois elas eram consideradas inferiores.

Aliada às diferenças culturais, destaca-se a distribuição de renda no país, para se compreender a situação de pobreza em que vive um grande contingente da população brasileira. A partir da década de 1960, a sociedade vem desenvolvendo um modelo econômico marcado pela concentração da renda, e conseqüentemente a inevitável pauperização de grande parte da população. Desse modo, os descendentes do que está sendo chamado outras famílias permanecem excluídos até os nossos dias, nas famílias de baixa renda, e têm encontrado dificuldades de ordem econômica, política e ideológica para obterem e exercerem a sua cidadania, sendo considerados, pela classe dirigente do País, os responsáveis pelos males que a sociedade enfrenta.

Diante do exposto, e para não se correr o risco de tratar as famílias com pré- conceito e discriminação, Mello (2006) chama a atenção para o aprendizado do diferente quando se pretende discutir famílias de baixa renda. Caso contrário, as famílias pertencentes às classes populares nunca serão vistas como são, mas como deveriam ser.

Para Mello (2006), a dinâmica da família de baixa-renda exige uma nova forma de olhar o que é normal ou patológico dentro deste universo. É um contexto com regras e valores próprios, onde os indivíduos não pautam suas escolhas e comportamentos exclusivamente pelo ideal ou socialmente desejável, mas por um modo particular, considerado adaptativo que está aliado às estratégias de sobrevivência desenvolvidas para enfrentar a realidade da pobreza.

Daí por que é comum, nos bairros pobres, haver famílias tão diversificadas na sua composição. Encontram-se desde uniões tradicionais de pai, mãe e filhos até

verdadeiras constelações familiares: famílias com diversas uniões que redundam em filhos e pais diferentes e uma difícil relação de enteados e padrastos; divisão do espaço de moradia com famílias consangüíneas ou com outras sem vínculo de parentesco, etc.

Nas famílias de baixa renda encontram-se mulheres criando seus filhos, nem sempre do mesmo pai, sozinhas, sem a ajuda dos homens. Essa realidade traz à tona uma situação cada vez mais constante na atualidade que é a mudança nos papéis de gênero na manutenção da família. No Brasil, 24,9% dos domicílios brasileiros são chefiados por mulheres, sendo o Nordeste a região que apresenta a maior proporção, com 25,9%, de domicílios chefiados por mulheres (IBGE, 2000). As chefias femininas crescem no país como um todo, como um fenômeno tipicamente urbano, sendo a maioria do tipo monoparental e destacando-se as mulheres mais jovens, separadas, negras, mais pobres e com baixo grau de escolaridade. A grande concentração da chefia feminina encontra-se nas camadas pobres, visto que a própria condição de pobreza, e muitas vezes de miséria, conduz as mulheres ao mercado de trabalho em situações que vão desde o compartilhar a manutenção da casa com o companheiro até responsabilizar- se sozinha pelo domicílio (Goldani, 1994).

Nas camadas populares, o elemento motivador e primordial do ingresso da mulher no mercado de trabalho é, na maioria das vezes, a luta pela sobrevivência. As mulheres das camadas mais pobres, além de possuírem um baixo nível educacional e de qualificação, estão inseridas em grande parte no mercado informal, em péssimas condições de trabalho e de salários (Mendes, 2002).

Dadas as condições em que as famílias de baixa renda se encontram, elas constroem uma rica e variada rede de apoio em seu local de moradia. Há troca permanente de serviços, um apoio de todas as horas e para todos os problemas. Esse apoio é importantíssimo no enfrentamento das maiores dificuldades, sejam elas financeiras, relativas a doenças, desempregos, etc., ou seja, além de as famílias poderem

contar com a ajuda de seus membros a vizinhança também ajuda a minimizar as crises enfrentadas por elas. Assim, nas palavras de Mello (2006), o bairro favorece a criação de uma rede de sustentação mútua para os momentos de necessidade aguda.

De acordo com Mello (2006), mesmo sabendo-se que em nosso país a família nuclear deixou de ser o modelo socialmente aceito e que as famílias de baixa renda se organizam de acordo com as necessidades que lhes são próprias, em geral, elas são estudadas tomando por referência o modelo de família nuclear, monogâmica, composta de pai, mãe e filhos, em que o pai é o provedor das necessidades da família; a mãe, a rainha do lar, carinhosa e incansável nos cuidados com a casa e com a educação dos filhos, e ambos proporcionando estabilidade e harmonia para que os filhos, que apenas brincam e estudam, cresçam felizes. Em conseqüência dessa comparação, a família de baixa renda é estigmatizada de desorganizada e de ser a única responsável pelo fracasso escolar, pela violência e pela marginalidade dos jovens.

Quando se refere aos conflitos, Mello (2006) afirma que há muitos, e envolvem adultos e crianças, mas estes não podem ser confundidos com desorganização. Segundo essa autora, é necessário ver as condições em que vivem as famílias para se compreender a inevitabilidade de conflitos. Se nós olharmos para o alimento sempre escasso, os pequeníssimos espaços onde vivem jogados uns sobre os outros, observaremos que não só é impossível privacidade, como há uma coletivização forçada.

Diante da condição de pobreza e até de miséria em que se encontram as famílias de baixa renda, Carvalho (2006) afirma que nessas famílias as redes de solidariedade foram e são a sua condição de resistência e de sobrevivência. A família alargada, o grupo de conterrâneos, são possibilidades de expandir os rendimentos, apoio, afetos e relações para obter empregos, moradia, saúde, etc.

Apesar da importância das redes de solidariedades como condição de sobrevivência das famílias de baixa renda, não se pode negar também a importância dos estudos investigando a influência da pobreza da vizinhança sobre a vida das pessoas. Wilson (1987) argumenta que a concentração de pobreza resulta no afastamento entre classe pobre e classe média. Ele considera que ser pobre em uma vizinhança constituída por pessoas de diferentes camadas sociais é menos perigoso do que ser pobre em uma vizinhança onde todos são muito pobres. Os efeitos da concentração aumentam a probabilidade de ser um desempregado (Vartanian, 1999; Elliott, 1999), de ficar fora da escola (Crane, 1991), de entrar no mundo do crime (Sampson & Groves, 1989) e de ficar grávida muito cedo (Crane, 1991).

Small e Newman (2001) identificam duas categorias gerais que justificam os

efeitos negativos da pobreza: os mecanismos de socialização, que descrevem como os vizinhos socializam suas crianças, e mecanismos instrumentais, que descrevem como os recursos estão disponibilizados aos indivíduos na vizinhança.

A tese fundamental refere-se à rede de isolamento, pois sendo pobre, ou extensivamente desempregada, a vizinhança colabora com a desconexão dos indivíduos da rede social de pessoas empregadas, tornando difícil para eles obterem informações sobre oportunidades de trabalho (Wilson, 1987; Tigges, Browne & Green, 1998; Elliott, 1999). Uma das formas destacadas por Sampson e seus colaboradores para romper com este circuito fechado consiste na organização social da comunidade. Seus trabalhos demonstram que vizinhos com alto grau de organização social, independentemente do nível da pobreza, apresentam baixas taxas de crimes.

A partir do conjunto de questões aqui apresentadas, é possível perceber que a família de baixa renda tem encontrado grandes dificuldades para assumir seu papel de socializadora primária dos filhos, pois o trabalho para as mães dessa camada da sociedade não é uma opção, mas uma condição para garantir a sobrevivência da criança.

A creche, além de facilitar o acesso da mulher ao mercado de trabalho, o que é fundamental para a elevação da renda das famílias, pode também ser um espaço de acesso a informações sobre o desenvolvimento da criança, dos direitos e deveres da família e também dos direitos da criança como cidadã. Desse modo, ela é uma instituição que pode contribuir para minimizar a pobreza (não apenas econômica) em que vivem as famílias de baixa renda, ou seja, ela é uma instituição que além de promover o desenvolvimento das crianças, pode também favorecer o desenvolvimento dos familiares.

Dada a importância da creche para as crianças e para as famílias, pode-se perceber que o trabalho da professora é fundamental para que as crianças pertencentes às famílias de baixa renda possam viver, sem prejuízos, sua infância. Por essa razão, a seguir discutir-se-á o subsistema profissional, destacando as especificidades do trabalho da professoras de crianças pequenas.