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Apesar de historicamente a família ser a instituição responsável pela socialização primária da criança, nos dias atuais é comum a freqüência destas com pouca idade em ambientes como creches e pré-escolas. Como conseqüência, as crianças convivem menos com os membros de sua família e a socialização e a educação dos filhos é dividida, principalmente com a escola.

Se a família compartilha a educação e a socialização da criança com creches e pré-escolas, é indispensável que o planejamento e a execução das ações nessas instituições sejam desenvolvidos em parceria com a família. É a integração entre essas instituições que permitirá um trabalho de complementaridade, por meio da partilha de responsabilidades (Bhering & De Nez, 2002).

Para melhor compreender a importância da relação creche-família recorda-se que no modelo bioecológico de Bronfenbrenner (1994) o desenvolvimento humano é desencadeado a partir da interação entre as características pessoais dos indivíduos e os ambientes nos quais estes vivem. Para este autor, o lar e a instituição de educação infantil, para a criança, constituem seus principais microssistemas, pois são os ambientes onde ela interage face a face, mas estes mesmos ambientes são micro e exossistemas para pais e educadores. O lar é o exossistema para os educadores, pois estes não o freqüentam, mas ainda assim sentem as influências da educação familiar na criança ,e a instituição é o exossistema para os pais, pois estes não a freqüentam, mas também sentem a contribuição e a presença dos educadores no desenvolvimento de seus filhos.

Ora, sendo a criança um elo de ligação entre estas instituições, mas que ainda apresenta suas habilidades em desenvolvimento (principalmente no que se refere à linguagem e à sociabilidade), não consegue ainda agir como mediador para aproximar ambas as partes e levar informações que ampliem a compreensão dos adultos sobre seus microssistemas. Então a confluência destes microssistemas fornece informações importantes acerca das contribuições das duas instituições na educação das crianças e também enriquece as práticas educativas tanto dos familiares quanto das instituições.

Assim, não existem relacionamentos individuais entre adulto-criança no espaço da creche, pois as famílias estão representadas no mundo subjetivo da destas, bem como, no espaço familiar, a professora está representada pela criança. Isto significa que creche e família afetam-se mutuamente. Se as instituições se inter-influenciam, os processos desencadeados por meio da relação creche-família delineiam oportunidades desenvolvimentais para todos os envolvidos, e tanto a família quanto a creche aprendem aspectos fundamentais sobre a criança e seu desenvolvimento.

Dada a importância da relação escola-família essa temática vem sendo objeto de investigação em diversos países do mundo incluindo o Brasil. A literatura aborda este tema em diferentes níveis de ensino. No que diz respeito à Educação Infantil diversos autores (Bhering & De Nez, 2002; Huber, 2003; Swick, 2003; Meira 2004; Alvarenga, Cavalcante, Cruz, Magalhães & Bahia, 2006) vêm apontando para a necessidade de transpor o muro do isolamento que existe entre as instituições. É preciso reconhecer que a família, independentemente do modelo como se apresente, pode ser um espaço de afetividade e de segurança, mas também de medos, incertezas, rejeições, preconceitos e até de violência. Dessa forma, para a creche é fundamental não só conhecer as crianças, mas também as famílias por ela atendidas. Quais são suas dificuldades, seus planos, seus medos e anseios? Enfim, que características e particularidades marcam a trajetória de cada família e, conseqüentemente, dos

educandos que estão sendo atendidos. Essas informações são dados preciosos para que se possa identificar demandas e construir propostas educacionais compatíveis com a nossa realidade.

A integração creche-família oferece grande contribuição para estas instituições e conseqüentemente para o desenvolvimento da criança. De um lado, a creche terá oportunidade de conhecer as particularidades das crianças, das famílias, os problemas que estas enfrentam para oportunizar o desenvolvimento e aprendizagem dos filhos e a maneira como pensam e percebem a creche. De outro lado, as famílias poderão conhecer as características do processo educativo e a estrutura dessa instituição. De acordo com Patten e Ricks (2000), as características do processo referem-se a como os profissionais respondem para a criança, como trabalham a disciplina e como desenvolvem as atividades. As características estruturais dizem respeito ao tamanho do grupo, à relação adulto-criança, em nível de educação-treinamento dos profissionais, à qualidade-quantidade do espaço físico e à qualidade-quantidade de materiais.

Para além dos aspectos acima mencionados acerca da importância da relação creche-família, a literatura vem evidenciando a necessidade dessa relação no período de inserção da criança no ambiente, pois este é um período de transição de um ambiente doméstico e íntimo para um ambiente coletivo, marcado por novas relações e hábitos, que ocasiona intensas mudanças não só no bebê, mas também na organização familiar, principalmente na mãe, e na organização da instituição (Santos & Seidl de Moura, 2002).

A inserção da criança na creche é um período crítico para todos os envolvidos. Contudo, de acordo com a literatura (Rossetti-Ferreira, Amorim & Vitória, 1994, Montovani & Terzi, 1998, Strenzel, 2002), ele pode ser destituído de medos e inseguranças e ser mais tranqüilo. Para tanto, é necessário planejar ações que favoreçam a transição da criança e da família para a creche. Esse processo precisa ser marcado pela

introdução da criança em um ambiente acolhedor e acompanhado de adultos familiares que vão se distanciando à medida que a criança adquire outra referência. A presença de adultos familiares tem o papel de mediador entre a criança e o novo ambiente, ou seja, ele é o elo no estabelecimento de novos relacionamentos com a professora e com as demais crianças.

Diante dos argumentos acima mencionados, ressalta-se que a função educativa da creche exige uma abertura desta para a participação da família. Em uma educação que tem como foco a criança, os serviços são integrados à família, para tanto é necessário espaço para o diálogo, para as relações, para a participação, para a educação, e envolve crianças, professores e familiares. Portanto, sendo a creche um dos contextos de desenvolvimento da criança e de formação de cidadãos responsáveis pelo seu viver em sociedade, ela necessita dividir sucessos, dificuldades, e, acima de tudo, compartilhar o processo de cuidar e educar a criança na etapa de vida em que se encontra.

Não obstante as pesquisas evidenciarem a importância da integração entre a escola e a família há bastante tempo, Cavalcante (1998) apresenta alguns fatores que têm dificultado essa interação, como: a falsa crença de que a escola (creche) é impotente para alcançar as famílias das crianças e a expectativa de que cabe aos pais iniciarem o contato com a instituição. No entanto, de acordo com essa autora, essa iniciativa precisa partir da escola (creche), pelas seguintes razões: em parceria com os pais a instituição estará mais capacitada para trabalhar com as crianças; a falta de recursos econômicos, analfabetismo ou semi-analfabestismo tendem a inibir os pais a tomarem a iniciativa de se envolver na vida escolar de seus filhos; a escola (creche), como instituição que historicamente tem sido usada para preservar diferenças sociais, precisa romper as barreiras que ela construiu e que dificultam e até impedem a participação mais efetiva dos pais.

Além dos argumentos, adiciona-se que, dada a formação profissional específica que os professores possuem e as funções que a escola tem na sociedade, de socialização do saber, as tentativas de aproximação e de melhoria das relações estabelecidas com as famílias deve partir, preferencialmente, da escola (creche). Se os professores são responsáveis pelas ações escolares, são também os responsáveis pela promoção de ações voltadas ao relacionamento escola-família (Clandinin & Connelly, 1998). Isso significa que a escola e os professores necessitam utilizar diversos mecanismos para criar um ambiente mais acolhedor e afetivo que possibilite à família recapitular o valor da criança e o sentido da responsabilidade compartilhada. Para tanto, a escola (creche) precisa adotar uma linguagem e uma postura que favoreça a aproximação das famílias, para que elas se sintam aceitas, conheçam e compreendam o trabalho realizado e possam contribuir _ de acordo com suas reais possibilidades _ com o processo educativo das suas crianças.

Tendo em vista identificar aspectos da relação creche-família, Bhering e De Nez (2002) desenvolveram um estudo junto a pais, professoras e atendentes de crianças de zero a seis anos, utilizando entrevista semi-estruturada. Os principais resultados revelam que a comunicação existente impossibilita a proximidade e trocas de informações, pois estas são parciais e limitam-se aos aspectos práticos do dia-a-dia da criança. A atitude da creche para os pais é calcada numa postura de oferecimento da assistência à criança, e a atitude dos pais, na receptividade limitada, calcada numa postura de favorecimento por estes serviços.

Diante da importância da relação escola (creche)-família, considera-se relevante resgatar o estudo realizado por Epstein (2004), o qual identificou seis áreas/tipos em que os pais podem e devem se envolver na escola, quais sejam: ações voltadas à educação dos pais dos alunos, comunicação com os profissionais da escola (creche), envolvimento das famílias como voluntárias na escola, envolvimento nas

atividades escolares desenvolvidas em casa, envolvimento nas decisões da escola e envolvimento na colaboração com a comunidade. De acordo com o proposto por esta autora, percebe-se que o envolvimento dos pais pode se dá desde um nível mais básico, restrito à criança, até a ações mais amplas que ultrapassam o espaço da instituição.

As discussões acima nos fazem pensar que não basta reconhecer a importância e a necessidade da relação creche-família, mas que no desenvolvimento do processo educativo, ações concretas em direção à promoção desta relação são indispensáveis. Para tanto, os professores são elementos-chave, razão pela qual se faz necessário investigarmos as ações destes, mas também suas crenças, e as dos familiares, pois elas determinam, em parte, o modo como se dá a relação entre profissionais e familiares da criança. Dada essa inter-relação entre crença e prática, discutir-se-á a seguir as crenças de mães e professoras que participam da educação da criança em ambientes coletivos.