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Capitulo II A Creche e seus subsistemas

2.2. O subsistema Profissional

2.2.2 A prática pedagógica da professora de creche

Conceber a criança como um ser competente e co-construtora de conhecimento, de identidade e de cultura desde o nascimento, significa reconhecer que ela chega à instituição de educação infantil com ânsia pela descoberta, pelo conhecimento do novo, do diferente, transbordando curiosidade, dúvidas, com necessidades de tocar sentir, ouvir, falar, dançar, extrapolar suas emoções e sentimentos. Esta compreensão é muito importante para se pensar a prática do professor enquanto aquele sujeito que estimula e orienta as vivências e as experiências da criança, socializando-as, organizando momentos de aprendizagem que articulem aspectos afetivos, sociais e cognitivos, integrando, de forma dinâmica, o cuidar e o educar, uma vez que são esses os eixos centrais do processo educativo da criança. Para tanto, as profissionais que trabalham com os pequenos em instituições de educação infantil precisam alfabetizar-se nas diferentes linguagens das crianças, buscando entendê-las e, de certo modo, ouvi-las (Tristão, 2004).

Nessa perspectiva, para Tristão (2004), na creche, a professora precisa conhecer os aspectos mais gerais do ser criança, mas não é o suficiente. É necessário conhecer a singularidade de cada criança, desde a sua história de vida até o jeito como cada uma gosta de dormir, o que gosta de comer, seus brinquedos favoritos, as travessuras que faz, se está triste, agitada, tranqüila ou feliz. Conhecendo cada criança, o professor terá condições de perceber suas capacidades e vulnerabilidade, de modo a respeitá-la e interagir com ela enquanto ser social e não apenas como um corpo a ser banhado alimentado ou trocado.

Apesar de a literatura indicar a necessidade de uma percepção de cada criança que se encontra no espaço da instituição, observações empíricas mostram que as ações realizadas pelas professoras no dia-a-dia da creche são automatizadas e não são vistas como importantes para o desenvolvimento, passam despercebidas, de forma que a riqueza da vida diária no espaço da creche não vem à tona. Conhecer cada criança e estar atenta às suas necessidades é o que caracteriza uma prática humanizadora, plena de significados. Ao contrário, o descaso é característico de práticas desumanizadoras para com as crianças que freqüentam o espaço da creche.

Tristão (2004) desenvolveu um estudo objetivando conhecer, caracterizar, descrever e analisar como se constitui a prática pedagógica de professoras que trabalham com bebês em instituições de educação coletiva. A autora realizou o estudo de caso do cotidiano de um berçário de uma creche pública e como recursos metodológicos trabalhou com anotações em caderno de campo e registros fotográficos. O resultado revelou que a prática pedagógica está marcada pela sutileza das ações. Esta sutileza ainda que nem sempre seja percebida, são fundamentais para se compreender quem é a profissional de bebês.

A partir deste estudo, a autora afirma que as professoras de crianças são profissionais da humanização e a creche é o lugar onde se aprende as relações fraternas, de solidariedade, de comprometimento, de ajuda ao outro, de se importar com o outro. Portanto, o projeto educacional para crianças pequenas deve ter bases e objetivos estruturados nas relações e na solidariedade (Spaggiari, 1998, p.99), principalmente porque nas instituições a criança aprende e experimenta tornar-se humano, assimilando regras de convivência com outros humanos, grandes e pequenos.

É o conhecimento ou desconhecimento de cada uma das crianças, com suas múltiplas linguagens, que possibilitará o desenvolvimento de práticas que tratam as crianças como seres homogêneos ou heterogêneos. Quando a professora conhece a

criança, os seus gestos, as suas expressões, seus silêncios, seus olhares... são valorizados, demonstrando assim, o quanto ela (a professora) está disponível para perceber cada uma das crianças, abrindo mão, muitas vezes, do repertório de conceitos (e pré-conceitos) que construiu ao longo da sua prática docente (Tristão, 2004).

Neste sentido, Tristão (2004) argumenta que professora precisa olhar, ouvir e sentir as crianças pelas quais é responsável. O aprendizado da ausculta, do olhar e do sentir afasta o professor do risco de uma rotina que automatiza ações e homogeneíza pessoas. Uma prática pedagógica para a humanização precisa perceber cada uma das crianças como um ser único e especial, que está aberto para o novo, e se mostra, ao longo da jornada educativa, com olhar de interrogação para a criança (Tristão, 2004).

Para Tristão (2004), em uma prática voltada para a humanização, a base do planejamento são as relações e não as atividades. E o papel da professora é permitir que as crianças experimentem todos os recursos disponíveis no contexto da creche. Experimentar o contato com outras pessoas, uma boa gargalhada compartilhada com alguém, um banho prazeroso, o contato com a água, poder estar pelado, poder sentir o seu corpo, entre outros.

Nessa perspectiva de Educação Infantil, a prática pedagógica é diferente das práticas predominantes nas instituições em que o adulto só aparece como suporte às necessidades físicas imediatas da criança e não como parceiro do seu desenvolvimento. E as formas de comunicação mais freqüentes são a individual e a articulada – várias crianças e um adulto, com tema comum, coordenado pelo adulto. Segundo Lordelo (1997), o ambiente coletivo não é sinônimo de despersonalização. Mesmo as condições materiais mais precárias das creches públicas não parecem ser impedimento para interações ricas e complexas.

Essa forma de comunicação, centrada no adulto, e tão freqüente no espaço da creche, dificulta a socialização de saberes, a troca de experiências, de idéias e a valorização da palavra do outro, mesmo porque para que isso ocorra, as crianças precisam sentir-se à vontade para expor suas falas, suas opiniões e conhecer outras realidades, o que nem sempre ocorre. Isto significa que os adultos envolvidos no processo educativo da criança precisam ter consciência de que a tarefa de construir conhecimento só é válida e significativa quando há troca e sentimento de reciprocidade entre os sujeitos, por meio da convivência e das relações estabelecidas. “É no processo de interação com o outro, no compartilhamento de significados que a criança obtém um acervo de conteúdos sobre os quais alicerça sua compreensão acerca do mundo” (Camargo, 2005, p. 12).

Nas relações cotidianas estabelecidas entre adulto-criança na educação infantil, o respeito, a valorização e a afetividade são indispensáveis para que a criança se sinta segura e veja o professor como alguém que possa cuidá-la e protegê-la, compreendendo-a em suas interrogações e angústias para poder explorar e estimular todas as suas capacidades. Por este motivo, Bassedas, Huguet e Sole (1999) comentam que o professor é um referente, um interlocutor, uma ajuda no processo do crescimento infantil.

As questões acima evidenciam o quanto, no trabalho com crianças, as relações estão presentes, porque, dada a imprevisibilidade (e não o improviso) característica deste trabalho, elas facilitam a resolução dos problemas cotidianos, para os quais sabe- se ainda não há prescrições teóricas suficientes. Essas discussões reforçam a perspectiva de Oliveira-Formosinho e Kishimoto (2002), as quais afirmam que as relações são centrais no trabalho da professora de crianças, desde aquelas diretas com as crianças, até as relações com os familiares e com a comunidade. Por essa razão, para se pensar sobre o trabalho da creche e, por conseguinte, sobre o desenvolvimento da criança que

freqüenta ambientes coletivos, faz-se necessário investigar as relações que neles ocorrem. Isto posto, a seguir trazemos algumas discussões acerca da relação creche- família encontradas na literatura.