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Capitulo II A Creche e seus subsistemas

2.2. O subsistema Profissional

2.2.1 Especificidades da professora de criança

Definir a identidade profissional da educadora de crianças não é tarefa fácil porque ainda encontra-se em processo de construção. De maneira geral, a especificidade da educação infantil e suas funções acabam definindo o perfil das profissionais responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças. De acordo com Ongari e Molina (2003), o trabalho diário com os pequenos comporta uma série de funções delicadas e pesadas tanto do ponto de vista físico quanto mentais. É um trabalho centrado na corporeidade, por isso, além de raramente poder ficar parada, a professora carrega as crianças no colo, levanta-as e ainda permanece sentada, freqüentemente no chão, ao lado das crianças, o que exige muita energia. Exige também que os adultos coloquem em prática energias e capacidades para ajudar as crianças a enfrentarem as emoções que caracterizam as primeiras fases da vida afetiva.

As finalidades e objetivos educacionais influenciam nas expectativas para o trabalho da educadora da infância e projetam-se características, atitudes, habilidades e conhecimentos necessários à sua atuação, além de que as especificidades da educação de crianças de zero a três anos intensificam a complexidade da profissão de educar,

exigindo da educadora uma atuação intencionalmente planejada e avaliada, o que supõe o domínio de conhecimentos e habilidades.

O trabalho com crianças pequenas em instituições de educação infantil é uma atividade historicamente desempenhada por mulheres e nem sempre reconhecida como uma profissão que requer formação específica, condições de trabalho e remuneração digna. A literatura (Alves, 2006, Cerisara, 1997, 2002; Cunha & Carvalho, 2002; Ongari e Molina, 2003) mostra a existência de um imbricamento entre o ser mulher e o trabalho docente na construção da identidade profissional da educadora infantil. Identidade esta que não pode ser pensada independente da identidade pessoal destas mulheres, construída socialmente dentro de uma ocupação socialmente desvalorizada - a educação de crianças de zero a seis anos -, relacionada diretamente ao universo feminino, desvalorizado em relação ao que se convencionou chamar de universo masculino (Cerisara, 1997, 2002).

Sem pretender fazer uma vasta discussão da questão de gênero que permeia a identidade da educadora de criança pequena, pesquisas (Alves, 2006; Gomes, 2004) mostram que as características mais destacadas na professora de educação infantil remetem à tradicional imagem social de mulher doce, ingênua, mãe generosa, abnegada à família, paciente entre outras. Essas características remetem à idéia de profissão como sacerdócio, que é realizado, sobretudo, por amor e vocação, sem interesses materiais, como a remuneração digna, carga horária, condições de trabalho e formação.

Ao considerar o embricamento entre o ser mulher e a identidade profissional, Ongari e Molino (2003) destacam o entrelaçamento entre a responsabilidade familiar e o papel profissional. Esse entrelaçamento mostra-se particularmente complexo, principalmente para as profissionais que têm filhos em idade de até três anos, visto que as especificidades que a profissão exige são, de maneira geral, análogas àquelas realizadas dentro da família. Desse modo, percebe-se que o entrelaçamento de

responsabilidades é significativo para a identidade pessoal, como mulher e mãe, mas também para a definição do próprio trabalho que realiza.

Além da feminização do magistério, a origem da creche é outro elemento necessário à compreensão da identidade da educadora de criança. Em um atendimento caracterizado pela assistência, as relações afetivas individualizadas e a promoção de cuidados básicos de saúde, higiene e alimentação vêm sendo os eixos centrais do trabalho. Nessa perspectiva de atendimento, uma boa educadora precisa ser paciente, carinhosa, maternal e, sobretudo, gostar de crianças e de trabalhar com elas. Além de que a função de substituta da família e da mãe atribuída à creche construiu uma polaridade entre a atuação da educadora e as funções maternas, levando à mistura de papéis (Alves, 2006).

Estudo realizado por Alves (2006), junto às profissionais de educação infantil, constatou que o sentido da docência está na naturalização e na profissionalização da educadora de criança. O amor às crianças e à profissão é o principal sentido da docência na educação infantil. Dentre as principais características que o professor de educação infantil precisa ter, as participantes destacaram: simpatia, carinho, paciência, criatividade, tranqüilidade e capacidade de acolhimento das crianças. Essas características evidenciam a concepção de docência na educação infantil como um dom, uma vocação nata.

Além da educadora nata, também foi encontrado, no estudo de Alves (2006), o sentido da profissionalização da educadora de criança. As participantes reconhecem que além do afeto pelas crianças, da valorização e da identificação com o trabalho, a professora de educação infantil precisa ter clareza dos objetivos e do alcance da educação infantil; conhecimentos sobre aprendizagem e desenvolvimento infantil; formação específica que possibilite respeitar a individualidade e as necessidades da criança, bem como organizar a ação didática adequadamente às necessidades

desenvolvimentais da criança. As professoras querem que a sua docência seja reconhecida como trabalho qualificado, em sua concreticidade e especificidade e não como um trabalho abstrato, uniformizado e subordinado à sua dimensão quantitativa, subtraído de suas qualidades concretas e transformado em alienação.

A necessidade de reconhecimento indicada no estudo de Alves (2006) é relevante, pois a falta de visibilidade social da creche e, portanto, da sua importância como estrutura de suporte às famílias e à comunidade para o crescimento das crianças traz como conseqüência uma imagem desqualificada do tipo de trabalho realizado pela professora.

O estudo de Alves (2006) revela que apesar da ênfase atribuída à dimensão afetiva para o exercício da docência na educação infantil, as profissionais reconhecem a necessidade de uma formação específica para atuar nessa área. No entanto, destacam que o arcabouço teórico não fornece subsídios suficientes para a docência. Para suprir a distância entre a teoria e a prática é preciso recorrer ao bom senso, ao senso materno e, sobretudo, à afetividade para realizar adequadamente o trabalho com os pequenos. Esses dados nos fazem pensar que a profissionalização do papel da professora de creche configura-se como um percurso eminentemente prático, no qual o saber fazer da experiência tem um papel maior em relação às formas de aprendizagem mais teóricas.

Sintetizando as reflexões acima é possível afirmar que a professora da educação infantil necessita de características profissionalizantes, ou seja, de competências e habilidades que não são decorrentes da “natureza” feminina, mas são construídas no processo formativo e no exercício profissional da docência. Assim, a amorosidade é entendida como uma das condições necessárias à realização da docência, mas esta não pode ser entendida como antagônica à formação científica séria e à clareza política dos educadores. A afetividade expressa o compromisso do educador com os educandos, tendo em vista a transformação da realidade. O envolvimento afetivo da

educadora de infância, como elemento do perfil profissional, não pode ser visto como doação abnegada que não requer profissionalismo (Freire, 1996).

Ampliando a discussão da identidade da professora de criança, Oliveira- Formosinho e Kishimoto (2002) afirmam que ela diz respeito à ação profissional integrada que a pessoa da professora desenvolve junto às crianças e às famílias com base em seus conhecimentos, competências e sentimentos, assumindo a dimensão moral da profissão. Nesse sentido, para essas autoras, o papel da professora de crianças pequenas é, em muitos aspectos, similar ao papel de outros docentes, mas é diferente em muitos outros. É esta diferenciação que dá sentido a uma profissionalidade específica da professora de infância. De acordo com Katz 1993 (apud Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002) profissionalidade diz respeito ao crescimento em especificidade, racionalidade e eficácia de conhecimentos, competências, sentimentos e disposição para aprender ligadas ao exercício profissional da docente de criança. A partir das características da criança, apresentadas anteriormente, estas autoras destacam algumas dimensões específicas da ação profissional da professora de crianças, quais sejam:

• Globalidade: o entendimento da criança enquanto ser global implica alargamento da responsabilidade das educadoras, pois desempenha uma enorme diversidade de tarefas, as quais vão desde o cuidado com o bem-estar, higiene e segurança da criança, até a educação, entendida como socialização, desenvolvimento e aprendizagem. Como conseqüência desta amplitude de responsabilidade, o campo de atuação da educadora de criança torna-se pouco definido.

• Vulnerabilidade (física, emocional, social): De acordo com Katz e Goffin (apud Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002), a vulnerabilidade tem a ver com a necessidade de atenção privilegiada aos aspectos emocionais ou socioemocionais, principalmente porque os aspectos emocionais constituem a base ou a condição necessária para qualquer progresso no desenvolvimento infantil (Bowby, 1969).

A leitura das dimensões do trabalho da professora de crianças nos faz perceber quão abrangente é o campo de atuação e a responsabilidade da professora que trabalha com crianças. Porém não basta definir o campo de atuação dessa profissional, mas também instrumentalizá-la, por meio de formação especifica, para o exercício da sua profissão, pois muitas vezes ainda que ela reconheça que esta é sua função não sabe como fazer. A ênfase para a importância da formação não quer dizer que ela é suficiente, ou seja, ao lado da formação, necessário se faz garantia de condições de trabalho para que esse profissional desempenhe seu papel de cuidar-educar de crianças pequenas em ambientes coletivos.

Tendo por base as críticas de alguns autores6 à feminização do trabalho docente, a importância dos aspectos emocionais para desenvolvimento da criança e a especificidade do trabalho a ser realizado na creche, Cerisara (1997) se questiona se não terá a afetividade um papel fundamental na construção das relações entre adultos e crianças de zero a seis anos. Se será possível pensar o trabalho com as crianças sem atividades que incluam a maternagem. E ainda questiona se haverá como entender a feminização desta profissão como um processo que tem conseqüências contraditórias, positivas e negativas,- tanto sobre a organização do trabalho em instituições educativas como sobre a identidade de suas profissionais. De acordo com essa autora é necessário romper com a visão estereotipada de que o trabalho com características femininas é menos do que o trabalho com características masculinas e considerar a positividade das características do trabalho feminino para o trabalho da professora de educação infantil.

• As relações são um outro aspecto destacado por Oliveira-Formosinho e Kishimoto (2002) como característica específica da profissionalidade da professora de criança pequena. A educação de crianças requer relações que vão desde o microsistema,

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Guiomar Namo de Mello, Marilia Carvalho, Eliana Novais destacam os aspectos negativos da maternalização do oficio de professora. Afeto, carinho, amor são parte do discurso das professoras e sempre excluídos da competência técnica e profissional.

crianças e auxiliares, até outros sistemas, como os familiares e a comunidade. Assim, de acordo com essa autora, na creche tem-se uma Pedagogia da relação, o que significa dizer não a uma relação educador/criança que não garanta uma relação individualizada e, sobretudo personalizada. Significa dizer não às atividades que parecem mais com lições do que com brincadeiras de livre descoberta. Significa dizer não à organização demasiadamente rígida dos tempos e dos espaços infantis que podem enfraquecer a espontaneidade das relações.

As especificidades do trabalho com crianças podem ser analisados em dois aspectos. Primeiro, tendo em vista essas especificidades a profissionalidade da professora de criança apresenta características próprias que a diferencia dos demais profissionais que trabalham com educação. Contudo, a falta de reconhecimento da delicadeza e da complexidade da profissão de professora de criança leva, quase inevitavelmente, a comparações com colegas de âmbitos educativos contíguo. Segundo, essas especificidades do trabalho com crianças apresentam uma relação direta e recíproca com a prática pedagógica da professora, a qual, mesmo sendo semelhante às ações maternas, diferencia-se em função da intencionalidade pedagógica que deve permear todas as atividades desenvolvidas no espaço da creche. Isso significa que a diferenciação entre os tipos de cuidado oferecido por mães e professoras não é tão óbvia.

A leitura do campo de atuação da professora de criança quando analisada considerando que: estamos diante de uma nova concepção de educação infantil, qual seja a instituição de educação infantil com finalidade educativa, que as profissionais ainda têm dificuldade de trabalhar nesta perspectiva, até porque ainda estamos aprendendo como desenvolver ações nesta direção e que a constituição da profissionalidade da professora de criança não se faz no isolamento, então necessário se faz que os espaços de educação infantil se organizem de modo a possibilitar o encontro,

a partilha entre as profissionais como possibilidade de formação, caso contrário, corre- se o risco de avançar no campo teórico, mas este não resultar em mudanças na prática pedagógica da professora.