Capítulo 2. Estilos Educativos Parentais
2.1. A Família Como Contexto de Socialização
Para Molpeceres (1994), a socialização é a pedra angular em torno da qual se articula
a vida doméstica. A família, independentemente da cultura na qual estiver inserida, é o
primeiro contexto socializador e, mesmo que não seja o único, é, no entanto, através dela que
se adquirem os elementos distintivos de cada cultura: os valores e crenças, o modo que se
deve comportar em cada situação, a maneira de pensar e inclusive como se sentir em relação
a si mesmo (Musitu & Cava, 2001; Veiga, 1996, 2001, 2007).
A socialização forma parte de um processo de aprendizagem não formalizado e em
grande parte inconsciente, em que através de um complexo conjunto de interações, a criança
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padrões culturais que influenciarão durante toda sua vida a sua forma de adaptação ao meio
(García, 1989; Musitu & Allatt, 1994).
Apesar da multiplicidade dos agentes a considerar, é à família, mais especificamente
aos pais, que se atribui este papel de socialização da criança (Cruz, 2005). Cabe ressaltar que
os pais são socialmente designados como os primeiros responsáveis pela socialização dos
seus filhos (Kuczynski & Grusec, 1997) na maior parte das sociedades e a forma que eles
alcançam esse objetivo varia não somente entre diferentes culturas (Larzelere, 2000; Lin &
Fu, 1990; Wang & Li, 2003; Zern, 1984) mas, também, de família para família (Musitu &
Allatt, 1994; Pomerantz, 2001).
A socialização pode ser compreendida como o conjunto de processos de interação que
se produz no contexto familiar e que tem como objetivo inculcar nos filhos um determinado
sistema de valores, normas e crenças (Maccoby, 1980). No seu sentido mais amplo,
socialização é sinónimo de educação (Gelles, 1995). Um aspecto fundamental do processo de
socialização é a aquisição, pela criança, da capacidade de orientar e controlar voluntariamente
o seu próprio comportamento, em resposta às expectativas e exigências da sociedade.
Segundo Martínez (2003) Apesar da diversidade que existe entre uma família e outra
e as diferenças culturais existentes, a maior parte das sociedades espera que mediante a
socialização das crianças e adolescentes, se alcancem ao menos três objetivos gerais de
grande importância tanto para a criança e o adolescente, como para a sociedade.
• Em primeiro lugar, espera-se que a família seja capaz de ensinar a criança a controlar seus impulsos e a retardar a gratificação das recompensas de algum modo,
independentemente se a educação dada pela família é mais tolerante ou mais
restritiva. O controle dos impulsos e a capacidade para a autorregulação se estabelece
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irmãos e iguais (Gottfredson & Hirschi, 1990). As crianças necessitam aprender que
não podem pegar tudo o que acham bonito ou interessante, porque sofrerão as
consequências sociais ou físicas dos demais. Mesmo que o controle dos impulsos se
estabeleça na infância, espera-se que os adolescentes e adultos também se controlem e
se expressem somente de maneira socialmente aprovada. O baixo autocontrole está
relacionado com problemas em adolescentes, jovens e adultos, em aspectos
relacionados com o êxito ocupacional, relações sociais e, inclusive com a conduta
criminal (Gottfredson & Hirschi, 1990).
• Um segundo objetivo da socialização realizada pela família é o de preparar os filhos para a realização de diferentes funções e auxiliar na construção de identidades e
papéis de género. Os filhos devem aprender os comportamentos relacionados com o
seu género e determinadas posições sociais. Este processo dura toda a vida e centra-se
especificamente na aprendizagem de funções concretas em cada etapa evolutiva da
pessoa. Na adolescência, especificamente, centra-se na preparação mais intensiva para
assumir posteriormente o papel de adulto (Martínez, 2003).
• O terceiro objetivo da socialização familiar é que os seus membros consigam desenvolver fontes de significado, ou seja, adquirir um significado do que é
importante na sociedade onde vivem e qual o escopo da sua vida. Com frequência
essas respostas são encontradas nas crenças religiosas, as quais geralmente explicam a
origem da vida, a razão dos sofrimentos, o que acontece quando morrermos e o
significado da vida humana. Outras fontes de significado em diferentes culturas
incluem as relações familiares, os vínculos afetivos, as relações com um grupo
comunitário, étnico, racial e as conquistas individuais. A tendência humana para
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disso, todas as pessoas devem desenvolvê-las de alguma maneira com o fim de dar
sentido às suas vidas (Martínez, 2003).
Nesse sentido, os pais têm uma importância primordial nos processos de socialização
por terem mais oportunidades que qualquer outra pessoa em controlar e entender o
comportamento dos seus filhos (Grusec, Rudy, & Martini, 1997). Compete aos pais, também,
introduzir os filhos num contexto social mais amplo do que a família, auxiliando-os na
construção de padrões de comportamentos socialmente aceites na sociedade onde estão
inseridos. O papel dos pais continua sendo o de avaliar se os seus comportamentos são ou não
adequados às normas sociais, mesmo que as normas e processos de socialização variem
segundo os diferentes contextos sociais, políticos e económicos (Darling & Steinberg, 1993).
Considerando que a família se relaciona com outros sistemas ou estruturas mais
amplas, é de esperar que, principalmente durante a adolescência, estes contextos diferentes ao
familiar se convertam também em elementos fundamentais de socialização, como o grupo de
iguais (Noller & Callan, 1991), os meios de comunicação (Kuczynski & Grusec, 1997), e a
escola (Kuczynski & Grusec, 1997). Mas, mesmo assim, a família continua a ser o mais
importante contexto de socialização, convertendo-se na mediadora principal em relação a
esses outros agentes. Como assinalam Kuczynski e Grusec (1997), os pais são as pessoas que
se encontram, potencialmente, na melhor posição para proporcionar uma socialização
adequada e pró-social aos seus filhos. Mesmo que existam muitas maneiras de modificar ou
reduzir o impacto da socialização parental, existem razões biológicas básicas que garantem a
influência proporcionada pelos pais. Os pais estão mais capacitados para influir nos seus
filhos por razões biológicas e sociais, porém, esta maior capacidade de influência não
significa que os filhos tenham um papel meramente passivo na socialização (Musitu & Cava,
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É importante assinalar que durante o processo de socialização o sujeito socializado
não desempenha um papel exclusivamente passivo. De acordo com Schaffer (1989), o
Interacionismo Simbólico concebe a criança como um ser participante e ativo do seu próprio
desenvolvimento social e ressalta a importância e o significado da interdependência entre pais
e filhos nos seus intercâmbios sociais. Nesta perspectiva, os processos de socialização que
ocorrem durante a infância e adolescência são frutos da influência bidirecional. Longe de ser
uma socialização em vertical, o resultado final é uma construção conjunta com o
comportamento de um modificando e alterando o comportamento do outro. Cada membro da
família pode influenciar o outro com o seu comportamento, as suas atitudes, os seus
sentimentos e os seus valores. A partir da interpretação que as crianças e adolescentes fazem
dos estilos e das práticas educativas utilizadas pelos seus pais, constroem estratégias que
podem conduzir a mudanças nas suas relações com os seus pais e a revisões nas práticas
educativas destes.
A socialização familiar é, sem dúvida, um processo complexo, de uma extensa
duração temporal no qual podemos distinguir ao menos, dois aspectos essenciais: o conteúdo
e a forma (Darling & Steinberg, 1993). É importante definir o que se transmite – o conteúdo
– e como se transmite – a forma.
A dimensão do conteúdo refere-se aos valores inculcados aos filhos, que dependem
dos valores pessoais dos pais e do sistema de valores dominantes no entorno sociocultural
(Musitu, 2000), enquanto a maneira de transmitir se refere à disciplina familiar, às estratégias
e os mecanismos que os pais utilizam para regular o comportamento dos filhos (Lila &
Marchetti, 1995).
Analisar essas interações de maneira precisa e objetiva supõe deparar-se com grande
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educar os seus filhos. Por outro lado, a influência de algumas práticas exercidas pelos pais,
perde-se facilmente em meio à complexidade de outras características parentais (Baldwin,
1948), ou seja, o comportamento dos pais faz parte de um conjunto muito maior, não se pode
analisar uma conduta isoladamente. Comportamentos específicos dos pais como bater, podem
trazer consequências para o desenvolvimento dos filhos, porém, enfocar qualquer destes
comportamentos isoladamente pode levar a uma interpretação errônea (Darling & Steinberg,
1993). Portanto, uma determinada situação, num contexto específico, não permite caracterizar
a relação entre pais e filhos. É necessário que se estabeleçam certas relações constantes entre
a forma como os pais atuam em relação ao comportamento dos filhos e as diferentes
situações do quotidiano para caracterizar um estilo de atuação chamado de estilo educativo
parental. De acordo com Musitu e García (2001) “os estilos educativos parentais se definem
pela persistência de certos padrões de atuação e pelas consequências que esses padrões têm
para a própria relação pais-filhos” (p. 9).