Capítulo 5. Estudos Transculturais
5.1. Definição de Cultura
Para iniciar uma revisão que aborda os estudos transculturais, é pertinente iniciar com
a definição de cultura. Sabendo-se, entretanto, da complexidade e polémica envolvidas neste
conceito, e que as considerações a este respeito fogem ao objetivo do presente estudo, optou-
se por fazer um breve recorrido sobre a origem do conceito e, em seguida, adotar uma
definição que enfocasse aspectos relevantes à discussão a ser empreendida nessa pesquisa.
De acordo com Laraia (2001), no final do século XVII e no início do século XVIII,
“kultur” era o termo germânico usado “para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma
comunidade, enquanto a palavra francesa “civilization” se referia principalmente às
realizações materiais de um povo” (p. 14). De acordo com o autor, o conceito atual de cultura
foi definido primeiramente pelo inglês Edward Tylor que sintetizou “kultur e civilization” na
palavra inglesa “culture”, que significa os conhecimentos, as crenças, a moral, os costumes
ou qualquer outro hábito adquirido pelos integrantes de uma sociedade. Para Tylor o ser
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vitais, como sono, alimentação, respiração, entre outros, mas a maneira como as satisfaz varia
de uma cultura para a outra (Laraia, 2001).
De acordo com Pagnotta & Resende (2013), foi em 1952 que dois eminentes
antropólogos americanos, Alfred Louis Kroeber e Clyde Kluckhohn publicaram uma extensa
revisão das teorias antropológicas. Esses autores verificaram que, depois de Edward Tylor,
trinta e dois anos passariam até que surgisse uma segunda definição explícita para cultura na
literatura antropológica, em 1903. Entre 1903 e 1919, identificaram seis definições formais e,
entre 1920 e 1950, outras 157. Depois de rever estas 164 definições e outras centenas de
proposições sobre cultura, os autores concluem que, se não havia uma teoria completa sobre
cultura na antropologia, existia um conceito razoavelmente bem descrito (Kroeber &
Kluckhohn, 1952). A definição de cultura elaborada por Kluckhohn (1951), como modos
padronizados de pensamentos, sentimentos e reações adquiridos e transmitidos
principalmente por meio de símbolos, constituindo realizações distintivas de grupos
humanos, foi apreciada de forma consensual no ambiente da antropologia.
Na atualidade, Destarte recorre a Triandis (1994a) e define cultura como um conjunto
de elementos objetivos e subjetivos, que no passado aumentaram a probabilidade de
sobrevivência e resultaram em satisfação, de forma que passaram a ser compartilhados por
grupos de pessoas falando o mesmo idioma e vivendo no mesmo lugar. Ros (2006) ilustra
que os elementos objetivos da cultura, acima referidos, se caracterizam pelos sistemas de
língua, tecnologia, instituições políticas, educativas e religiosas. Enquanto os elementos
subjetivos são as percepções compartilhadas do ambiente social, que se traduzem em
princípios e filosofias de vida (valores) e em comportamentos desejáveis ou prescritos para os
membros daquela cultura (normas), bem como para as diferentes posições ocupadas na
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No estudo dos aspectos subjetivos de uma cultura são buscadas as ideias
compartilhadas sobre o que é bom desejável e correto para uma sociedade (Porto, 2004).
Esses valores culturais servem para estabelecer normas compartilhadas que definem o tipo de
comportamento apropriado nas diversas situações, além de servir para justificar o motivo
daquela escolha (Schwartz, 1994a). Nessa perspectiva, um ponto a ser destacado é a inegável
influência da cultura no comportamento humano e na orientação social, tanto que
determinados padrões de comportamentos são aceitos e praticados entre os membros de uma
dada cultura sem maiores questionamentos.
Um exemplo disso é a tradição espanhola que consiste num sono curto de 20 a 30
minutos depois do almoço, a famosa “siesta”. Em Espanha o meio dia não é exatamente às
doze horas e sim um conceito que representa o período de descanso entre as catorze às
dezessete horas aproximadamente. O horário de trabalho, geralmente, vai das nove às catorze
e depois das dezessete às vinte horas. Na perspectiva do Brasil, no entanto, em que muitos
trabalhadores retornam às suas casas, do trabalho, por volta das dezoito horas, tal sistema
seria impraticável, e certamente muitos questionamentos seriam levantados acerca dos
possíveis prejuízos advindos dessa forma de comportamento.
Tal exemplo sugere que o conceito de cultura se encontra intimamente relacionado
com o conceito de valores culturais (Schwartz, 1994b; Hofstede, 2001). Os valores culturais
ditam normas sociais e orientam ações e sanções normativas (Kroeber & Kluckhohn, 1952) e
são elementos necessários na determinação da forma de pensar, agir e sentir do indivíduo
(Tamayo & Schwartz, 1993). Triandis (1989), afirma que a cultura exerce influência sobre o
tipo de pessoa que se constrói socialmente e que os dois níveis de análise (individual e
cultural) apresentam frequentemente uma correlação elevada. Para Ros (2006), os valores,
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aspectos do comportamento humano. Existe consenso dentro da psicologia social de que a
cultura contribui de maneira relevante para o desenvolvimento do comportamento humano,
que não pode existir num vácuo cultural (Berry, Poortinga, Breugelmans, Chasiotis, & Sam,
2011). Talvez, o aspecto mais importante verificado por Hofstede é que a cultura pode ser
utilizada como uma variável preditiva (Smith & Bond, 1999).
Há algum tempo, estudiosos têm apontado a necessidade da adoção de desenhos
transculturais em pesquisas (Bauer & Taylor, 2001; Miller-Loessi & Parker, 2006; Triandis,
1994b). Os efeitos de muitas variáveis de interesse dos pesquisadores interagem em uma
cultura, abordá-los de diferentes perspectivas culturais pode contribuir para facilitar a
distinção entre os mesmos (Triandis, 1994b). Uma característica importante dos estudos
transculturais é o de possibilitar uma diferenciação entre os aspectos universais e os aspectos
específicos da cultura, quando se analisa um fenómeno psicológico (Triandis, 1994b). Nesta
perspectiva, um dos aspectos fundamentais dos estudos transculturais é a possibilidade de se
estudar como a variação cultural se relaciona com os fenómenos estudados.
A seguir apresenta-se a proposição de modelos transculturais que abordam algumas
dimensões que caracterizam a cultura de diferentes grupos, sendo testadas numa grande
quantidade de países.