Capítulo 3. Valores
3.3. Avaliação dos Valores
Apesar dos valores terem sido objeto de estudos desde épocas remotas, o seu estudo
científico, porém, começou com as primeiras tentativas de medida. Em 1928, o filósofo
Eduard Spranger, na Alemanha, elaborou uma espécie de tipologia para o estudo dos valores
e da personalidade. Spranger, entretanto, não elaborou um instrumento para a verificação da
sua teoria. Somente em 1931, o seu estudo foi traduzido para o inglês e a sua teoria foi
utilizada como base para a construção do primeiro instrumento para avaliação dos valores,
denominado “Study of Values” (Tamayo & Porto, 2009).
O Estudo dos Valores – Allport, Vernon e Lindzey (1951)
Inspirados nos estudos de Spranger, estes autores procuraram fazer uma classificação
dos tipos de seres humanos ideais. Allport, Vernon e Lindzey (1951) criaram um instrumento
para medir seis interesses ou motivos da personalidade: teórico, econômico, estético, social,
político e religioso, que consistia em duas partes, em que, na primeira, os participantes
deveriam responder a 30 questões escolhendo uma de duas possibilidades de resposta; e, na
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questão, da mais a menos preferida. Durante muitos anos, este instrumento foi o mais popular
nos estudos dos valores (Tamayo & Porto, 2009).
Treze Modos de Viver – Morris (1956)
O instrumento proposto por Morris (1956), denominado Treze Modos de Viver,
também tem as origens filosóficas, em especial, àquelas advindas do pragmatismo norte-
americano. Segundo este autor, um estudo científico dos valores seria capaz de avançar o
empreendimento das ciências humanas. Assim, ele formulou treze concepções acerca dos
modos de viver (por exemplo, cultivar a independência de pessoas e coisas, preservar o
melhor que o homem tem atingido e atuar e aproveitar a vida por meio de participação em
grupos), os quais são muito diferentes em seu conteúdo e incluem valores que foram
defendidos em vários sistemas éticos e religiosos (Döring, 2008). Neste instrumento, os
respondentes são instruídos a pensar acerca do tipo de vida que eles gostariam de ter,
ordenando cada modo de viver em uma escala de sete pontos de gostaria muito a não gostaria
muito.
Rokeach Values Survey (RVS) – Rokeach, 1967
Alguns autores consideram o RVS (Rokeach, 1967), como o primeiro instrumento de
avaliação dos valores. As contribuições teóricas de Rokeach foram referenciadas no início
deste capítulo. Em 1967, Rokeach elaborou um instrumento com o fim de identificar os
valores humanos. Este instrumento foi amplamente utilizado no estudo dos valores e continua
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valores, dividido em duas partes: 18 valores terminais que se referem a metas gerais da
existência (e.g.liberdade, igualdade) e 18 valores instrumentais que expressam
comportamentos ou qualidades morais (e.g. obediente, honesto). A escala de respostas
utilizada é de tipo ordinal. A escala apresenta duas listas de valores (terminais e
instrumentais). Para cada lista, o respondente deve colocar em ordem de importância os
valores descritos, ficando em primeiro lugar o mais importante e, por último, o de menos
relevância.
Questionário de Valores de Schwartz – PQV
Após a descrição de alguns instrumentos referentes a medidas de valores inspirados
nos estudos filósofos, tanto no nível das teorias de valores culturais como pessoais, será
mencionado, o instrumento empregado nessa pesquisa, o Inventário de Valores de Schwartz
– SVS (Schwartz, 1992) e, posteriormente aprimorado, no Questionário de Perfis de Valores
(PQV) (Schwartz, Lehmann, Burgess, & Harris, 2001). O PQV, instrumento foi aplicado em
diversas culturas, tendo uma versão de 40 itens traduzida para o português do Brasil por
Tamayo (2007), denominado Questionário de Perfis de Valores Pessoais (QPVP).
Na primeira publicação sobre o modelo dos tipos motivacionais, Schwartz e Bilsky
(1987) empregaram a medida de valores proposta por Rokeach (RVS – 36), constituída de 36
valores, sendo 18 instrumentais e 18 terminais, para mensurar oito domínios motivacionais
propostos. Embora o RVS – 36 tenha servido ao propósito no primeiro estudo, Schwartz
(1992) optou por desenvolver um instrumento próprio, mais amplo, tendo como base o
questionário de Rokeach, que compreendesse os novos tipos motivacionais propostos.
O “Schwartz Value Survey” (SVS) foi o primeiro instrumento de valores desenvolvido
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pesquisas sobre valores humanos a nível mundial. Este instrumento foi, inicialmente,
traduzido para três idiomas (inglês, hebraico e finlandês); hoje já conta com mais de 48
traduções e aplicações em 68 países. No período compreendido entre 1988 e 2002, por
exemplo, 233 amostras (n = 64.271) de 68 países foram utilizadas, contando com a
diversidade geográfica, cultural, linguística, religiosa, etária, género e grupos ocupacionais.
Os dados resultantes dessas amostras têm validado as hipóteses de conteúdo e a estrutura
postuladas pela teoria (Schwartz, 2006).
No total, o SVS foi composto por 56 valores, sendo 52 valores representativos dos dez
tipos de valor postulados como universais, e quatro representando os valores de
espiritualidade. Contudo, Schwartz (1992) estimulou os colaboradores das pesquisas a
acrescentarem outros valores percebidos como importantes na cultura onde se fosse
validar/aplicar o instrumento. No Brasil, por exemplo, Tamayo e Schwartz (1993)
adicionaram quatro valores (sonhador, esperto, vaidade e trabalho) tidos pelos autores como
tipicamente brasileiros, à adaptação do instrumento.
Os valores são apresentados em duas listas distintas, sendo os primeiros 30 redigidos
como valores terminais (substantivos) e os 26 restantes como valores instrumentais
(adjetivos). Os participantes avaliam cada valor , como um princípio-guia em minha vida, em
uma escala de nove pontos, que varia de 7 (extrema importância) a 1 (oposto a meus valores).
Antes de avaliar os valores em cada lista, os participantes escolhem os valores mais
importantes (atribuindo 7) e os contrários aos seus valores (atribuindo 1).
A validação do instrumento foi realizada, progressivamente, com 212 amostras
provenientes de 67 países, num total de 64.271 sujeitos, tendo sido mais comumente
empregue à técnica de análise “Smallest Space Analysis” (SSA). Verificando-se a existência
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compatibilidade – incompatibilidade entre os valores (Sagiv & Schwartz, 2000; Schwartz &
Rubel, 2005). Como se verificou no Brasil (Gouveia et al., 2001; Tamayo, 1994; Tamayo &
Schwartz, 1993), Espanha (Ros & Grad, 1991; Vera & Martínez, 1994) e Portugal (Menezes
& Campos, 1997).
Contudo, em algumas amostras culturais de países pouco desenvolvidos, a nível
econômico e educacional, o modelo não é replicado na sua totalidade, colocando em causa a
validade da teoria dos valores humanos básicos de Schwartz e a universalidade dos dez
domínios motivacionais. Desta forma, os investigadores da teoria foram levados a concluir
que, para a maioria dos adultos letrados de diversas culturas, os valores estão organizados de
acordo com uma estrutura motivacional comum (Schwartz et al., 2001).
Resumo do Capítulo
O objetivo principal deste capítulo foi apresentar as perspectivas teóricas que se
ocupam do estudo dos valores. Sabe-se que o estudo dos valores humanos foi, durante muitos
séculos, uma área da competência exclusiva da filosofia e que a reflexão filosófica tem
indiscutíveis méritos na fundamentação e construção das teorias sobre os valores humanos.
Na atualidade, a abordagem individual ou psicológica são as duas perspectivas que se
ocupam do estudo dos valores.
Dentro da abordagem psicológica, no estudo dos valores, Rokeach (1973) é
considerado um dos teóricos que mais contribuiu para os avanços na área da Psicologia. No
âmbito das principais contribuições de Milton Rokeach para a área dos valores humanos,
destacam-se:
• sintetizou conceitos e reuniu ideias de perspectivas diferentes e sugeriu uma abordagem transdisciplinar;
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• fez uma distinção entre valores, atitudes e traços;
• apresentou uma definição específica para os valores humanos e os sistemas de valores;
• propôs um instrumento para medir os valores humanos; e, por fim,
• comprovou que os valores são centrais no sistema cognitivo, além de diferenciar valores instrumentais e terminais (Gouveia, Martinez, Meira, &
Milfont, 2001).
Os seus estudos representaram um grande passo para a compreensão dos valores, pois
foi ele o primeiro a realizar uma análise sistemática dos valores, tornando possível a sua
medição empírica. Este autor conceptualizou os valores como prioridades axiológicas que
guiariam a vida das pessoas, podendo ser entendidos como “uma crença duradoura de que um
modo específico de comportamento ou estado último de existência é pessoal ou socialmente
preferível a um modo de comportamento ou estado final de existência oposto ou inverso”
(Rokeach, 1973, p. 5).
Atualmente, os estudos de valores de Schwartz têm sido considerados entre os mais
abrangentes. A sua teoria tem sido apontada como a mais relevante. O autor define valores
como crenças pertencentes a estados finais de existência ou modos de conduta desejáveis, que
transcendem situações específicas, orientam na seleção ou avaliação de comportamentos,
pessoas e eventos, e são ordenados pela importância relativa a outros valores, formando um
sistema de prioridades de valores. De acordo com a teoria de Schwartz dez tipos
motivacionais de valores são derivados das três exigências humanas: poder, realização,
hedonismo, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança. A estrutura de
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práticas e sociais, que podem ser compatíveis ou gerar conflito quando buscados ou expressos
simultaneamente.
Posteriormente foi apresentada a análise e classificação dos principais instrumentos
que têm sido utilizados na avaliação dos valores, dando maior ênfase ao Questionário de
Perfil de Valores (PQV), para o estudo dos valores. O PQV apresenta validade transcultural,
ou seja, apresenta uma consistência considerável do significado motivacional entre as
culturas. Deste modo, tais valores podem ser empregados para comparar prioridades
valorativas de diferentes nações ou grupos culturais.
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