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A família e o desempenho das funções maternas e paternas

CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 Concepções e práticas educativas de pais e educadoras

1.2.2 Gênero, práticas e cuidados infantis

1.2.2.1. A família e o desempenho das funções maternas e paternas

A entrada da mulher no mercado de trabalho influenciou grandes mudanças, não apenas nas novas opções de cuidado de bebês e crianças pequenas em creches e pré-escolas como também nas crenças sobre a participação paterna nos cuidados das crianças e da casa (Prado, Piovanotti, & Vieira, 2007; Dantas et al. 2004; Bustamante & Trad, 2007). Essas mudanças sociais têm contribuído para que o homem apresente algumas dificuldades de desempenhar sua função nas complexas relações sociais e familiares (Lopes, Prochnow, & Piccinini, 2010).

Estudos conduzidos por Dias e Aquino (2006), Freitas et al. (2009), Silva, Pontes, Lima e Maluschke, (2010), Jablonski, (2010) e Amazonas, Vieira e Pinto (2011) indicam que as vivências da maternidade e da paternidade são fortemente marcadas por questões de gênero, mesmo quando as mães trabalham fora de casa. São as mulheres que sofrem mais restrições sociais, sobretudo nos primeiros meses de vida dos filhos. Um padrão de gênero assimétrico fortalece o laço entre maternidade e espaço privado, e entre os casais que vivem em união conjugal o pai é o principal responsável pelo sustento da criança, o que o relaciona

à masculinidade e à função de provedor. Mulheres que, na esfera privada, são demandadas a atender às exigências de maridos e filhos apresentam, ao mesmo tempo, um discurso de sujeito livre e autônomo que trabalha. Elas assumem múltiplas identidades que a divisão masculina/feminina não dão conta, razão por que é preciso superar essas relações dicotômicas (Amazonas et al. 2011).

Apesar de as crenças e as expectativas sobre o papel paterno na criação dos filhos terem sofrido transformações nas últimas décadas, ainda se sabe pouco sobre como está a rotina de pais e filhos e como esses pais avaliam seu papel (Silva & Piccinini, 2007). O desenvolvimento de pesquisas empíricas que abordam a importância paterna para o desenvolvimento infantil ocorreu há poucas décadas, e ainda são escassos estudos que contemplem o envolvimento paterno nos primeiros meses de vida dos filhos, uma vez que estudos com a mãe ainda predominam (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2012).

O que parece instaurar a paternidade é a presença física do bebê (Gonçalves, Guimarães, Silva, Lopes, & Piccinini, 2013). Em estudo realizado por Dessen e Oliveira (2013), em que mães relataram sobre o apoio paterno durante a gestação e o nascimento de filhos, os pais foram percebidos como pouco participativos. Apesar disso, as mães se mostraram satisfeitas com o envolvimento deles.

Os pais são percebidos como alguém que ajuda nos cuidados infantis ou nas atividades do lar tanto por mulheres (Lago, Souza, Kaszubowski & Soares 2009; Lopes et al. 2010) quanto por homens (Krob, Piccinini, & Silva, 2009) e por casais (Bustamante & Trad, 2007). Essas atividades ainda estão relacionadas a um pai tradicional, que se envolve em atividades recreativas, e não, de cuidado, pois apenas uma minoria dos pais participa dos cuidados cotidianos (Krob et al. 2009). No que se refere ao cuidado com os filhos, o ponto de vista da mulher tende a predominar (Bustamante & Trad, 2007).

Pais primíparos de bebês de três meses revelaram dificuldades de lidar com o dia a dia do bebê e disseram que o prazer se mistura com o cansaço de assumir essa nova função (Piccinini et al., 2012; Gonçalves et al., 2013). De acordo com Piccinini et al. (2012), a falta de habilidade relatada pelos pais pode estar relacionada à falta de modelos a serem seguidos e de atenção que os pais recebem nesse momento, uma vez que a díade mãe-bebê é o centro das atenções, o que pode causar um sentimento de insegurança no pai. Poucos pais se referiram a preocupações com o sustento da família de uma forma geral, mas destacaram seu papel de apoiar, material e emocionalmente, as mães e foram percebidos como tendo uma função secundária de apoio a elas.

Dados similares foram obtidos no estudo desenvolvido por Gabriel e Dias (2011), que concluíram que a descrição de serem pais é atravessada pela experiência de serem filhos, pois, ao mesmo tempo em que desejam reproduzir os acertos de seus pais, cuidam para não repetir os erros. De acordo com Marin et al. (2013), pais e mães mesclam na educação de seus filhos a perpetuação das práticas educativas dos seus progenitores com mudanças provenientes da dinâmica do casal e da criança. Assim, a transmissão intergeracional não ocorre de maneira linear, mas é influenciada por outras questões que vão além do aprendizado de determinado padrão.

O movimento que se aproxima do “novo pai” ou um “pai contemporâneo” propicia reflexões nos sujeitos que possibilitam a desconstrução do modelo de pai incorporada a partir das relações sociais desde criança, especialmente com o próprio pai (Freitas, Coelho, & Silva, 2007). A nova concepção de paternidade diz respeito à revisão da incorporação dos valores de gerações anteriores. Essa nova identidade possibilita que os pais possam lidar com suas emoções e expressá-las (Dantas et al. 2004). Estudos recentes revelam que os homens separados (Moura, Silva, Sampaio, & Grossi, 2010) e os casados (Gonçalves et al., 2013) demonstram o desejo de participar mais da vida dos filhos. Esses resultados indicam que

existe uma diferença entre o ideal cultural de paternidade e a realidade do comportamento paterno, o que demonstra um conflito entre a paternidade ideal e a real (Krob et al. 2009; Silva & Piccinini, 2007).

Prado et al. (2007) investigaram as concepções de mães e pais a respeito do pai real e do ideal de 30 casais que tinham, pelo menos, um filho, entre três e seis anos de idade. Por meio da utilização de escalas sobre estilos parentais, verificou-se que não houve uma diferença estatisticamente significativa entre a concepção de mães e pais sobre o comportamento paterno ideal. Os aspectos didáticos e de interação social foram citados como os mais distantes do ideal, e a disciplina, como o mais próximo. Já no comportamento paterno real, ocorreram divergências, pois os pais tendem a imaginar sua participação como mais efetiva do que as mães imaginam.

Diante das constantes reformulações da família, em que há divórcios, recasamentos e mais intercâmbio entre as tarefas desempenhadas por mães e pais, estabelece-se novas formas de relacionamentos entre seus integrantes (Dantas et al. 2004). Resultados de pesquisa realizada por Dantas et al. (2004) sobre a redefinição da paternidade com homens separados apontam uma mescla maior entre os papéis de pais e de mães que indicam mais igualdade nos cuidados e provisão material para os filhos. Estudos recentes têm contemplado as práticas maternas e paternas após o divórcio como os estudos conduzidos por Grzybowski e Wagner (2010), Lamela, Castro e Figueiredo (2010) e Moura et al. (2010). Na pesquisa desenvolvida por Moura et al. (2010) com pais divorciados, são apontados como variáveis preditoras da parentalidade com o filho a conjugalidade, a coabitação, o sexo dos pais e dos filhos e as condições financeiras dos progenitores.

Baseando-se na abordagem ecológica-contextual de envolvimento parental, Grzybowski e Wagner (2010), por meio de um Inventário de Práticas Parentais, verificaram que, depois da separação, há mais envolvimento materno com os filhos, e a coabitação é uma

variável associada a atividades realizadas no espaço privado. Já os pais se mostraram mais envolvidos em atividades realizadas no espaço público/social. Nível de escolaridade, ocupação e questões afetivo-conjugais estiveram relacionados ao envolvimento parental depois do divórcio. Em oposição a esses achados, Tokumaru, Zortea, Howat-Rodrigues e Andrade (2011) argumentam que a falta de coabitação com o pai apresenta um custo para a mãe que interfere no investimento materno e o diminui. Segundo os autores, isso estaria de acordo com a Teoria do Investimento Parental, que prevê diminuição no investimento com a diminuição da relação benefício/custos.

De acordo com Levandowski e Piccinini (2002) a coabitação com o filho pode favorecer o cuidado paterno, porque, entre moças e rapazes não unidos, a proporção de pais envolvidos com o cuidado dos filhos se reduz. Esses resultados devem ser considerados nos estudos que abordam o vínculo entre pai e filho depois do divórcio. De acordo com Moura et al. (2010), em tais contextos, devem-se considerar a elaboração/resolução da relação e a separação conjugal. Lamela et al. (2010) asseveram que é possível ajustar o divórcio e melhorar a qualidade da coparentalidade por meio de grupos de intervenção com pais separados.

Programas que visem ao bem-estar da família devem priorizar a participação dos pais homens (Dessen & Oliveira, 2013). Piccinini et al. (2012) salientam que os pais também precisam de apoio para construir uma relação de afeto, satisfação e cuidado com o bebê. Assim, o envolvimento dos pais deve ser estimulado desde a gestação do filho, para que a transição para a paternidade ocorra de forma ativa, sem concentrar a atenção nas mães e em outras figuras de sua rede de apoio, como as avós.

Estudos têm incluído as perspectivas dos filhos, sejam eles crianças ou adolescentes, sobre suas percepções a respeito da família e das atividades desempenhadas por pais e mães. Atualmente a mulher está inserida no mercado de trabalho e continua assumindo suas funções

de mãe, esposa, dona de casa. Assim é percebida pelos filhos como uma pessoa que supre suas necessidades, mesmo quando ela é a única responsável por cuidar de seus filhos (Goetz & Vieira, 2008).

Goetz e Vieira (2009), priorizando a opinião dos filhos como integrantes do microssistema familiar, investigaram a percepção de 216 filhos com idades entre 10 e 11 anos em relação ao comportamento paterno e sua diferença quanto ao cuidado materno. Uma diferença estatisticamente significativa foi encontrada entre a percepção do pai real e a do ideal, principalmente quanto ao cuidado e à interação, além de diversão, orientação, brincadeira e carinho. Já o cuidado materno foi percebido como muito próximo do ideal. Os resultados indicam que os filhos apresentam um ideal de expectativas elevadas para ambos os pais, porque acreditam que deveriam dividir as tarefas parentais e estar mais presentes no cuidado e na interação com eles. Além disso, as crianças esperam mais contenção de ambos os pais em relação aos comportamentos indesejáveis.

Outro estudo, que utilizou a mesma amostra de crianças da pesquisa anterior, visou investigar se os filhos cujos pais vivem juntos percebem diferenças entre o cuidado real e o ideal com os filhos cujos pais são separados. Houve uma diferença estatisticamente significativa entre o pai ideal e o real entre os filhos de pais que não vivem juntos. As expectativas dos filhos quanto ao pai ideal se referem a uma atuação mais ampla, que envolve cuidado e interação. Mesmo que os pais sejam separados, os filhos lhes atribuem essas funções e confere-lhes grande importância (Goetz & Vieira, 2008).

Além de se investigar como os filhos percebem as diferenças entre pais e mães, estudos estão sendo conduzidos no sentido de conhecer as concepções das crianças sobre a família e como as mesmas as descrevem. Meninos entre seis e oito anos de grupos populares representaram famílias, por meio da técnica do desenho-estória, de forma idealizada e que não corresponde a família real. A mãe foi a que recebeu maior investimento e o pai foi

representado da mesma forma que os demais membros da família, o que aponta a fragilidade da figura paterna (Polli & Arpini, 2012). Tais resultados demonstram que as crianças continuam a reproduzir a figura materna como sendo a grande responsável pela família.