• Nenhum resultado encontrado

Práticas parentais: diferenças entre pais e mães

CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 Concepções e práticas educativas de pais e educadoras

1.2.2 Gênero, práticas e cuidados infantis

1.2.2.2 Práticas parentais: diferenças entre pais e mães

As diferenças nas práticas parentais também vêm sendo investigadas por pesquisadores. Nesses estudos, alguns autores analisam as similaridades e as diferenças na prática de pais e mães em função do sexo dos filhos.

Em pesquisas realizadas por Piccinini, Frizzo, Alvarenga, Lopes e Tudge (2007) com pais de bebês de 18 meses, por Marin et al. (2011), com pais de bebês entre com idades de 24, 36 e 72 meses, e por Freitas & Piccinini (2010), com crianças de quatro e seis anos de idade, não foram encontradas diferenças significativas entre as práticas maternas e as paternas. Isso indica que o sexo dos progenitores é menos relevante do que outros indicadores, como o nível de instrução, a qualidade da relação conjugal e a experiência dos pais com seus próprios cuidadores. Entretanto, no estudo de Marin et al. (2011), em que foram investigadas as práticas coercivas, de não interferência e indutivas, foram identificadas diferenças entre pais e mães nas práticas indutivas. As práticas indutivas e de não interferência apresentaram diferenças entre os momentos examinados, o que sugere que elas podem estar associadas à atribuição de mais competência ou responsabilidade aos filhos, o que, por sua vez, pode estar associado à idade e à maturidade que lhe é conferida ou, ainda, ao seu desenvolvimento cognitivo. Além desses fatores, as práticas de não interferência podem estar associadas ao surgimento da assertividade. Já as práticas coercitivas tenderam a se manter estáveis durante o período pesquisado e pareceram ser mais utilizadas em situações de grande conflito com a criança ou como última alternativa para atingir o objetivo disciplinar almejado,

principalmente depois de usar as outras duas práticas, o que sugere que ela é utilizada com o objetivo de socialização de curto prazo. Vale ressaltar que esses estudos não analisaram o sexo dos pais combinados com o sexo dos filhos.

Sampaio e Vieira (2010) fizeram uma pesquisa com o objetivo de investigar se o sexo e a ordem de nascimento dos filhos podem gerar diferenças nas práticas educativas parentais. Foram utilizados o Inventário de Estilos Parentais (IEP) e um questionário elaborado pelos autores e aplicados a 322 adolescentes com idades entre 13 e 17 anos. Foi possível verificar que o estilo parental sofre a interferência do gênero dos filhos e que a ordem de nascimento interfere na percepção dos filhos sobre preferência parental. Os resultados sugerem que as primogênitas apresentaram mais risco de sofrer com as práticas parentais negativas. As meninas são tratadas de modo diferente por seus pais e suas mães, sofrem mais exigência no comportamento moral e mais práticas negativas do que os meninos, o que pode estar relacionado à preferência histórica de se investir mais em meninos do que em meninas, que apresentaram mais força social. Já os meninos são mais monitorados positivamente pelos pais. Os autores apontam como possíveis hipóteses para essas diferenças a identificação sexual entre mãe e filha e pai e filho, o que facilitaria uma interação entre essas díades. As meninas assinalaram existir mais preferência parental do que os meninos, principalmente entre os pais, mas foi a ordem de nascimento, e não, o gênero o fator que mais influenciou a percepção da preferência parental.

Já quando essas práticas educativas parentais são investigadas em relação a problemas de comportamento e de competência social de crianças de seis anos de idade, os resultados apontam que práticas coercitivas maternas e paternas associam-se aos problemas de comportamento infantil, e as práticas indutivas paternas associam-se a aspectos da competência social (Marin, Piccinini, Gonçalves, & Tudge, 2012). As mães de meninas relataram mais comportamento de autocontrole e competência social do que as de meninos.

Este estudo deixa clara a importância de se estudar o sexo como uma variável de análise, pois aqui tanto se podem verificar diferenças entre o sexo dos pais quanto de práticas parentais relacionadas ao sexo dos filhos.

Quando a prática parental e o vínculo de apego são investigados em relação à agressividade entre crianças de nove e 12 anos e seus cuidadores, Nunes, Faraco, Vieira e Rubin (2013), que utilizaram um questionário sobre práticas parentais e vínculo de apego, indicam que as crianças com vínculo frágil de apego materno, altos níveis de rejeição parental e o fato de ser menino predizem a agressividade. O retraimento social pode ser predito pelo vínculo frágil de apego paterno e pela baixa escolaridade paterna. Já a rejeição de ambos os pais se associa marginalmente a ansiedade e depressão dos filhos.

O sexo e a idade foram preditores de problemas de comportamento em crianças com idades entre sete e 11 anos na Colômbia. A tendência a ficar nervosa, com medo, preocupada, tristeza e estressada foi observada, prioritariamente, em meninas. Pais, professores e as próprias crianças fizeram parte do estudo realizado por Rodriguez (2010). A variável ‘sexo’ esteve associada, em meninas de oito e nove anos, à hiperatividade e a problemas de conduta, assim como a ansiedade, depressão e problemas escolares. Quando é o pai que assume a posição de impor limites e normas, os índices de tensão dos filhos são maiores, e o grau de comprometimento da criança com os outros é menor do que quando é a mãe que assume essa tarefa. Além disso, problemas de somatização foram apontados pelas professoras como mais frequentes entre meninos (Rodriguez, 2010).

No estudo de Seabra-Santos e Gaspar (2012), de que também participaram pais e educadores, concluiu-se que diferenças cognitivas de crianças são valorizadas em função da idade e do sexo da criança. A área da aprendizagem é mais valorizada para meninos, e a área da comunicação, para meninas. Pais e educadores concordam sobre o nível do

desenvolvimento do domínio social das meninas, o que pode sugerir mais consistência situacional entre elas.

Em relação às necessidades de cuidado, Bustamante e Trad (2007) afirmam que são fortemente diferenciadas a partir do sexo da criança. Os autores buscaram investigar as formas de cuidado com a saúde de crianças menores de seis anos em famílias atendidas pelo Programa de Saúde da Família (PSF), na periferia de Salvador. Por meio de uma abordagem etnográfica, as famílias foram acompanhas durante nove meses. A necessidade de cuidado foi dividida em três eixos: a preservação da integridade, a possibilidade de brincar e a educação. Os participantes consideraram que a menina necessita de mais cuidados corporais, que inclui arrumação, roupa, higiene, penteado e “ficar de olho”. Já os meninos necessitariam de mais controle e diálogo, principalmente com o pai. Diferenças de gênero também foram verificadas em relação à satisfação e às expectativas relacionadas à divisão sexual do trabalho. A mãe se satisfaz ao mostrar a filha arrumada e penteada, e o homem fica satisfeito quando desempenha o papel de provedor e de é considerado uma fonte de respeito para a família. Isso demonstra a permanência da divisão sexual do trabalho nas famílias de camadas populares, em que o homem é o provedor, e a mulher, a cuidadora, mesmo que, na prática, essas mulheres sustentem a casa e o homem esteja desempregado (Bustamante & Trad, 2007).

De acordo com Aquino e Salomão (2005), o sexo das crianças é uma característica muito importante nos estudos sobre enunciados maternos. Esses enunciados, que servem para controlar e manter a atenção das crianças nas trocas interativas, apresentam funções e variações a partir do sexo das crianças. Participaram da pesquisa 16 díades mãe-criança, com idades entre 24 e 30 meses, que foram filmadas durante 20 minutos em seus ambientes naturais. Verificou-se que os meninos recebem mais diretivos do que as meninas. Variações também ocorreram quanto ao tipo de diretivo, pois os meninos recebem mais diretivos de atenção, e as meninas, mais diretivos de instrução de suas mães. Isso pode ocorrer porque se

envolvem menos nas atividades propostas pela mãe, em detrimento de mais envolvimento das meninas nas interações durante as brincadeiras livres. Isso também pode indicar, segundo as autoras, que os diretivos de instrução e atenção podem apresentar diferentes intenções comunicativas, que vão além do controle e da inibição. Verificou-se que características infantis como o sexo, por exemplo, interferem no tipo de relação que as crianças estabelecem com suas mães, desde uma idade bem precoce, e vai se modificando ao longo do desenvolvimento infantil.

Além de as diferenças de gênero serem investigadas em relação às práticas educativas, elas são investigadas quanto às metas de socialização e à influência parental. A influência parental, de acordo com o sexo dos filhos, foi investigada entre jovens atletas, e a influência exercida se diferencia de acordo com o sexo dos pais e dos atletas. Geralmente, são os pais que encorajam os filhos a praticarem esportes e, depois, continuam a apoiá-los. Atletas infantis relatam ter mais apoio, interesse e acompanhamento dos pais em suas atividades esportivas. Um resultado destacado pelo autor é que atletas com melhores resultados no esporte descrevem um apoio técnico e de acompanhamento de ambos os progenitores. Diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre rapazes e moças. Elas perceberam mais ameaças na competição e mais acompanhamento nessas atividades por parte da mãe e menos influência técnica por parte do pai (Gomes, 2010). Diferenças de gênero na prática esportiva também são comentadas por Melo, Giovani e Tróccoli (2004), que afirmam que estereótipos sexuais são atribuídos a mulheres de acordo com o esporte que elas praticam e o seu biotipo.

Wagner, Tronco, Gonçalves, Demarchi e Levandowski, (2012) investigaram os projetos e as estratégias de socialização que pais e mães manifestam ter com seus filhos em idade escolar. Os projetos que se destacaram foram: formação profissional, formação pessoal, constituição de família e liberdade na construção de seus próprios projetos. Como estratégias

para a realização desses projetos, os pais revelaram investir na formação profissional, no conforto, no diálogo, no cuidado, no tratamento igualitário entre os filhos, no respeito aos interesses deles e na instrumentalização pedagógica. Apresentaram-se a coexistência de padrões transgeracionais e elementos que correspondem às demandas atuais. A repetição de modelos das famílias de origem dos entrevistados ficou explícita na reprodução dos papéis de gênero. Já o exercício do diálogo foi uma mudança de atitude no processo educativo exercido nessa geração. Esses resultados indicam como o gênero está arraigado às construções sociais e históricas tradicionais que são difíceis de ser modificadas. Porém, outras mudanças, como mais diálogo entre pais e filhos, podem promover novas relações de gênero.

Diniz e Salomão (2010) investigaram as metas de socialização de mães e pais acerca do futuro dos seus filhos e a influência do sexo da criança nessas metas e nas práticas desses pais. Participaram 26 casais residentes na cidade de João Pessoa - Paraíba. Dentro das estratégias de ação, as centradas foram as mais destacadas e mais utilizadas pelas mães, que as relacionam a dar amor e carinho. Já os homens, nessa categoria, referiram-se mais à transmissão de valores para os filhos, situação que remete aos tradicionais papéis de mãe e pai. Quando as metas foram comparadas em função do sexo da criança, expectativas sociais que envolvem o seguimento de normas sociais e honestidade foram mais esperadas por pais de meninos. Ainda se pode perceber, apesar de não ser uma diferença estatisticamente significativa, mais referência à emotividade no discurso de mães de meninas, o que pode indicar que a mulher deve ser mais carinhosa e condescendente, enquanto os homens, mais ativos e competitivos. Já os pais que participaram da pesquisa desenvolvida por Wagner et al. (2012) destacaram os aspectos relativos à vida profissional e familiar. Em alguns relatos, ficou explícito que os pais associam o sexo do filho aos seus desejos, como desejar que o filho cursasse Engenharia, e a filha, Psicologia. Os pais também desejaram que os filhos formassem famílias unidas e felizes, o que segundo os autores, parece estar desvinculado do

cenário atual das relações de conjugalidade. Entretanto, nesse ponto, os autores não comentam se houve diferença de acordo com o sexo dos filhos.

Já outros estudos, como os de Hemesath (2013), Rabuske, Oliveira e Arpini (2005) e Costa e Antoniazzi (1999), investigaram mais especificamente as concepções dos pais sobre as construções da identidade de gênero das crianças. Costa e Antoniazzi (1999) fizeram um estudo sobre a influência da socialização de pais e mães, na construção da identidade de gênero das crianças, por meio da percepção dos pais, cujas crenças em relação aos papéis de gênero determinam expectativas diferentes para meninos e meninas e influenciam no comportamento das crianças. Já o estudo desenvolvido por Hemesath (2013) foi realizado com mães e pais de crianças nascidas com diagnóstico de anomalias da diferenciação sexual (ADS). Os participantes da pesquisa entendem que a anatomia da genitália é um fator que marca a identidade de gênero. Porém, segundo ambos os pais, na formação da identidade de gênero da criança, somam-se o sexo de criação com o qual a criança é educada e o reconhecimento social.

Esses resultados vão ao encontro da pesquisa desenvolvida por Rabuske et al. (2005) sobre as concepções a respeito de desenvolvimento infantil de mães de baixo nível socioeconômico, que tinham filhos com idades entre zero e 12 anos. Ela revelou que a aprendizagem e o exemplo são considerados formas eficientes para manter os estereótipos de gênero. Foi verificada uma preocupação com a rigidez na avaliação dos comportamentos dos filhos em relação aos estereótipos de gênero. As mães classificaram, de forma rígida e diferenciada, as seguintes características de meninas: “calmas”, “quietas” e que “cuidam da aparência”, e de meninos: “agitados”, “agressivos” e “arteiros”. Devido às rígidas concepções maternas sobre gênero, as autoras indicam como possíveis caminhos a formação de grupos de mães em espaços da atenção básica, onde haja equipes interdisciplinares e psicólogos para

auxiliar a compreender o desenvolvimento infantil e sua relação com as condições sociais e psicológicas.

Rabuske et al. (2005) asseveram que conhecer as concepções dos pais sobre a infância auxilia a elaborar propostas mais pertinentes, uma vez que considera as próprias concepções e necessidades e é um importante auxílio para profissionais que atuam com crianças. Conhecer as concepções dos pais sobre a infância possibilita um redimensionamento da distância entre o universo simbólico da família e dos profissionais.

Além dos adultos, a própria criança também é um agente ativo na construção das relações sociais. Assim, as pesquisas têm se concentrado na própria interação entre as crianças, porquanto elas mesmas reproduzem e ressignificam suas relações, em que as relações de gênero podem ser analisadas a partir do fazer das próprias crianças.