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CAPÍTULO 1 CONCEITUANDO O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

1.4 Considerações finais: uma sinopse do enfoque analítico

2.1.1 Historiografia da gênese e da transformação das ONGs no Brasil

2.1.1.4 A fase de redemocratização: complexificação da sociedade civil e recomposição da

O ano de 1985 constitui um marco decisivo na história recente do País: após 21 anos, desfaz-se a ditadura militar e as instituições democráticas voltam a prevalecer. Depois de um período de transição, que durou até 1988, uma nova Constituição foi elaborada, restabelecendo as bases legais para o exercício da democracia. A partir da sua adoção, diversos mecanismos vêm sendo criados no sentido de promover a descentralização da ação governamental e também de atualizar as normas jurídicas face ao reconhecimento de direitos sociais antes negados.

Importantes mecanismos de garantia de participação popular foram inseridos na Constituição, a exemplo dos plebiscitos e dos referendos populares, das audiências públicas, da tribuna popular e dos conselhos públicos. Estes últimos vão possibilitar a participação da sociedade civil em diferentes níveis federativos (municipal, estadual e federal) e na implantação e avaliação das políticas públicas em diversos setores. Além disso, a Constituição vai tornar os municípios entes federativos autônomos e aumentar a parcela dos tributos federais repassada da União para os estados e municípios. Dotados de autonomia política e fiscal, os municípios vão assumir funções em termos de políticas públicas, por sua própria iniciativa ou por adesão de algum programa proposto por outro nível mais abrangente. Tudo isso vai então estimular a descentralização entre os níveis de governo e ampliar as responsabilidades dos poderes e organizações locais (ARRETCHE, 1999).

Sem aprofundar a discussão sobre a avaliação do processo de descentralização10, iniciado pela Constituição de 1988, o que fugiria aos objetivos desse trabalho, pode-se afirmar que a redemocratização do País teve um impacto substancial na esfera da sociedade civil e, conseqüentemente, no campo das ONGs. Percebe-se que, no final dos anos 1980, ocorre uma verdadeira mudança no posicionamento das ONGs frente aos demais atores do seu entorno. Esse processo se expressa numa crise de identidade que faz com que as ONGs comecem, então, a se questionar sobre o seu papel nessa nova sociedade em processo de redemocratização. Um dos principais questionamentos neste sentido refere-se ao fato das ONGs poderem ser consideradas ou não atores sociais com voz própria. Tratando desse processo, Da Paz (2005: 8) explica:

Para um grupo expressivo de ONGs, nessa ocasião, ocorreu uma ruptura com a visão de que as ONGs estavam a serviço dos movimentos sociais (ou exclusivamente a serviço dos movimentos sociais). Isso abriu a possibilidade de construção de relações sociais de novo tipo entre as organizações da sociedade civil, com os movimentos sociais, com os governos – em especial os municipais democráticos, que estavam se instalando –, com as agências de cooperação internacional, pautando a necessidade de uma representação nacional de ONGs.

As ONGs passam então a responder em seu nome e defender suas próprias pautas sociais, buscando legitimar-se no espaço público brasileiro. Um importante passo neste sentido foi a criação da ABONG. Fundada em 10 de agosto de 1991, esta instituição agrupava em 2004 277 associadas. Trata-se de uma sociedade civil sem fins lucrativos que visa “representar e promover o intercâmbio entre as ONGs empenhadas no fortalecimento da cidadania, na conquista e na representação de direitos sociais e da democracia” (ABONG, 2005). A criação da ABONG terá um papel importante para a legitimação das ONGs, colocando-se como uma tentativa de demarcação da sua identidade11, diante das fortes mudanças que atravessa o espaço público brasileiro, principalmente a partir da década de 1990.

Essas mudanças não ocorrem por acaso e se concretizam a partir de dois fenômenos distintos e concomitantes que se configuram como conseqüências do processo de redemocratização e de institucionalização da sociedade civil brasileira. De um lado, coloca-se a mudança no perfil das próprias ONGs históricas que ampliam sua relações com o Estado e o

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Para uma incursão neste debate ver Arretche (1999), Santos Farah (2000), Brose (2002) e Fauré (2005).

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Para filiar-se à ABONG, as organizações deveriam ter autonomia frente ao Estado, às Igrejas, aos partidos políticos e aos movimentos sociais, além de manter o compromisso com a construção de uma sociedade democrática, incluindo o respeito à diversidade e ao pluralismo (Chaves Teixeira, 2003).

mercado, se profissionalizam e passam a exercer ou apoiar atividades econômicas ligadas ao “novo associativismo e cooperativismo”. Do outro lado, observa-se uma complexificação do espaço público no qual as ONGs atuam. Esse processo pode ser constatado pela enorme ampliação do número de ONGs, tanto no meio urbano, quanto rural, ligadas ou não aos movimentos sociais; pela mudança do perfil das filantrópicas, que começam a constituir um projeto político próprio e pela ampliação da inserção do meio empresarial no espaço público, através do investimento social privado ou de ações de responsabilidade social. A seguir, esses fenômenos são abordados mais detalhadamente.

No âmbito das ONGs históricas, configura-se, primeiramente, uma mudança na sua

postura diante do Estado e uma relativa aproximação que se inicia a partir do final da década de 1980. As ONGs passam a assessorar os processos de gestão participativa implantados, principalmente, nas prefeituras geridas pelo PT. Neste sentido, a experiência do orçamento participativo em Porto Alegre é emblemática. Essa aproximação foi fortalecida na década de 1990, com a participação das ONGs em diferentes políticas e programas públicos do Governo federal, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, a exemplo do Programa Comunidade Ativa do Comunidade Solidária, que visava promover o desenvolvimento local em diferentes municípios; do PRONAF e do Programa de Reforma Agrária, para citar apenas alguns deles.

Dois fatores desempenharam um importante papel nesta aproximação. Primeiramente, as mudanças efetuadas em termos de reestruturação do Estado no Brasil, que se inicia com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, viabilizado pela emenda constitucional de 1996 (BRESSER PEREIRA, 1998). Esta reforma envolveu o ajuste fiscal, com o fim do Regime Jurídico Único e o enxugamento do Estado, além da “modernização” da administração pública, por meio da descentralização. No espectro da reforma, destaca-se o impulso dado à transferência de atividades antes exclusivas do Estado para a esfera privada e não governamental, com as privatizações e a criação de novas figuras jurídicas, a exemplo das Agências Reguladoras e Executivas, das Organizações Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade civil de Caráter Público (OSCIPs). O cerne da reforma era que apenas atividades estratégicas12 fossem conservadas pelo Estado, enquanto que as demais seriam repassadas

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Conforme coloca Bresser Pereira (1998), as atividades estratégicas são aquelas ligadas ao núcleo central do Estado formado no nível federal pelo Presidente da República, pelos ministros de Estado, pelo Parlamento e

para a nova administração pública indireta ou ainda para o mercado. Em particular, os serviços sociais e científicos deveriam ser oferecidos pela esfera não governamental. O repasse de atribuições antes exclusivas do Estado para o âmbito da sociedade civil é visto como uma estratégia para diminuir custos e ampliar a eficiência do Estado. A ênfase aqui é na eficácia operacional das organizações do chamado Terceiro Setor (como será explorado mais adiante).

Um segundo vetor que vai levar a uma maior aproximação entre as ONGs e o Estado refere-se às mudanças na geopolítica internacional. A reforma dos países do Leste Europeu e a situação difícil dos países da África causam uma mudança no fluxo dos recursos da cooperação internacional, gerando uma diminuição gradativa do financiamento concedido às ONGs brasileiras. Esses fatores provocam um impacto na própria sobrevivência das ONGs mais antigas, fazendo com que seu financiamento passe a ser obtido cada vez mais junto a fontes nacionais e, especialmente, junto ao Estado.

A partir de 2003, a relação com o Estado se torna ainda mais próxima na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dadas as relações históricas dos movimentos sociais e das ONGs com o PT. Isto amplia consideravelmente a participação dessas instituições na concepção, implementação e fiscalização dos programas e políticas públicas. Tal participação ocorre atualmente no âmbito de diferentes ministérios – a exemplo do MDA (por meio das políticas e programas voltados para a agricultura familiar e para a reforma agrária); do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (em projetos do Fundo Nacional do Meio Ambiente); do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (através da Secretaria de Economia Solidária); e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) (principalmente através do Programa Fome Zero). De fato, as relações com o Estado tornam-se cada vez mais complexas, inclusive com alguns membros dos movimentos sociais e/ou fundadores das ONGs fazendo parte do governo e recompondo assim as relações de força no campo. De uma atitude de ruptura em relação ao Estado, na sua origem, as ONGs passam progressivamente a atuar como agentes implementadores de políticas públicas, o que vai influenciar significativamente na mudança de seu papel e na recomposição da sua identidade.

pelos Magistrados (incluindo os tribunais federais liderados pelo Supremo Tribunal Federal). Além disso, envolve os altos administradores públicos que nos três poderes são responsáveis pela administração do Estado.

Os laços das ONGs com o mercado são também redefinidos de várias maneiras. Primeiramente, observa-se o avanço da profissionalização das ONGs mais antigas, visando responder às demandas dos financiadores, que exigem resultado e impacto das atividades, mas também da sociedade e do próprio governo que reclamam mais transparência e efetividade por parte dessas organizações. A lógica técnica e a racionalidade instrumental13 – inerentes ao mundo da gestão e presentes em toda ação organizada e que, durante muito tempo, foram negligenciadas e até “diabolizadas” por essas organizações – se tornam cada vez mais presentes no seu cotidiano.

Além disso, percebe-se, a partir da década de 1990, o surgimento de um “novo associativismo e cooperativismo”. As ONGs envolvem-se crescentemente com projetos econômicos alternativos, fomentando o cooperativismo de produção, de crédito e as pequenas agroindústrias, entre outros empreendimentos. A ação política passa então a ser acompanhada de projetos socioeconômicos concretos, os quais vão reconfigurar a percepção do mercado por parte das ONGs e pelos movimentos sociais. A inserção das ONGs no campo econômico vai também influenciar na composição de novas formas de regulação do próprio mercado, não só em âmbito local, mas também global, como é o caso do movimento de comércio justo ou das certificações ambientais, por exemplo. Esse processo de mudança da relação entre as ONGs e o mercado tem sido muito pouco abordado ou até negligenciado pelos pesquisadores do campo no Brasil, mas já configura objeto de linhas de pesquisa em outros países como é o caso dos estudos sobre os Novos Movimentos Sociais Econômicos (GENDRON, 2001 e TURQUOTTE et al., 2005), no Canadá.

Finalmente, destaca-se a formação das redes entre as ONGs e dessas com os movimentos, o que se coloca também como um aspecto importante na redefinição da identidade das ONGs históricas e também das novas ONGs. Scherer-Warren descreve esse processo como práticas políticas que articulam ações localizadas e redes de movimentos. Para a autora “é nas articulações entre as organizações e os atores políticos e nas subseqüentes criações de redes que vem se construindo um movimento social no sentido dado por Alain Touraine” (1996: 116). A demonstração dessa hipótese exige análises empíricas mais aprofundadas, mas o que se pode afirmar é que a maioria das ONGs brasileiras na atualidade não atua como entidade isolada e se articula formalmente e informalmente, para além do

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Para uma discussão mais aprofundada sobre a relação entre racionalidade instrumental e substantiva no mundo organizacional ver Serva (1997a).

local14. Como argumenta Jacobi (2004: 1), as redes possibilitam interações horizontais, organização de instrumentos de pressão e abrem novos campos de possibilidades de atuação para as ONGs:

Em alguns setores ocorre a incorporação de uma multiplicidade de atores, como é o caso das experiências de participação na gestão de preservação da biodiversidade, através da formação de redes. As redes se fortalecem no plano político e institucional, sendo cada vez mais reconhecidas pela sociedade como pelos governos, além de crescentemente solicitadas a participar dos processos decisórios.

Essa recomposição do universo das ONGs históricas é acompanhada por uma

complexificação do espaço público onde elas atuam. Tal processo ocorre devido à

ampliação crescente do número de organizações que adotam essa nomenclatura para se auto- definir, levando a uma intensa diversificação do campo. Na década de 1990, justamente após a democratização, ocorre uma forte ampliação do mundo associativo no Brasil e a proliferação do número de ONGs. Segundo dados do IBGE, de 2002, do universo de 276 mil associações e fundações mapeadas em todo o Brasil, 62% foram criadas a partir dos anos 1990. Os dados demonstram ainda que a cada década se acelera o ritmo de crescimento: as que surgiram nos anos 1980 são 88% mais numerosas do que aquelas que surgiram nos anos 1970; esse percentual é de 124% para as que foram criadas na década de 1990 em relação à década anterior.

A significativa proliferação do número de ONGs contribui, sem dúvida, para a banalização do termo, que passa a ser entendido como sinônimo de toda organização privada voltada para o social (LANDIM, 2002). Por traz do guarda-chuva ONGs situam-se então uma série de organizações, com projetos, objetivos e discursos distintos. Isto vai influenciar, inclusive, na própria legitimidade dessas organizações e no questionamento da sua representatividade pelos diferentes setores sociais – não apenas no Brasil, mas em outros países. Ryfman (2004: 5) aborda esse fenômeno de forma sintética e bastante esclarecedora:

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No que tange às ONGs aqui analisadas, cabe ressaltar o exemplo da Rede de Tecnologias Alternativas (Rede TA). Esta rede foi iniciada em 1983 pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), sendo formada por ONGs e técnicos ligados aos movimentos populares apoiados pela Pastoral da Terra. Seu objetivo era o de promover tecnologias alternativas na área da agricultura familiar, tendo em vista a crise do modelo tradicional de produção agrícola. A rede inclui dez estados do país e na Região Sul conta com a participação de dez ONGs (inclusive a APACO e o Centro Vianei de Educação Popular). Para uma descrição mais completa da origem e desdobramentos atuais da Rede TA, além de outros espaços de articulação das ONGs estudadas neste trabalho, ver Apêndice 3.

Como se trata de um termo livre de apropriação e não constitui, apenas em raras exceções, uma categoria especificamente delimitada nos direitos nacionais e ainda menos no direito internacional, cada vez mais entidades pequenas ou grandes se auto-batizam ou se re-batizam ONGs. Vemos florescer assim: as ONGs de um único indivíduo, conhecidas como MONGOS (My own NGO); as empresas que se escondem atrás do estatuto jurídico associativo para melhor penetrar no mercado, as BONGOS (Business-organised NGOs); as entidades criadas por iniciativas das entidades financiadoras internacionais para colocar em prática seus projetos, as DONGOs (Donor-organised NGOs). E, cada vez mais, as GONGOs (Governmental

NGOs), quer dizer pseudo-ONGs criadas pelos Estados.

Certamente, algumas organizações que se autodenominam ONG podem ter sua legitimidade questionada. Porém, é preciso lembrar que nesse universo se encontram também novos tipos de ONGs, as quais mantém outros vínculos com os movimentos sociais rurais e urbanos, levantando questões pouco tratadas pelas ONGs históricas – como é o caso das ONGs ligadas ao movimento negro, de apoio aos portadores do HIV, de apoio às questões da infância e da juventude, entre outras. Essas ONGs possuem trajetórias, discursos e matrizes ideológicas distintas daquelas predominantes nas primeiras ONGs (conforme será tratado no quadro 6, mais adiante neste texto).

Inserem-se também nesse universo as organizações definidas historicamente como “filantrópicas”, as quais sofrem mudanças importantes na sua trajetória e identidade, ao longo dos anos 1990. Muitas dessas organizações vão se profissionalizar, se organizar em rede e atuar como verdadeiros “movimentos” em prol das causas sociais que elas defendem. Como argumenta Landim (2002), elas passam de uma ação assistencial para a defesa de direitos, sofrendo então um processo de politização. Este é o caso, por exemplo, do setor ligado à defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiências que vem desenvolvendo um forte trabalho de articulação em âmbito nacional e exercendo uma influência na legislação pertinente a matéria15.

Destaca-se, por fim, o envolvimento crescente do setor privado com as questões sociais nesse mesmo período. Com esse movimento, nota-se a adoção de práticas como o investimento social privado, o voluntariado corporativo e a responsabilidade social, até então pouco presentes na esfera privada do país. Na dimensão institucional, esse movimento

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O movimento teve um papel relevante na operacionalização da Lei federal nº 7.853/89, que disciplina a proteção e a integração social das pessoas com deficiência, e do Decreto nº 3.298/99, que determina que as empresas com mais de 100 funcionários devem destinar de 2% a 5% das vagas para a inserção profissional dos deficientes. Além disso, essas organizações têm influenciado no debate público e pressionado no Congresso para a criação do Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência.

produziu a criação de diversas fundações e institutos por parte de grandes empresas privadas, visando desenvolver projetos sociais, muitas vezes em parceria com as ONGs. Além disso, ele engendrou a constituição de organismos de representação com raio de ação nacional e até internacional, como é o caso do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e do Instituto Ethos de Responsabilidade Social. O GIFE é uma entidade sem fins lucrativos e de caráter associativo, criada, em 1995, por 25 organizações pertencentes a grandes grupos econômicos privados que realizam investimento social no Brasil. Já o Instituto Ethos, foi fundado, em 1998, por um grupo de empresários e executivos do setor privado com o objetivo de aprofundar os compromissos de suas empresas com a responsabilidade social corporativa.

Essas mudanças referentes ao surgimento de novos atores que disputam e lutam para serem reconhecidos no campo das ONGs – no sentido elaborado por Bourdieu (1994) – vêm acompanhadas da emergência de novas matrizes discursivas e ideológicas, além de novos marcos regulatórios. Uma importante matriz discursiva que se fortalece, sobretudo a partir da década de 1990, é a do terceiro setor. O termo terceiro setor é, em geral, empregado na mesma acepção originária dos países anglo-saxões, ou seja, faz referência ao conjunto das organizações que atuam na esfera pública e não pertencem nem ao aparelho burocrático do Estado e nem ao setor das empresas privadas e demais instituições que integram a economia de mercado. Portanto, esta definição contempla um vasto conjunto de organizações que vai desde as ONGs, passa pelas fundações e institutos empresariais, entidades filantrópicas, as organizações populares oriundas das comunidades, além dos organismos internacionais de cooperação. Analisando criticamente o termo, Landim (2002:43) afirma que a concepção que está por trás dessa visão não é neutra:

É de procedência norte-americana, contexto em que o associativismo e o voluntariado fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no individualismo liberal, em que o ideário dominante é o da procedência da sociedade em relação ao Estado. [...] Terceiro setor evoca colaboração e positividade de interação, diluindo a idéia de conflito ou contradição e tendendo a esvaziar as dinâmicas politizadas que marcam o associativismo nas últimas décadas no Brasil.

Essa visão esteve muitas vezes presente no discurso do governo Fernando Henrique Cardoso e norteou a constituição da Lei 9.790, aprovada em 1999, que ficou conhecida como Marco Legal do Terceiro Setor. A referida lei instituiu uma nova figura jurídica para as organizações civis – a OSCIP. Com essa regulamentação, podem ser enquadradas como OSCIP as organizações que atuam nos setores tradicionais da filantropia (assistência social, educação e saúde), mas também em outros setores como: atividades culturais, conservação do

patrimônio histórico e artístico, preservação e conservação do meio ambiente, promoção do voluntariado, dentre outras.

O aspecto essencial da lei é o estabelecimento de parcerias entre o Estado e as organizações enquadradas como OSCIPs. Dessa forma, o Estado financiaria projetos a serem implementados pelas organizações, mediante uma relação contratual padronizada e expressa pelo Termo de Parceria. Tal lei caracteriza um passo importante na regulamentação da relação entre Estado e sociedade civil brasileira, pois ela é a primeira lei que vem tratar da temática a ser editada após as antigas leis de assistência social. Ademais, a lei assume a pluralidade do campo das organizações da sociedade civil que atuam na esfera pública, abarcando tanto o setor da filantropia, as antigas e novas ONGs e as fundações empresariais.