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CAPÍTULO 1 CONCEITUANDO O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

2.2 O debate científico atual sobre o papel das ONGs

2.2.3 O papel na transformação socioambiental: ações emergenciais ou envolvimento com

A legitimidade das ONGs está também ligada à sua capacidade de gerar mudanças sociais no curto no longo prazo. Essas organizações surgem buscando responder a uma necessidade social definida e esta atuação pode se dar também de diferentes formas e seguindo diferentes “padrões”. Assim, as práticas e representações sobre a ação da ONGs nos processos de transformação social (sejam eles socioeconômicos, sociopolíticos, socioculturais ou socioambientais) também serão variados no campo.

Como apontado na análise sociohistórica das ONGs, um padrão de ação social mais tradicional refere-se à idéia de filantropia. Esse padrão caracteriza-se pela assistência social e inclui “ações de fundo benemérito e religioso para diminuir o infortúnio, otimizar os recursos comunitários ou grupais, aumentar a qualidade de vida, neutralizar conflitos, ou resolver problemas” (NOGUEIRA, 2005: 130). Esse padrão está presente na atuação de muitas organizações filantrópicas, mas também nas ONGs ditas humanitárias que visam atuar, da forma mais eficiente possível, para minorar os efeitos de desastres naturais, de guerras ou

de outras catástrofes. Nestes casos, a preocupação gira mais em torno das conseqüências do que das causas estruturais dos problemas socioambientais (HOURS, 1998).

Um segundo padrão de atuação está presente na história das ONGs e refere-se à

transformação social, por meio da afirmação de um novo projeto político. Como foi visto

acima, nos anos 1980, a luta da maioria das organizações populares visava a formação de uma “nova cultura política”. A transformação social passa então por uma concepção de política que “reconheça como tal ações que não necessariamente alcançam expressão institucionalizada a nível das relações de poder articuladas em torno do Estado” (SCHERER- WARREN, 1987: 62). A idéia de mudança social associa-se aqui à afirmação da ação coletiva dos grupos e movimentos populares na esfera política. Naquele momento histórico, a atuação estava focada na afirmação de “identidades restritas” ligadas aos diferentes movimentos sociais nascentes (feministas, ambientalistas, jovens, de agricultores familiares etc.). Como destaca Scherer-Warren, “em lugar da tomada revolucionária do poder poder-se-ia pensar em transformações culturais e políticas substantivas, a partir da cotidianidade dos atores envolvidos” (1996: 16).

Na medida em que os movimentos e organizações começam a se institucionalizar, a ação em termos de mudança social desses grupos deixa de se concentrar apenas na oposição política, por meio do protesto e da denúncia, e passa a envolver ações/projetos de

transformação social, inclusive de caráter econômico. Comentando o caso do movimento

ambientalista, Leis e Viola (1996) ressaltam que, na década de 1980, as associações ambientalistas visavam principalmente a denúncia da degradação ambiental. Essa postura vai mudar, na segunda metade da década, com o surgimento do movimento ambientalista multisetorial, o qual é caracterizado pela institucionalização das associações ambientalistas e sua profissionalização. Referindo-se a este processo, os autores explicam que “as organizações profissionais não têm como objetivo a denúncia. Elas têm como objetivo central a afirmação de uma alternativa viável de conservação e restauração do ambiente danificado” (op. cit., 102). Esse processo de institucionalização acontece não apenas com o ambientalismo, mas também com outros movimentos que continuam a atuar na formação e na conscientização dos grupos, mas também passam a prestar serviços e implementar projetos. No final da década de 90, a institucionalização do campo vai se acelerar, influenciando mais uma vez nos padrões de atuação social dos movimentos e das ONGs.

Scherer-Warren (1996: 22) também analisa esse fenômeno caracterizado pela “necessidade de articular a macro e a micro análise do social”. Para a autora tal concepção está presente, tanto no plano da análise teórica, quanto na esfera da práxis das ONGs e dos movimentos. Ela aparece na formação das redes que vai promover uma visão mais transversal dos problemas sociais e a comunicação entre os enfoques setoriais. Esse fenômeno pode ser também exemplificado pelo crescente interesse das organizações de apoio aos movimentos sociais pelas questões ambientais, o que vai motivar o surgimento do socioambientalismo, principalmente após a Rio-92 (LEIS; VIOLA, 1996). Esse movimento não vai mais tratar da proteção ambiental de maneira isolada, mas dentro de um projeto mais amplo de desenvolvimento sustentável.

Essa transição faz com que as ONGs passem a atuar e serem vistas como operadoras

nos processos de desenvolvimento. Elas se dispõem assim a participar das escolhas políticas

e sociais mais amplas, o que exige então a formação de novas habilidades. Conforme explica Ryfman (1998: 95) “do projeto ao processo de desenvolvimento e da relação dual (face-à-face com o financiador e o beneficiário) à mediação, é um profundo questionamento dos lugares de cada um que começamos a assistir”. Desse modo, a atuação no campo do desenvolvimento representa uma verdadeira ruptura no papel social historicamente assumido pelas ONGs, processo para o qual elas não foram devidamente preparadas.

Observa-se que a atuação das ONGs nos processos de transformação social segue múltiplos padrões, que inclui desde a assistência ou a ação humanitária até a atuação por meio de projetos localizados, visando transformar realidades específicas. Para algumas ONGs, a incursão nos processos de desenvolvimento será uma realidade nova, a partir dos anos 1990, exigindo delas a promoção de mudanças sociais mais amplas. A inserção nos processos de desenvolvimento sustentável vai demandar uma ação integrada nos campos político, econômico, social e ambiental e uma abertura aos processos de mediação, o que no caso de muitas ONGs não eram práticas correntes. Isso coloca novos desafios e dilemas a serem enfrentados por essas organizações, os quais serão tratados nas considerações finais deste capítulo.

2.3 Considerações finais: perspectivas e desafios das ONGs na construção de “um