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CAPÍTULO 1 CONCEITUANDO O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

2.2 O debate científico atual sobre o papel das ONGs

2.2.2 O papel econômico: economia da precariedade ou economia social e solidária?

As questões econômicas e organizacionais no campo das ONGs e dos movimentos sociais foram tradicionalmente ignoradas, tanto pelas ONGs do Norte quanto do Sul. Referindo-se às ONGs do Norte, Revel e Roca (1998: 91) afirmam:

Seja do lado dos movimentos cristãos ou das correntes políticas terceiro mundistas, o lucro individual e, de uma forma mais geral, os fluxos monetários eram percebidos com preconceito. O mundo da empresa e mesmo o mundo das micro-empresas e do artesanato eram simplesmente ignorados.

No Brasil, predominam no campo acadêmico visões pejorativas sobre o papel econômico das ONGs. De um lado, colocam-se aquelas abordagens baseadas na concepção do terceiro setor, que enxergam as ONGs apenas como espaços de produção de riquezas, na medida em que geram empregos e respondem às necessidades sociais não atendidas pelo Estado e pelo mercado. As “organizações sem fins lucrativos” são compreendidas, então, como constituindo um verdadeiro “nicho de mercado”, no qual a lógica empresarial irá se reproduzir, sob novas bases. Do outro lado, encontram-se as abordagens que vêem as ONGs como espaços que devem se manter “imunes” à lógica de mercado e às pressões para formalização. Segundo tais interpretações, a profissionalização e a institucionalização dessas organizações leva a uma perda de identidade e de legitimidade, fazendo com que as ONGs se descaracterizem e percam sua função enquanto “atores políticos”:

Algumas ONGs ressaltam tanto o profissionalismo que se pode questionar até que ponto o caráter político militante permanece. [...] Podemos questionar se, ao privilegiar o papel de prestador de serviços, ao visarem a sobrevivência da organização e o ‘salário de seus membros’, o universo atingido pela atuação dessas organizações não fica restrito àqueles que podem pagar. E mais, se aqueles que pagam não estão redefinindo as formas como essas organizações atuam (CHAVES TEIXEIRA, 2003: 101).

Demarcando-se destas duas visões, novas interpretações do papel econômico das ONGs vão emergir no Brasil e em outros países, nas últimas décadas, inspiradas nos estudos no campo da sociologia econômica, em particular a de língua francesa. A sociologia econômica, enquanto campo disciplinar tem suas raízes nos autores clássicos da sociologia,

Durkheim, Weber e Marx, que já sinalizavam para o fenômeno da inscrição social do mercado. Todavia, como coloca Swedberg (1994), foi preciso esperar até os anos 1950 para que a idéia de uma sociologia do mercado fosse de fato concretizada: tal passo foi dado por autores tal como Talcott Parsons, Neil Smelser e Karl Polanyi.

Nos últimos vinte anos, o campo da sociologia econômica se expandiu muito e começou a agregar estudos de outras disciplinas das ciências sociais como a geografia, a gestão, a ciência política, entre outros. Para entender o formato que assume o campo da sociologia econômica na atualidade é importante realizar algumas distinções entre os seus representantes. Primeiramente, destaca-se a clivagem entre os autores que deram origem ao campo e construíram as suas bases (Durkheim, Weber, Marx, e mais tarde, Veblen, Pareto, Shumpeter, Mauss e Polanyi) e os autores que, principalmente após a década de 1980, têm constituído a sociologia econômica contemporânea.

No âmbito desta última incluem-se várias correntes e autores que não necessariamente dialogam entre si (LÉVESQUE; BOURQUE; FORGUES, 2001). Um primeiro conjunto é composto pelos trabalhos dos autores de língua inglesa, abrangendo a Nova Sociologia Econômica (GRANOVETTER, 1985, ZELIZER, 1979 e FLIGSTEIN, 1990); o Institucionalismo (GALBRAITH, 1968, MYRDAL, 1978 e HODGSON, 1998); e a Socioeconomia (ETZIONI, 1991 e STERN, 1993). De uma forma geral, esses estudos contrapõem-se à economia neoclássica, mas não se concentram em propor reais alternativas aos seus pressupostos. Buscam dialogar com os autores da economia, visando seu enriquecimento, a partir da contribuição dos estudos sociológicos.

Um segundo conjunto de trabalhos é desenvolvido por autores francófonos, mais ligados à sociologia e à antropologia, representados pelo Mouvement Anti-utilitariste em Sciences Sociales (MAUSS) (CAILLÉ, 1988; GODBOUT; CAILLÉ, 1992); pelas correntes da Nova Economia Social, da Economia Plural e da Economia Solidária, na França (PERRET; ROUSTANG, 1993, ROUSTANG et al., 1996, LAVILLE 1994, 1995, LAVILLE; SAINSAULIEU, 1997) e no Québec (LÉVESQUE; MALO, 1992, LÉVESQUE, 2002, 2003 e 2004a e FAVREAU, 2005); pela Escola da Regulação (AGLIETTA, 1976, LIPIETZ, 1991 e BOYER, 1995) e pela Escola das Convenções (BOLTANSKI; THÉNEVOT, 1991). Além de realizar uma crítica aos pressupostos da economia neoclássica, esses autores fazem também

propostas que contradizem estes pressupostos, redefinindo o que deve ser entendido por atividade econômica e buscando responder aos desafios colocados pelos novos contextos socioeconômicos contemporâneos. Observa-se também que, de um modo geral, os referidos estudos são mais próximos às idéias de Marcel Mauss e de Karl Polanyi do que aqueles produzidos pelos autores anglófonos.

Portanto, não existe apenas uma sociologia econômica, mas várias “sociologias econômicas”, cada uma delas com seus próprios objetivos, conceitos centrais, campos de pesquisa, autores e obras chave (LÉVESQUE; BOURQUE; FORGUES, 2001). Essas correntes têm em comum o fato de realizarem uma crítica aos fundamentos da economia neoclássica e de afirmarem a construção social da economia. Swedberg (1994:35) define em termos gerais a sociologia econômica como sendo “o conjunto de teorias que se esforçam por explicar os fenômenos econômicos a partir de elementos sociológicos”.

A análise das organizações que atuam na interface entre o econômico, o social e o político tem sido feita especialmente pelas correntes do segundo conjunto citado, em particular pelas abordagens da Nova Economia Social, da Economia Plural e da Economia Solidária26. Essas abordagens buscam se diferenciar da antiga “Economia Social”, originária dos movimentos no início do século XIX na Europa, que teve por base os ideais dos utopistas como Saint-Simon, Charles-Fourrier, Joseph Proudhon e Charles Gides27. Tomando uma distância e fazendo uma análise crítica dos seus rumos atuais, vários autores sinalizam que o quadro teórico da antiga economia social não é suficiente para abordar as novas formas associativas e cooperativas que emergem no final do século XX, como exemplificado por Favreau (2005: 3):

Em várias partes do mundo, hoje, experiências inéditas de economia social e solidária surgem. Nos países do Norte destacam-se: as cooperativas de solidariedade e as empresas de inserção no Québec; os serviços de proximidade e as Régies de

quartier, na França; as cooperativas sociais na Itália; as cooperativas de trabalho

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As raízes institucionais destas correntes podem ser atribuídas, na França, ao Centre de recherche

d’information sur la démocratie et l’autonomie (CRIDA), que prossegue seus trabalhos através do Laboratoire de sociologie du changement des institutions (LSCI) e do Laboratoire d’economie et de sociologie du travail

(LEST). Já no Québec, destacam-se os trabalhos realizados pelo Centre de Recherche sur les Innovations

Sociales (CRISES), pela Alliances de Recherches Universités Communautés en Économie Sociale (ARUC-ES),

pela Chaire d’Économie Sociale da Université du Québec à Montreal (UQAM), pelo Instituto Karl Polanyi, pelo Chantier d’Économie Sociale, além do Centre interdisciplinaire de recherche et d'information sur les

entreprises collectives (CIRIEC/CA). As pesquisas também são construídas em âmbito internacional a partir de

diferentes redes, como a do CIRIEC Internacional, por exemplo.

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associado na Espanha; as agências de desenvolvimento comunitário nos Estados Unidos. Nos países do Sul, pensamos no Grammen Bank (Bangladesh), que desenvolve um sistema de microcrédito para apoiar as famílias mais pobres; as cozinhas coletivas latino-americanas; ou ainda as cadeias de comércio justo Norte- Sul e Sul-Sul.

Tendo como referência comum a noção de economia substantiva cunhada por Karl Polanyi (sintetizada no Box 6, a seguir), as abordagens da “Nova Economia Social”, “Economia Plural” e “Economia Solidária” vão buscar compreender as particularidades das organizações que exercem atividades econômicas (mas não distribuem lucros) e, ao mesmo tempo, buscam concretizar projetos sociopolíticos. A análise tem como pano de fundo o contexto atual de redefinição do papel do Estado e das formas tradicionais de democracia, bem como da crise do emprego e da própria sociedade salarial.

Trata-se de discutir a necessidade de “repensar a economia” e de construir novas formas de produção, de consumo e de relações de trabalho (LÉVESQUE, 2003). De forma sintética, pode-se afirmar que as abordagens da Economia Solidária, da Nova Economia Social e da Economia Plural ressaltam a multiplicidade de formas de atividade econômica presentes nas sociedades modernas e buscam compreender as suas particularidades. Em comum, destaca-se a interpretação do conjunto dessas iniciativas (sejam elas associações, cooperativas ou mutuais) enquanto formas de ação coletiva que visam “empreender de outra forma” (FAVREAU, 2005: 10). Segundo este autor, essa definição considera três dimensões dessas iniciativas sem privilegiar nenhuma delas: a dimensão social (ação coletiva); a dimensão econômica (empreender) e a dimensão política (de outra forma), conforme detalhado no Quadro 6.

Quadro 6 - A nova economia social como ação coletiva: as três dimensões

Aspectos da definição Características Dimensões

Ação coletiva Diz respeito à necessidade de se reagrupar que surge a partir de uma ou mais demandas sociais sejam elas socioeconômicas,

sociopolíticas, socioculturais ou socioambientais.

Social

Empreender

Refere-se ao caráter econômico das iniciativas que vai além da idéia da economia de mercado, sem a excluir. Contempla a hibridação de

formas de regulação econômica e as diferentes formas de empreendedorismo.

Econômica

De outra forma Significa que tais iniciativas partem de múltiplos projetos sociopolíticos que visam promover a transformação social.

Política

Box 6 – A noção de economia substantiva em Karl Polanyi

Tendo como referência visões mais amplas da racionalidade e da natureza humana, daquelas predominantes nos estudos da economia neoclássica, Polanyi (1975, 1983) questiona a idéia do mercado como a única fonte de regulação nas sociedades modernas. Segundo ele, a história registra diversos tipos de economia e a maior parte destes refere-se à instituição mercado. Porém, dentre as economias pré-capitalistas, nenhuma era dirigida apenas pelas regras do mercado.

O autor propõe então uma re-conceituação da economia, defendendo que esta pode ser interpretada a partir de dois sentidos: o sentido substantivo e o sentido formal. O sentido substantivo tem sua origem na interdependência do homem em relação ao seu ambiente natural e social. Nesta noção, a relação entre o homem e a natureza fornece os meios para satisfazer suas necessidades materiais. O sentido formal, por sua vez, advém do caráter lógico da relação entre fins e meios. Este sentido – que reenvia a uma situação de escolha entre diferentes meios – é fundado numa visão de escassez de recursos. Polanyi destaca que a visão formal foi a principal fonte de inspiração da teoria econômica.

Criticando essa interpretação, o autor opta pelo sentido substantivo e define a economia como um “processo institucionalizado”. A noção de processo remete à idéia de movimento de bens materiais, referindo-se à mudança de lugar, de agentes ou dos dois. Para o autor, os bens mudam de “mãos” que podem ser representadas pelas instituições públicas, pelos indivíduos ou pelas empresas privadas. Nesta leitura, as atividades sociais são também consideradas como econômicas na medida em que elas fazem parte deste processo. Mas esse movimento, essa ação recíproca, não se limita a uma interação mecânica. Esse processo está inserido num contexto mais amplo que lhe atribui sentido:

A institucionalização do processo econômico confere a este processo unidade e estabilidade; ela cria uma estrutura que tem uma função determinada na sociedade; ela modifica o lugar do processo na sociedade, dando assim uma significação à sua história; ela concentra o interesse sobre os valores, as motivações, a política. Unidade e estabilidade, estrutura e função, história e política definem, de maneira operacional, o conteúdo do nosso pressuposto, segundo qual a economia humana é concebida como um processo institucionalizado (POLANYI, 1975: 244).

Assim, a economia humana, conforme o autor, está inserida e engloba as instituições econômicas e não econômicas. Isso quer dizer que seu domínio transcende as esferas do mercado formal e que o seu funcionamento deriva de várias formas de institucionalização. A partir do estudo de etnólogos modernos, Polanyi define quatro modelos principais de institucionalização da economia:

• A esfera doméstica diz respeito à produção para o uso, seja para a família, seja para o clã ou para a comunidade. As pessoas trabalham e produzem para responder às suas necessidades, por meio de grupos fechados.

• A redistribuição corresponde a movimentos de apropriação em direção a um centro. O fato principal de sua organização é a partilha entre os indivíduos. A redistribuição supõe uma autoridade: o chefe, o templo ou o senhor estão no centro deste modelo.

• A troca se apresenta nos movimentos de compra e venda freqüentes, como aqueles do mercado. A troca pressupõe um equilíbrio entre a oferta e a demanda e um sistema criador de valor.

• A reciprocidade refere-se a movimentos entre grupos simetricamente ordenados, o que ocorre, por exemplo, com o dom e o contra-dom. A reciprocidade pressupõe relações sociais de proximidade.

Polanyi define a economia como um dos processos que constituem o conjunto das ações sociais. A sociedade, por sua vez, é vista como o contexto que fornece a coerência às atividades econômicas. Esta visão substantiva da economia permite levar em consideração os diferentes modelos de comportamento econômico e, mais particularmente, fornece os elementos para a compreensão de outras formas de regulação econômica, inclusive as não monetárias, como a esfera doméstica e a esfera da reciprocidade.

No que tange à dimensão social, tais abordagens demonstram que, em geral, as iniciativas surgem de um projeto coletivo e são dirigidas a responder a uma demanda comum, seja ela socioeconômica, sociopolítica, sociocultural ou socioambiental. Segundo Laville (1997a), a gênese de uma associação ou cooperativa solidária está ligada a alguma necessidade que é sentida por uma determinada comunidade. Por isso, o potencial de inovação de tais organizações é definido não apenas pela sua capacidade de gerar riquezas materiais, mas também pela sua contribuição à transformação social, por meio do fortalecimento dos laços sociais e de proximidade, da inserção socioprofissional, da valorização de aspectos culturais e de identidade, entre outras.

Quanto à esfera política, os estudos que foram revisados sugerem que as iniciativas coletivas de caráter econômico podem também representar uma nova forma de ação política, pois expressam a demanda dos cidadãos de poderem influenciar ativamente nas regras que governam suas relações (LAVILLE, 1995). Lévesque (2003) salienta que a idéia de inserção política se expressa na influência de tais iniciativas sobre os dispositivos legais, as instâncias de negociação coletivas e as regulações públicas. Para este autor, a noção de Economia Solidária propõe uma politização do econômico, diante da crise do modelo Fordista:

A perspectiva da crise econômica não pode ser explicada somente pela autonomia dos mercados financeiros e pela rigidez induzida pela intervenção do Estado na economia. [...] a crise econômica atual é ao mesmo tempo uma crise do Estado e uma crise do mercado [como tradicionalmente pensados]. Como as experiências socioeconômicas tendem a mostrar, a ‘solução’ seria buscar uma reestruturação Estado-mercado-sociedade civil, o que pressupõe uma avaliação da política (op. cit: 4).

Desse modo, não há uma negação da dimensão econômica e tampouco uma supervalorização desta. A intenção é redefinir a noção da economia, inserindo-a nas relações sociais e políticas. A noção de uma “economia plural” remete a diversos tipos de “atividades econômicas que assumem significados diferentes segundo as formas institucionais nas quais elas se inscrevem” (LÉVESQUE, 2003: 7). Essa redefinição se apóia em duas noções principais que especificam as práticas econômicas presentes nas organizações coletivas de caráter público: (i) a noção de construção simultânea da oferta e da demanda, por meio de processos de proximidade entre produtores e consumidores/usuários, e (ii) a noção de hibridação de diferentes formas de regulação socioeconômicas. Esta última permite considerar a variedade de lógicas econômicas e de recursos que circulam nessas organizações como os recursos mercantis, que provém da venda de bens e de serviços; os recursos não mercantis,

originários de financiamentos; e os recursos não monetários, que advém das diferentes formas de voluntariado e das doações de diversas naturezas.

Porém, a análise da dimensão econômica das ONGs não se refere apenas ao seu universo interno. Ela contempla também a atuação dessas organizações na regulação do próprio mercado, o que está sendo explorado pela abordagem dos “Novos Movimentos Sociais Econômicos”. Esses são definidos como uma “terceira geração de movimentos que, além de definir um quadro institucional e de participar em projetos identitários, investem no campo da economia” (TURCOTTE et al., 2005). Conforme argumenta Gendron (2001), esses movimentos são portadores de novos valores que fazem com que o próprio mercado se re- avalie. Ao defender uma outra globalização no plano internacional eles constituem um novo pólo de regulação, ao lado do Estado e do mercado:

Não satisfeitos apenas em transformar os processos políticos tradicionais, esses movimentos se inserem num campo que antes lhes era estranho: a economia, para se apropriar dele e lhe redefinir em função de seus valores e objetivos de transformação social. Esses movimentos reconhecem a dimensão desigual das trocas comerciais nas escalas micro e macro-econômicas, questionam a tese da utilidade marginal e a teoria das vantagens comparativas e propõem de integrar às trocas uma significação social e uma dimensão educativa (GENDRON, 2001: 179).

Esse é o caso, por exemplo, dos movimentos de comércio justo, de finanças solidárias, os investimentos éticos e, mais amplamente, de várias organizações que compõem o universo das ONGs, sejam elas associações ou cooperativas. Assim, as particularidades da Economia Solidária ou da “Nova Economia Social” transcendem suas formas de organização interna ou a concepção de novas formas de relação de trabalho. Encontra-se aí o seu potencial de inovação em relação ao projeto da antiga Economia Social. Eme e Laville (2005) definem a Economia Solidária como: um conjunto de atividades econômicas que são submetidas à vontade de um agir democrático e que visam uma mudança institucional. A idéia de mudança institucional refere-se a uma pluralidade de projetos políticos veiculados por essas organizações que não se limitam às questões ligadas à tradicional dicotomia capital versus trabalho. Essas novas formas de ação coletiva se caracterizam, então, como os Novos Movimentos Sociais, definidos por Melucci (1983), adicionando a estes uma inscrição na esfera econômica.

No Brasil, as correntes detalhadas acima tiveram pouca ou nenhuma influência até o final da década de 1990, quando surgem os primeiros trabalhos que tratam da dimensão econômica ou organizacional das ONGs, inspirando-se nos estudos da sociologia econômica francesa e, mais particularmente, nas correntes da Nova Economia Social e da Economia Solidária (ANDION, 1998b). Mais tarde, a expressão Economia Solidária vai se popularizar e assumir uma definição própria no País, diferente daquela defendida pelos autores francófonos, configurando-se como uma corrente particular no campo de estudos sobre as ONGs (SERVA; ANDION, 2006). Essa corrente é representada, entre outros, pelos trabalhos de Paul Singer, Genauto C. de França Filho, Armando Lisboa e Antônio David Cattani.

Em publicação recente intitulada Diccionaire de l’autre économie dirigida por Jean Louis Laville e Antonio David Cattani, o termo Economia Solidária é apresentado a partir de duas definições que refletem bem a referida apropriação do conceito. Enquanto Eme e Laville (2005) definem a Economia Solidária a partir das noções exploradas acima, Paul Singer descreve a Economia Solidária como um modo de produção, distinto do capitalismo. Para este autor, é por meio de uma confrontação entre as lógicas da economia do trabalho e do capital:

que nascerão as possibilidades de alianças entre as múltiplas formas de organização dos trabalhadores e certas facções do médio capital, organizados em sistemas produtivos unidos ou em conjuntos territoriais. [...] No paradigma tecnológico atual, baseado na informação e no conhecimento, mas também na super-exploração do trabalho e da natureza, a confrontação com o grande capital na luta pela reprodução é inevitável (SINGER, 2005: 268).

Singer (2002:83) situa a gênese da economia solidária no período de surgimento do capitalismo, afirmando que ela “foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego, resultantes da difusão ‘desregulamentada’ das máquinas-ferramenta e do motor a vapor do século XIX”. O autor não enfatiza as distinções entre o novo associativismo e cooperativismo e a “antiga Economia Social”, abordando o fenômeno como uma continuidade desta última; uma espécie de “ressurreição” característica da América Latina. Destaca, ainda, que no capitalismo a arma dos desprovidos de capital é a solidariedade. Assim a economia solidária é definida como um conjunto composto por diferentes tipos de “empresas” que surgem como reações às carências