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CAPÍTULO II – A INDUSTRIALIZAÇÃO, O NACIONALISMO E A

2.5 A formação da Frente do Recife (1955)

Em meio à ebulição do sentimento nacionalista, disseminado fortemente entre as mais diversas classes sociais, foi realizado em Pernambuco o Congresso de Salvação do

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Nordeste(CSN), em agosto de 1955.76 Trazendo a tona temas sensíveis como a seca, o

latifúndio e o desenvolvimento industrial, este congresso conseguiu reunir tanto trabalhadores da cidade e do campo, assim também como intelectuais, políticos, industriais e comerciantes. Segundo Morais (1959), esse encontro “abriu perspectivas para posteriores contatos e entendimentos entre operários e industriais, ou seja, entre as classes trabalhadoras e as classes conservadoras sempre que isso se tornasse necessário à defesa dos altos interesses da comunidade pernambucana” (p.27). Para Francisco Julião,77 o CSN já era o prenúncio da aliança eleitoral para o governo do estado:

Teve como resultado a unidade de todas as forças: oposicionistas e progressistas em torno da candidatura de Cid Sampaio. Pode-se dizer que foi o primeiro grito contra esse estado de coisas que parecia inalterado em nossa região. O congresso teve, por conseguinte, a conotação de despertar a consciência do Nordeste para os seus problemas mais graves: o problema da terra, da miséria, da concentração da miséria em torno da cidade do Recife e a discriminação do Nordeste pelo Sul. Foi um passo que considero gigantesco para criar uma consciência e levar a nossa região por caminhos mais audazes. Cid representa uma resultante desse congresso.78

Existem controvérsias acerca dos idealizadores e organizadores iniciais do evento. Aguiar (1993) alegou que nunca foram provadas as teses que diziam que o congresso foi inicialmente projetado pelo Partido Comunista. Segundo atestou, a convenção recebeu apoio oficial do governo do estado, então chefiado por Cordeiro de Farias, ligado ao PSD etelvinista79. Além disto, a Assembleia Legislativa de

Pernambuco e a Câmara de Municipal do Recife solidarizaram-se com o evento (ibidem). Neste sentido, de apoios institucionais o CSN não podia queixar-se, pois conforme mencionou Paulo Cavalcanti (1978), até o presidente da República Juscelino Kubitschek enviou uma saudação ao conclave em mensagem especial. Entretanto, em que pese a adesão dos órgãos governamentais, o congresso foi de fato inicialmente projetado pelo Partido Comunista. A participação de tantos políticos e industriais não

76 Ocorrido no Clube Português, na cidade do Recife, entre os dias 20 e 27 de agosto. Sua solenidade de

encerramento contou com a participação de mais de 3.000 pessoas (MORAIS, 1959; p.23).

77 Francisco Julião Arruda de Paula era na época do CSN deputado estadual pelo Partido Socialista

Brasileiro. Como advogado e parlamentar, assessorou os camponeses do Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão (Pernambuco), e atuou com destacada influência e liderança junto às Ligas Camponesas (PAGE, 1972; SANTIAGO, 2004).

78 Francisco Julião. Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 21/09/1982.

79 O PSD era dirigido na época por Etelvino Lins de Albuquerque, ex-governador de Pernambuco em

1945, e entre 1952 e 1955. Etelvino era conhecido pelo seu autoritarismo e pelo ferrenho anticomunismo que fazia questão de propagar abertamente (MORAIS, 1959; CAVALCANTI, 1978).

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conflitava com as diretrizes nacionalistas e reformistas do encontro. A hegemonia dos comunistas nos principais espaços da convenção tampouco foi acidental.

Muito embora tenha havido a participação no conclave das diversas correntes políticas ligadas às classes conservadoras, o Partido Comunista e os nacionalistas mantiveram a hegemonia nas comissões, na definição do temário e, em consequência, nas resoluções (SOARES, 1982, p.45).

O encontro foi oficialmente organizado pela Liga de Emancipação Nacional (CAVALCANTI, 1978; SOARES, 1982). Não obstante, a LEN, embora contasse com a participação de trabalhistas, nacionalistas e democratas, sempre foi fortemente influenciada pelos Comunistas80 (AGUIAR, 1993, p.152). Já em seu IV Congresso, ocorrido em 1954 – um ano antes, portanto, da realização do CSN –, o PCB, através de Luís Teles, já falava na necessidade da LEN realizar semelhante empreendimento:

Iniciativas como um Congresso de Salvação do Nordeste, para discutir e apontar soluções adequadas às questões relacionadas com as secas e com a energia elétrica de Paulo Afonso [...] teriam uma enorme importância para esclarecer, mobilizar e organizar as massas para fortalecer a Liga e para ampliar ainda mais a luta pela libertação do Brasil do jugo do imperialismo dos Estados Unidos.81

Além de publicamente a iniciativa ter partido da Liga de Emancipação Nacional, um dos principais organizadores do CSN, o então deputado Clodomir Morais, nos contou em entrevista que a decisão de realizar o conclave partiu de fato do Comitê Central (CC) do PCB.82

Embora a Liga tenha sido fechada por Juscelino Kubitschek no ano seguinte,83 o objetivo do congresso foi totalmente alcançado, fortalecendo bastante as ideias nacionalistas e reformistas e ampliando o campo de diálogo do PCB com os segmentos trabalhistas e nacionalistas no estado:

O CSN representou um enorme impulso para a esquerda em Pernambuco. Sem dúvida alguma, o encontro ajudou decisivamente, comunistas, socialistas e nacionalistas, a alcançarem um acordo político no Recife. Pouco depois da realização do congresso, foi formada a Frente do Recife, que lançou o líder socialista Pelópidas da Silveira como candidato à Prefeitura [...]. De fato, o CSN tornou ainda mais estreita a relação entre velhos companheiros – comunistas e socialistas – e abriu caminho, simultaneamente,

80 Sobre o papel do PCB na fundação da Liga de Emancipação Nacional, ver páginas 64 e 65. 81 Voz Operária. 18 dez. 1954.

82 Clodomir Morais. Entrevista concedida ao autor em 25/08/2011. 83 Ver páginas 67 e 68.

77 para que a esquerda chegasse a um acordo com novos aliados, os trabalhistas e nacionalistas (AGUIAR, 1993, p.153, grifos do autor).

Para Morais (1959), a aliança entre os trabalhadores e a burguesia urbana foi uma consequência direta do Congresso de Salvação do Nordeste, onde “a frente única dessas classes em torno da candidatura de Pelópidas, nada mais era que o resultado da convivência pacífica em que as mesmas trabalharam no CSN84” (p.30). Além da criação da Frente do Recife, Morais também apontou como resultado da convenção a criação da SUDENE:

A Frente do Recife era a confluência das forças políticas ao redor de um denominador comum, que era o progresso, a superação dos problemas sociais mais graves. Essas forças iam desde os camponeses aos produtores agrícolas do Grande Recife e dos municípios vizinhos à capital, até a nossa burguesia. A Frente do Recife teve seu ninho no Congresso de Salvação do Nordeste, no Recife. [...] A Carta de Salvação do Nordeste85 era um embasamento teórico

sério em que se inspiraram mais tarde os fundadores da SUDENE. A Frente do Recife se alimentou dos princípios expressos na Carta.86

Cavalcanti (1978) também fez referência à criação da SUDENE como decorrência direta do CSN. Ele frisou que, além da questão política e eleitoral, o evento teve como resultado a elaboração pelo poder executivo federal da Operação Nordeste (OPENO) e, posteriormente, do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENO) e que, como ato contínuo, resultariam na formação da SUDENE, em 1959,87 já durante o governo de Cid Sampaio.

Outra consequência do conclave, e que trouxe impactos políticos futuros para as lutas políticas no estado, foi a forte contribuição que forneceu para a reorganização do movimento camponês e a consolidação das Ligas Camponesas (SOARES, 1982). Morais também destacou como terceira consequência do CSN esta questão:

O princípio foi o Congresso de Salvação do Nordeste. Mas já havia uma organização camponesa, a da Iputinga. Já a de Galileia também, mas muito débil. Muito débil. Mas no momento em que eles participaram do Congresso

84 Clodomir Morais (1959) alegou que boa parte dos delegados do CSN que não residiam em Recife, que

ele atribuiu serem cerca de 400, de um total de 1.400 delegados, ficaram hospedados em hotéis pagos pelos Lundgren e pelos Bezerra de Melo, grandes proprietários das indústrias têxteis de Pernambuco.

85 Documento lançado ao final do congresso, contendo as análises e reivindicações sobre os temas mais

sensíveis a respeito da seca e do desenvolvimento econômico e social do estado. Está disponível no anexo B, a partir da página 199.

86 Clodomir Morais. Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 25/11/1982.

87 Após os esforços desenvolvidos por Celso Furtado à frente do Grupo de Trabalho para o

78 de Salvação do Nordeste, eles passaram a perder medo dos adversários que eram [os] latifundiários.88

Todavia, foi no plano eleitoral que seus resultados imediatos mais se fizeram sentir. Desta aproximação entre os setores trabalhistas, socialistas e comunistas surgiu a Frente do Recife, que disputou e venceu com facilidade as eleições para a Prefeitura da cidade do Recife, que ocorreram dois meses após a realização do Congresso de Salvação do Nordeste. Como demonstrou Santos (2008), desde a conquista da autonomia da cidade do Recife89 – cujos parlamentares que a defendiam, ligados ao PTB e à UDN, através do Movimento Popular Autonomista,90 naturalmente conflitavam

com o PSD –, foram iniciadas conversações entre as cúpulas partidárias. O deputado e presidente do diretório regional do PTB, Antônio Barros de Carvalho, autor do projeto de lei que concedeu autonomia política à cidade, tentou articular sua candidatura, mas a convenção local do PTB decidiu pela adesão à Frente do Recife, cujo nome de Pelópidas Silveira já era consenso entre comunistas e socialistas. Além disto, Pelópidas estava presidindo a Liga de Emancipação Nacional durante o Congresso de Salvação do Nordeste,91 aumentando bastante seu prestígio, além de já ter tido uma curta passagem pela Prefeitura em 1945, e ter sido candidato a governador nas eleições de 1947, lançado simultaneamente pelo PCB e pelo PSB, recebendo a maioria dos votos do eleitorado da capital (CAVALCANTI, 1978; SOARES, 1982).

A incipiente Frente do Recife não conseguiu um nome de consenso para disputar a vice-prefeitura,92 e com isso os trabalhistas (PTB e PTN) lançaram João Vieira de Menezes, que foi apoiado pelos comunistas. O PSB, por sua vez, lançou Sócrates Times de Carvalho. Esta divergência interna entre as esquerdas anunciava claramente a inconstância e fragilidade da recém formada aliança. Sem embargo, a vitória de Pelópidas foi avassaladora. Com 81.499 votos, foi eleito com praticamente

88 Clodomir Morais. Entrevista concedida ao autor em 25/08/ 2011.

89 A força das esquerdas na capital pernambucana era tanta que a grande imprensa local se posicionava

fortemente contra a autonomia política da cidade. O Diario de Pernambuco, influente jornal no estado, afirmou no dia 02 de janeiro de 1955 que a autonomia concedida à cidade não poderia ser outra coisa que não “uma legítima conquista vermelha” (Op. Cit., MONTENEGRO; SANTOS, 2007, p.469).

90 De acordo com José Maria, membro do PCB, o movimento autonomista era dirigido pelos comunistas,

que conseguiram conquistar importantes aliados junto aos partidos oposicionistas. Entrevista concedida ao autor em 28/05/2015.

91 O presidente da LEN, Miguel Arraes, estava licenciado devido ao exercício de seu mandato como

deputado estadual.

92 Na época, as eleições para prefeito e vice eram distintas, conforme ocorria nas eleições presidenciais e

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dois terços dos votos válidos. João Vieira de Menezes foi eleito vice-prefeito, seguido por Sócrates de Carvalho que ficou em segundo lugar, demonstrando mais uma vez a grande força do eleitorado de esquerda na capital (SOARES, 1982).

O PCB optou pelo nome de Vieira de Menezes não por julgá-lo mais progressista que o candidato socialista, mas sim em virtude de buscar ampliar seu campo de alianças, trazendo não apenas os trabalhistas para a Frente do Recife como, sobretudo, angariar o apoio da burguesia recifense, como podemos comprovar no fragmento abaixo:

Burgueses e operários pela vez primeira colocavam em segundo plano os interesses peculiares às suas classes e juntos porfiaram em favor do interesse comum do povo do Recife. Essa mútua confiança nos bons propósitos e a justeza dessa frente única foram tão evidentes que a classe operária e as porções mais pobres da população não hesitaram em votar no candidato a vice-prefeito, deputado Vieira de Menezes, conhecido na imprensa parlamentar como político ultra-direitista, mas que alguns setores da burguesia viam com bons olhos. [...] Se bem que o Sr. Vieira de Menezes fosse do Partido Trabalhista Brasileiro, que por várias vezes já tem exercitado frente única com os setores esquerdistas da população, comunistas e Partido Socialista, a sua presença na chapa popular viria justificar a

votação da burguesia e da pequena burguesia no nome de Pelópidas da Silveira (MORAIS, 1959, p.30, grifos nossos).

Nesta passagem fica claro que os comunistas pernambucanos não mediram esforços no sentido de atrair as camadas médias e a burguesia urbana para a construção de um projeto político comum, visando imediatamente sua construção em um nível mais amplo, visto que a candidatura de Pelópidas não dependia do apoio dos trabalhistas e da burguesia para ser vitoriosa. O PCB nitidamente já buscava costurar uma aliança capaz de derrocar o PSD e os “coronéis” do Agreste e Sertão no plano estadual.