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CAPÍTULO III – OS COMUNISTAS E OS DEMAIS ATORES DA FRENTE DO

3.5. As associações de bairro

As associações de bairro surgiram no Recife na segunda metade dos anos 50, após a chegada ao governo municipal da Frente do Recife. Suas origens remontam a intentos embrionários organizados pelo PCB na cidade após a redemocratização que, todavia, não resistiram à ilegalização do Partido em 1947. Associações semelhantes já

219 Este tema relacionado à greve estudantil, pelo próprio impacto que teve nas relações políticas locais,

especialmente entre o governo Cid e as esquerdas, será abordado mais detalhadamente no capítulo IV, entre as páginas 160 169.

220 Nelson Rosas. Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 01/08/1985.

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existiam em São Paulo com o nome de Sociedades Amigos de Bairro (SAB), que conseguiram sobreviver à repressão desencadeada no final dos anos 40 (JACCOUD, 1990). De acordo com Paulo Cavalcanti (1978), ao conhecer tais entidades em São Paulo Pelópidas Silveira entusiasmou-se e decidiu incluí-las em seu projeto de campanha eleitoral em 1955, contribuindo decididamente para a criação das mesmas quando foi eleito para a Prefeitura. Segundo Jaccoud (1990), a própria gestão municipal elaborou um modelo de estatuto, além de um guia de orientações para explicar a utilidade e o funcionamento das mesmas, participando ativamente – em conjunto com os setores mais engajados da Frente do Recife, em especial o PCB, – da construção destas associações. Nos dizeres da autora, as reivindicações principais das associações se traduziam em lutas “por infra-estrutura urbana e por acesso a serviços públicos”, chegando a “englobar uma ampla mobilização contra a carestia de vida e mesmo incorpora-se em lutas políticas gerais” (p.56).

As associações uniam o caráter reivindicativo de luta por melhores condições de vida com outras atividades que estimulavam o espírito comunitário, como festas, jogos, etc. (ibidem). Ainda segundo a autora, as associações de bairro batalhavam principalmente por melhorias nos sistemas que iam desde a rede elétrica e iluminação pública, passando por “calçamento de ruas, postos de saúde, escolas e transportes coletivos, solução de problemas de alagamento, deslizamento de morros, aterros, à arborização, à construção de praças e mercados públicos”, destacando ainda e, sobretudo, os problemas referentes ao uso do solo e às invasões urbanas, ambos derivados do próprio crescimento e concentração populacional na capital e nos centros urbanos adjacentes (ibidem, p.56).

Para Maurílio Ferreira Lima, político ligado ao PTB durante o período estudado, as associações de bairro nasceram e se expandiram muito mais em decorrência da urbanização do que de uma intervenção decidida do ponto de vista do governo municipal ou dos partidos envolvidos na Frente do Recife. Para ele, o crescimento das cidades ocasionou um consecutivo aumento populacional nas mesmas, e que, como consequência, provocou “uma ruptura da capacidade das prefeituras das capitais de

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atender às necessidades dessa população”.222 Ele explicou também porque a grande

incidência das associações se dava, especialmente, nos bairros pobres e periféricos:

Você nunca ouviu falar em associação de bairro das Graças, Torre, Madalena, de Boa Viagem, porque […] elas se vinculam com a administração diretamente. […] Então, esses bairros ricos, eles não sentem necessidade de associações de bairros; mas quem mora numa periferia, passou a ter essa necessidade, porque não tinha meios de atingir à Administração, para solicitar aquilo que era necessário: a limpeza das ruas, o recolhimento do lixo. Então, as associações de bairro eu acho que surgiram em função desse processo de urbanização e em cima dessas reivindicações específicas de uma população que se sentia enteada da Administração.223

Como podemos observar, as associações de bairro se enquadravam como mais um novo mecanismo de luta da classe trabalhadora, inserindo-se plenamente dentro do contexto de desenvolvimento da mobilização popular e dos conflitos de classe.

José Maria, que foi membro da Associação do Bairro do Zumbi, contou que havia também uma Federação das Associações – da qual fez parte na qualidade de dirigente, atuando em conjunto com outros ativistas no setor de relações públicas – responsável por coordenar suas atividades em um nível mais geral, promovendo maiores entendimentos e unificando as lutas das diversas associações da cidade, onde cada uma delas elegia um membro para representá-las na Federação. Ainda de acordo com seu relato, o PCB ministrava cursos de políticas de massas para seus quadros, orientando-os no trabalho político nas comunidades, para poderem dirigir as parcelas oprimidas da população sem necessariamente estarem em evidência máxima. Isto ocorria em virtude da contínua perseguição e estigma que sofria o PCB e que, em consonância com a necessidade de trabalhar de forma ampla e em política de frente, este não se preocupava em ter seus militantes nos cargos máximos das associações, contanto que, na prática, as mesmas seguissem a linha política que o Partido julgava acertada:

Se aparecesse um nome de um comunista, ia complicar [...]. Inclusive lá na nossa área, Associação do Prado, Associação do Zumbi, Associação [do] Cardoso, Associação do Cordeiro, Associação da Iputinga, Várzea... Toda Associação era organizada pelos comunistas, mas ninguém era presidente não. Ficava como secretário. [...] Era sempre um cara de massa lá, [...] conhecido no bairro. Agora essas pessoas quando chegavam lá se sentiam incapazes de dirigir o negócio, e ai a gente chegava e dava as instruções que o Partido mandava para a gente dirigir corretamente.224

222 Maurílio Ferreira Lima.Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 22/02/1985. 223 Idem.

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Conforme apontado pelo membro do PCB, Nelson Rosas Ribeiro, as associações de bairro tinham tanta importância para as esquerdas que suas direções costumavam ser “disputadas fortemente pelos partidos” – como ocorria no movimento estudantil ou sindical –, e que nas campanhas eleitorais elas desempenhavam um papel significativo. Ainda segundo ele, o Movimento de Cultura Popular, estabelecido durante a gestão municipal de Miguel Arraes, possuía fortes vínculos com as associações de bairro, tendo a grande maioria das escolas funcionado na sede das mesmas, e o próprio MCP tinha como objetivo geral contribuir no fortalecimento delas.225

Durante o governo de Pelópidas, as associações se proliferaram e acirraram os conflitos entre o prefeito e a Câmara Municipal. Conforme descrito pelo próprio Pelópidas, o ponto crucial do confronto residiu no fato de que os vereadores se consideravam os únicos capazes de levar as demandas das comunidades e procurar solucionar seus problemas.226 Evidentemente, o objetivo de sufocar em críticas a administração municipal se devia também ao fato da esmagadora maioria dos mandatários – 19 de um total de 21 –, não estarem ligados à Frente do Recife. Segundo ele, as associações de moradores foram “de grande ajuda” na luta contra a forte bancada oposicionista, porque permitia à Prefeitura chegar até as comunidades e resolver boa parte de suas demandas, ganhando o apoio popular em detrimento da insatisfação opositora.227 Como explicado por Paulo Cavalcanti, isto era levado a cabo a partir de

um paciente e laborioso empenho, onde semanalmente o prefeito e seu secretariado se reuniam e debatiam diretamente com as associações, procurando o próprio executivo municipal resolver suas demandas sem passar pela Câmara dos Vereadores. Devido à escassez de recursos, muitas das obras eram realizadas em regime de mutirão, envolvendo amplamente a participação coletiva dos cidadãos e aprimorando os vínculos comunitários.228 Além disto, a cada quinzena a Prefeitura e seu secretariado realizavam audiências públicas no Teatro Santa Izabel, dialogando abertamente com os moradores dos subúrbios da cidade (CAVALCANTI, 1978).

As associações de bairro não incomodavam apenas a maioria dos vereadores, mas preocupavam também o governo estadual e as autoridades policiais em decorrência

225 Nelson Rosas. Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 01/08/1985. 226 Pelópidas Silveira. Entrevista concedida ao arquivo FUNDAJ em 23/01/1985. 227 Idem.

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das novas possibilidades criadas para a organização da classe trabalhadora. Em virtude disto, a generalizada repressão contra o PCB ocorrida no início de 1956229 abateu-se

também contra as associações de bairro. Após a investida inicial contra as células do Partido e os sindicatos, as associações começaram a ser duramente atacadas pelo governo de Cordeiro de Farias, chegando o apogeu da escalada repressiva ao fim do respectivo ano. Segundo Morais (1959), dezenas de associações foram fechadas pelo DOPS, enquanto que a maioria de seus membros foi presa ou, no mínimo, obrigada a prestar depoimento nas delegacias. Conforme denunciou, os “ataques da ação policial, o medo que antes o governo procurara infundir nos operários organizados em sindicatos, atingia [agora] os bairros, aterrorizando o povo pobre dos morros, dos córregos e dos mangues”, ressaltando enfaticamente que “por mais que o prefeito defendesse as associações de bairro com pronunciamentos corajosos, nada impedia a ofensiva policial” (p.38).

Contudo, a vinculação estreita das associações com a Frente do Recife impediu que estas continuassem a ser reprimidas nos anos seguintes, na medida em que a Frente se ampliava e se fortalecia com o apoio de amplos setores da sociedade pernambucana. As associações continuaram em crescimento e participando de forma engajada nas eleições seguintes, sempre acolhendo os candidatos pertencentes à Frente do Recife ou por ela apoiados. Para Cavalcanti (1978), o próprio êxito do primeiro governo da Frente do Recife não teria sido possível sem o apoio das associações de bairros. Segundo ele, o trabalho delas foi decisivo, onde a cooperação entre a população do Recife e os poderes públicos ocorria em graus nunca antes vistos. Como principal consequência, destacou que as associações de bairro conseguiram criar na população “a consciência de sua força, que se tornava mais viva à medida que tomava conhecimento dos problemas do governo, das possibilidades administrativas ou de suas dificuldades” (p.258).

229 Segundo dados apresentados por Brayner (1989), 550 militantes do PCB foram presos e a Comissão

Sindical do Partido foi completamente desarticulada, além da queda do Comitê Regional. A repressão começou a partir do dia 06 de janeiro de 1956, aproveitando-se da decretação do estado de sítio anterior à posse de Juscelino Kubitschek. Entretanto, mesmo após a posse de JK e a ampliação das liberdades democráticas que se seguiu, a investida desencadeada contra os movimentos sociais em Pernambuco se prolongou durante todo o ano de 1956. Segundo José Maria, a perseguição política posteriormente se ampliou, atingindo as esquerdas em geral, chegando inclusive a prender membros da UDN, como o político nacionalista Dias da Silva. Entrevista concedida ao autor em 20/07/2014.

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CAPÍTULO IV – A FRENTE POPULAR NO GOVERNO,