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MUNICÍPIOS SEM OFERTA DE EJA

2.3 A formação de jovens e adultos: o fundante na EJA

Inicialmente faz-se necessário distinguir educação de formação. Quando fa- lamos da educação de jovens e adultos (as), inserimos nesse campo a formação desses atores (atrizes) sociais, mas a educação não se resume à formação: ela a inclui, mas envolve outros aspectos que necessitam ser considerados, como o tem- po, o espaço, os (as) atores (atrizes) sociais, e tantos outros elementos necessários ao processo educacional.

Na condição de integrante do Grupo de Pesquisa FORMACCE, assim como do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo e Intersubjetividades (Formacci), conce- bemos a formação como experiencial, pois começa e termina na experiência do (a) ator (atriz) social e que, portanto, só pode ser alcançada em termos compreensivos,

9 O MPEJA apresenta três grandes áreas de concentração: educação, meio ambiente e trabalho; formação de professores e políticas públicas; gestão educacional e tecnologias da informação e da comunicação.

na perspectiva de quem se forma e seus etnométodos (MACEDO, 2012). É nesse sentido que essa pesquisa apresenta relevo, na medida em que, ao tratar da forma- ção de jovens e adultos (as), interessa-nos investigar os etnométodos produzidos nas itinerâncias formativas desses (as) atores (atrizes) sociais.

Desse modo, Freire (2002), ao falar da formação dos homens e mulheres que formam e se formam, diz que somos do-discentes10

É em Macedo (2010) que busco inspiração para refletir sobre a íntima relação entre compreensão e formação. Nas palavras desse autor,

[...] existimos compreendendo para poder viver e com isso, nos formamos. Obviamente, a luta por uma melhor compreensão do mundo, de nós mes- mos, de nossa formação, de nossas invenções e dos problemas que cria- mos, deverá fazer parte do nosso trabalho do dia-a-dia, seja em termos cognitivos, políticos, éticos, estéticos e espirituais. (MACEDO, 2010, p. 41).

É a partir da indexicalidade do termo compreensão ao conceito de formação que essa discussão se amplia e ganha relevo, pois a formação, como uma experiên- cia irredutível do (a) ator (atriz) social que se forma, não pode ser explicada, mas somente o (a) mesmo (a), foco dessa experiência formativa, é capaz de compreen- dê-la na sua inteireza.

Macedo (2010) considera ainda que,

A formação do Ser não se realiza sem o Ser da formação, seus contextos de referências, seus pertencimentos e as suas diversas demandas existen- ciais. Refletir sobre essa realidade num projeto ou numa prática curricular formativa significa realçar a importância central do que seja um sujeito em formação, uma identidade social, cultural se fazendo em formação. (MACE- DO, 2010, p. 53-54).

Macedo (2010) nos faz refletir sobre a relevância da pessoa que se forma, em toda sua complexidade11, do humano ser que carrega consigo marcas experienciais

próprias do mundo dos (as) jovens e adultos (as), as quais não podemos descartar. O referido autor (2010) ainda fala da etnoformatividade, que se constitui em um conjunto de experiências e condições envolvidas na formação dos (as) atores (atrizes) sociais que vai se constituindo e incorporando seus etnométodos.

10 O conceito de do-discente é cunhado por Freire (2002), que considera a capacidade de ensinar e aprender do docente, ou seja, ele tanto ensina quanto aprende ao ensinar.

Nesse aspecto, destaco que é nesse cenário de escuta clínica, ou seja, a es- cuta que interpreta a singularidade dos (as) atores (atrizes) sociais, que se acentua uma importante ação educativa – a “ex-posição do (a) ator (atriz) social”, ou seja, é quanto ele (a) põe para fora aquilo que pensa e sente sobre o fenômeno formativo, o que muito contribuirá com as condições das formações. Penso inclusive que as di- versas condições pelas quais o processo formativo acontece interferem sobremanei- ra na qualidade da formação realizada.

A formação aqui em pauta afina-se com a inspiração paulofreireana, na medi- da em que assume um caráter político e ético, em níveis de existência cidadã em aprendizagem, que requer reflexão e explicitação ampliadas e aprofundadas, esco- lha, compromisso, corresponsabilidade, que vai além da informação, do aprender simplesmente, do conhecimento e da ilustração.

É inspirada em Ardoino que darei relevância, nessa pesquisa, ao conceito de negatricidade, ao discutir sobre o processo formativo de jovens e adultos (as), cada um dos quais, à medida que se constitui em um Ser que se coloca diante do outro como diferença, teria, portanto, as condições de re-existir ao constrangimento de ser transformado em um pretenso produto fabricado em série, compondo estatísticas de produção, mediante a qual trabalham a lógica do acúmulo e da “qualidade” cultiva- das pela mercoeducação (MACEDO, 2010, p. 56-57).

Para Macedo (2010), o conceito de formação está intrinsecamente relaciona- do com a noção de alteração, isto é, “a transformação em face da presença de um Ser singular na presença de outro Ser singular; a possibilidade de ser um outro. Vale ressaltar que no processo de formação nos alteramos com o outro e sem o outro.” (MACEDO, 2010, p. 57).

Desse modo, podemos afirmar que formar-se implica, em termos de possibili- dades, dar sentido à vida, a partir do que somos enquanto atores (atrizes) sociais e o que vivemos enquanto atores (atrizes) sociais aprendentes, que nos formamos. É provocar interrogações acerca da própria existência e das experiências dos (as) ou- tros (as). Conforme Freire (1997), é compreender o estar no/com o mundo.

Sobre alteridade em Arendt (2010, p. 220), “a alteridade é, sem dúvida, as- pecto importante da pluralidade, a razão pela qual todas as nossas definições são distinções, pela qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la da outra [...]”.

Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa distinção e distinguir-se, e só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coi- sa – como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele partilha com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se unicidade, e a pluralidade humana é paradoxal pluralidade de seres únicos. (MACEDO, 2010, p. 220).

Macedo (2010), na obra Formação, ao citar Honoré, afirma que a formação é uma necessidade de nossa existência e quatro aspectos são fundamentais:

(i) a formação como direito do homem;

(ii) a formação como construção do desenvolvimento econômico e social; (iii) a formação como experiência reveladora das necessidades pessoais fun-

damentais;

(iv) a formação como aspecto aplicado das ciências humanas.

O referido autor (2010) apresenta aspectos fundamentais que não podem ser desconsiderados nas discussões sobre formação. No entanto, considero necessário acrescentar a perspectiva da formação enquanto condição político-existencial, como condição de sobrevivência da espécie humana. Desconsiderar essa condição é ne- gar a capacidade inerente dos seres da formação de interpretarem o mundo, de in- dagarem, de filtrarem e reconstruírem incessantemente suas experiências formati- vas, que são tecidas também fora dos espaços oficialmente eleitos como formativos, nos movimentos sociais, nos espaços de luta e de sobrevivência, de forma intuitiva, por derivas.

É mediante as palavras de Macedo (2010) sobre a temática da formação que nos aproximamos do dilema da formação de jovens e adultos (as), que, concebidos como atores (atrizes) sociais, não podem ser desconsiderados em sua dimensão da autoformação, muito presente nas discussões sobre formação de jovens e adultos (as), e que por vezes apresenta-se denominada de autodidaxia; autoaprendizagem, dentre outros termos.

É a condição da autoformação que impulsiona muitos (as) jovens e adultos (as) a retornarem a seus estudos em virtude de novos rumos da vida, inclusive da vida profissional, de novos desafios e projetos de vida, que na juventude e na fase adulta foram se (re)definindo.

Importante atentar para o fato de que, quando falamos sobre formação, há uma tendência a centrar nossa atenção nas condições da formação. Compreender que o processo formativo necessita de condições físicas para acontecer é importan- te; no entanto, tais questões não devem ocupar a centralidade das preocupações formativas. Macedo (2010) alerta que a formação está intimamente relacionada com a evolução do Ser, que, desafiado pelos contextos e implicado em um projeto de vida, deverá assumir a posição de centralidade para que as outras necessidades se realizem. A questão que aqui se coloca, ao realçar o (a) ator (atriz) social como cen- tro da formação, é – quais condições são necessárias para apoiá-lo nesse processo formativo?

É nesse cenário que Macedo (2012) nos provoca com reflexões sobre aprendizagem, que, para esse autor, implica mobilizar etnométodos em meio a uma cultura que ensina e aprende, em que o sujeito aprende referenciado na e pela cultura. É nesses termos que “a etnopesquisa formação pensa a formação como uma experiência intermediada e intramedi- ada, na qual o conhecimento e as atividades aí envolvidas passam, necessariamente, pelo crivo das implicações e pelo contexto sociocultural e político dos envolvidos.” (MACEDO, 2012, p. 93).

É desse modo que não podemos conceber a formação de atores (atrizes) so- ciais jovens e adultos (as), que carregam consigo marcas das experiências de vida e de trabalho, descolada desses cenários socioculturais e políticos, que são radical- mente formativos. Tomo aqui o conceito de radicalidade a partir da concepção filosó- fica, que considera que não podemos compreender a realidade sem ir à “raiz” das questões.

No contexto brasileiro, autores como Freire (1974) já provocavam discussões sobre a formação calcada em princípios democráticos da formação humana, tendo em vista a emancipação do “sujeito que se forma e que forma ao formar-se”. Para Freire, quanto mais experiências democráticas vivenciarmos, tanto mais conheci- mento crítico da realidade produziremos. Nas palavras de Freire (1974, p. 95),

quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável, em regra. Tanto mais democrático, quanto mais ligado às condições de su- as circunstâncias. Tanto menos experiências democráticas que exigem dele o conhecimento crítico de sua realidade, pela participação nela, pela sua in- timidade com ela, quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingênuas de encará-las. [...] Quanto menos criticidade em nós, tanto mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos superficialmente os assuntos.

Nesse sentido, no campo da Educação de Jovens e Adultos, em espe- cial, não cabe considerar as experiências vividas pelos (as) atores (atrizes) sociais como conhecimento de menor valor, um epifenômeno. Desse modo, o desenvolvi- mento de um processo formativo que realça o contexto de vida e etnométodos dos (as) atores (atrizes) sociais ganha relevo, na medida em que respeita as trajetórias experienciais e as contradições vividas no cotidiano como condição fundante para uma formação emancipatória.

Na tentativa de compreender como os (as) jovens e adultos (as) constroem seus etnométodos, criam conhecimentos implicados, ou seja, como se processam suas aprendizagens mediadas pelas suas histórias de vida, contextos culturais, re- corro ao conceito das etnoaprendizagens, forjado pela antropóloga Silvia Michele Sá (2013), que nos impulsiona a compreender a possibilidade de encontrar novos cami- nhos possíveis para a relação com os conhecimentos, construindo relações solidá- rias de emancipação e construção sociocultural.