• Nenhum resultado encontrado

3 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA

3.4 Os (as) atores (atrizes) sociais e o locus da pesquisa

Inspirada pela leitura da tese de Sá (2013), intitulada A emergência da etnoa-

prendizagem no campo antropoeducacional: uma investigação etnológica sobre a

aprendizagem como experiência sociocultural, busquei estar inserida no campo de pesquisa sempre com a “perspectiva aberta”, sempre atenta e que minha vivência cotidiana nele me possibilitasse as pistas dos melhores caminhos, tendo como ba- ses as relações estabelecidas durante os anos de trabalho no campo da EJA. Quer seja na condição de professora, militante, gestora estadual ou pesquisadora, procu- rei identificar, encontrar ou reencontrar as pessoas que poderiam ser significativas para meu trabalho de pesquisa de doutorado. A partir daí, nas ações que realizava no campo da EJA, utilizei roteiros de entrevistas semiestruturados, ou até em vários momentos da pesquisa, acionei a “escuta sensível” (BARBIER, 2007), que, nas con- versas cotidianas, participação em reuniões, eventos e aulas revelavam significati- vas singularidades.

Macedo (2014, p. 146), ao falar sobre o trabalho de campo, pondera que

[...] o trabalho em campo implica uma confrontação pessoal com o desco- nhecido, o confuso, o obscuro, o contraditório, o assincronismo. Ademais, além dos sustos com o inusitado sempre em devir, o campo tem uma resis- tência natural que demanda uma dose de paciência considerável face, por exemplo, às rupturas com ritmos próprios do pesquisador ou determinados prazos acadêmicos.

Concordo com o fato de o campo muitas vezes nos pregar “várias peças”, nos impondo um ritmo outro. Em inúmeros momentos, tive de abrir mão da agenda já estabelecida para dar conta de acontecimentos que se apresentavam sem um pla- nejamento prévio, mas que prometiam ser muito ricos para o escopo da pesquisa, pelo menos na ótica de uma pesquisadora interessada em se aventurar nas discus- sões sobre as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Bási- ca.

Sempre busquei nas observações participantes, nas entrevistas semiestrutu- radas e nos diálogos formativos, numa perspectiva de cuidado com rigor, uma apro- ximação com meus (minhas) colaboradores (as) da pesquisa.

Inspirada em Macedo (2012), optei por utilizar o conceito de atores (atrizes) sociais, considerando que os (as) participantes da pesquisa são “[...] instituintes or- dinários das suas realidades; são teóricos (as) e sistematizadores (as) dos seus co- tidianos e, com isso, edificam as ordens sociais em que vivem.” (MACEDO, 2012, p. 22), são sujeitos coletivos criadores (as) e recriadores (as) de conhecimento. Desse modo, são produtores (as) de descritibilidades, inteligibilidades e analisabilidades relacionadas às bacias semânticas.

Assim, os (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA, os (as) professores (as) que atuam nessa modalidade de educação, bem como gestores (as) escolares, são os (as) atores (atrizes) sociais centrais desta pesquisa, que na presente tese optei em não revelar seus nomes, preservando a identidade dos (as) mesmos (as), bem como das escolas investigadas. Desse modo, nomeei personalidades nacionais que, em sua trajetória de vida lutaram em prol dos direitos humanos. Mas a atenção foi destinada também às pessoas que em certa medida influenciam o campo da EJA na Bahia, tais como: gestora estadual da EJA, coordenadora do Mestrado Profissional de EJA, conselheira do Conselho Estadual da Bahia, bem como a coordenadora do Fórum Estadual da EJA Bahia. Assim, o conjunto de entrevistas, diálogos formativos e observações participantes caracterizaram-se como dispositivos de produção de saberes sobre o campo e seus atores e suas atrizes sociais. Importante dizer que, em face do tempo exíguo para a finalização da tese, não pude fazer uma análise cuidadosa dos relatos destes (as) últimos (as) atores e atrizes sociais do campo da EJA, o que será criteriosamente feito em artigo a ser publicado após a tese. Na tese, optei por dar destaque aos etnométodos e às micropolíticas das duas instituições escolares estudadas e, sobretudo, a seus atores e atrizes curriculantes.

Considero também importante explicitar os motivos que me levaram a esco- lher as duas escolas estaduais para essa pesquisa: o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica e o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, ambas as instituições localizadas em Salvador e com atuação junto ao público jovem e adulto (a).

É interessante que, inicialmente, não havia percebido que ambas as escolas estaduais são denominadas de centros. De acordo com o Dicionário de Português Online (2018), centro significa “lugar onde se reúnem atividades”, definição que con- sidero muito pertinente para identificar as duas escolas públicas investigadas. Am- bas se constituem em espaços educacionais que desenvolvem atividades voltadas para estudantes jovens e adultos (as), e as ações neles desenvolvidas estão inti- mamente relacionadas com esses (as) atores (atrizes) sociais.

Vários fatores me fizeram optar pelas duas unidades escolares citadas anteri- ormente como campos de investigação: o fato de eu ser a coordenadora estadual de EJA na época em que iniciei a pesquisa, o que me possibilitou ter acesso às duas instituições e aproximar-me do trabalho pedagógico que estas realizam; a diversida- de de estudantes de EJA que as frequentam, possibilitando uma compreensão mais ampla e diversa dos (as) atores (atrizes) sociais pesquisados (as).

Para compreender os etnométodos produzidos (as) pelos (as) estudantes da EJA que contribuem para a permanência na Educação Básica, tornou-se necessário compreender o perfil dos (as) estudantes colaboradores (as) da pesquisa das duas escolas pesquisadas. Em sua grande maioria são trabalhadores (as) jovens e adul- tos (as), sendo nove mulheres e quatro homens, sendo a maior parte deles (as) tra- balhadores (as) do mercado informal, com faixa etária heterogênea variando de 19 a 53 anos; apresentam um percurso escolar descontínuo, com períodos de interrup- ções marcados por ausências e retornos frequentes, devido a diversas situações que desfavorecem a permanência nos estudos, sendo que, em média, os (as) estu- dantes colaboradores (as) da pesquisa contam mais de dez anos sem estudar.

Isto posto, farei a seguir uma descrição das duas escolas que se constituíram

3.4.1 O Centro Noturno de Educação Joana Angélica

Os Centros Noturnos de Educação da Bahia são unidades escolares que ini- cialmente foram implantados no âmbito do Estado nos municípios de Feira de San- tana, Senhor do Bonfim e Vitória da Conquista e, nos anos subsequentes implanta- dos nos municípios de Salvador, Cachoeira, Jacobina, Campo Formoso, Conceição do Coité e Itamaraju com o objetivo de reestruturar a educação noturna da rede de ensino estadual, ao considerar as necessidades e expectativas desses sujeitos14.

É importante destacar que esse movimento de reestruturação da educação noturna estadual perpassa também pela crise histórica instaurada no ensino médio noturno, pois inúmeras são as críticas feitas no que tange à transposição didática do ensino voltado para adolescentes para a educação noturna, cujas metodologias e materiais didáticos utilizados precisam ser vinculados à realidade dos (as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a EJA e apresentam saberes construí- dos ao longo das trajetórias de vida e de trabalho.

É oportuno salientar que, durante a implantação dos Centros Noturnos de Educação da Bahia, tive ciência do trabalho pedagógico do Ceneb Joana Angélica ora investigado, o que me provocou o desejo de realizar uma investigação mais cri- teriosa acerca das ações de permanência de jovens e adultos (as) na educação no- turna.

O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica possui em sua itine- rância institucional vivências formativas que a constituiu em uma escola reconhecida pelo trabalho pedagógico desenvolvido na comunidade, caracterizado pelo acolhi- mento e sensibilidade com os (as) jovens e adultos (as) com os quais atuam.

O referido Centro Noturno foi criado em 2015, cuja proposta pedagógica tem a intenção de aproximar-se do contexto vivido pelos (as) jovens e adultos (as), bem como suas expectativas de estudo e de vida. Dentre os dez Ceneb criados pela Se- cretaria de Educação, o Ceneb Joana Angélica foi escolhido em virtude de localizar- se em Salvador, bem como pelo número crescente de estudantes trabalhadores (as) matriculados anualmente. Importante destacar que em 2018 esse número se apro- ximava de 800 estudantes jovens e adultos (as).

14 Esse texto constitui parte integrante do capítulo elaborado por mim, intitulado “A formação de jovens e adultos e a educação noturna: compreensões formativas de uma experiência baiana em movimento”, integrante da obra Amorim, Silva e Castro, Educação, territorialidade e formação

O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica, que integra essa pesquisa, é localizado na Península de Itapagipe15. Esta região da Cidade Baixa é

marcada historicamente pelo descaso dos órgãos públicos, onde a população de bairros mais populares possui pouco acesso aos serviços de saúde, educação e se- gurança. É uma região de intensos contrastes: em virtude da desassistência do po- der público, nessa região atualmente encontramos, no que se refere à saúde, as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), que atende a população, principalmente dos di- versos municípios do interior da Bahia. No que tange à educação, na Península de Itapagipe encontrávamos algumas escolas que, em décadas anteriores, constituíram espaços formativos da população jovem e adulta trabalhadora, na oferta de cursos de formação profissional, muito expressivos nas décadas de 60 e 70 do século XX.

Em 2015 foi realizado pela Secretaria de Educação a junção de escolas, nes- sa região, que ofertavam cursos no noturno, procedimento realizado, de acordo com a justificativa do órgão, em decorrência do “baixo número de estudantes”, o que, se- gundo ele não justificava a manutenção das turmas. Tal fato muito me causa incô- modo, pois os (as) poucos (as) estudantes no noturno, para uns, torna-se número significativo para outros (as) tantos (as), pois são vidas, jovens e adultos (as) traba- lhadores (as) que, nesse momento de sua história, estão dispondo de condições de continuarem os estudos.

A segurança na região é bastante precarizada, apesar de nela estar localiza- do o 8º Batalhão da Polícia Militar da Bahia, no bairro de Dendezeiros. Essa área de atuação direta dos órgãos públicos é atravessada por outras questões estruturais de vida da população dessa região, como iluminação pública, saneamento básico, mo- radia, crescimento desordenado do comércio informal na região.

Assim, o Ceneb Joana Angélica implantado com o objetivo de atender peda- gogicamente jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a educação no noturno, oferta cursos de Ensino Fundamental e Ensino Médio na modalidade EJA, Ensino Médio, bem como curso de EJA articulado com Educação Profissional.

É interessante salientar que, apesar de o município de Salvador agregar três Centros Noturnos, a escolha por esse, em especial, deu-se pelo número crescente de estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) no período de 2015-2018,

15 A Península de Itapagipe é uma região localizada na Cidade Baixa, que agrega diversos bairros, dentre eles: Bonfim, Ribeira, Uruguai, Massaranduba, Vila Rui Barbosa, Caminho de Areia, Boa Viagem, Dendezeiros, Mont Serrat, Roma, dentre outros.

fato que me provocou inquietação e que me impeliu a investigá-lo como fenômeno de crescimento e permanência de estudantes jovens e adultos (as) na Educação Básica, o que contraria as estatísticas de evasão existentes nessa etapa de escola- rização.

3.4.2 O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares

O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares é considerado pela SEC uma escola “exclusiva de EJA”, pois atende especificamente jovens e adultos (as) trabalhadore (as) da EJA, oferecendo projetos pedagógicos específicos para esses (as) atores (atrizes) sociais.

A proposta inicial de criação das escolas exclusivas de EJA era ofertar cursos de EJA nos três turnos de funcionamento, bem como oferecer exames de certifica- ção de saberes para fins de conclusão da Educação Básica.

A ideia era formar um grupo de profissionais oriundos das diversas áreas do conhecimento, com significativa experiência no atendimento a estudantes jovens e adultos (as) em situação de conclusão, equivalência e regularização da vida escolar para prosseguimento de estudos, fato que foi fragilizado ao longo dos anos em de- corrência dos diversos interesses políticos. Assim, ao longo dos anos o número de escolas exclusivas foi sendo reduzido e, nos últimos anos existiam na rede estadual de ensino da Bahia somente escolas exclusivas de EJA, nos municípios de Feira de Santana, Barreiras, Vitória da Conquista e Salvador, este último contando com duas unidades escolares.

Assim, o meu interesse em investigar o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares se deu pela sua história de criação e trajetória educacional nessa mo- dalidade de educação. Outro fato que contribuiu para a escolha dessa escola foi que, ao iniciar essa pesquisa, encontrava-me à frente da Coordenação Estadual da Educação de Jovens e Adultos na Bahia, o que me aproximou desse lócus de inves- tigação, compreendendo sua dinâmica de atuação e sua história intimamente vincu- lada ao campo da EJA no Estado da Bahia.

Conforme dito anteriormente, o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares localiza-se no município de Salvador, no bairro dos Barris, oferta turmas de EJA no diurno e no noturno. Oferece os cursos Tempo de Aprender I e II; Tem-

pos Formativos I, II e III, além de realizar Exames de Certificação da Educação Bási- ca, através da Comissão Permanente de Avaliação (CPA).

A escola está localizada em uma região próxima à Estação da Lapa e em uma área comercial do centro da cidade, o que resulta na presença de estudantes jovens e adultos (as) que, ou trabalham na região, ou são oriundos de bairros mais distantes, mas que circulam na referida Estação, o que facilita inclusive o acesso de jovens e adultos (as) dos municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS16).

No ano de 2017, a escola deixou de ofertar o curso Tempo de Aprender I, corres- pondente aos anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois, de acordo com o setor de Reordenamento da Rede da SEC, a oferta do Ensino Fundamental I ficaria sob a responsabilidade dos municípios, o que tem produzido prejuízos para jovens e adul- tos (as) que historicamente foram excluídos do processo de escolarização.

16 Os municípios da Bahia que fazem parte da Região Metropolitana de Salvador são: Salvador, Camaçari, São Francisco do Conde, Lauro de Freitas, Simões Filho, Candeias, Dias d’Ávila, Mata de São João, Pojuca, São Sebastião do Passé, Vera Cruz, Madre de Deus e Itaparica, totalizando cerca de 4 milhões de habitantes. Disponível em: https://www.suapesquisa.com/geografia_do_brasil/regiao_metropolitana_salvador.htm. Acesso em: 12 fev. 2019.