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3 FORMAÇÃO E SABERES DOCENTES

3.1 PROFISSAO DOCENTE E SOCIEDADE ATUAL

3.1.2 A formação inicial do professor de Português no contexto atual

Diante do quadro acima descrito, voltamos nossa reflexão sobre a formação inicial do professor de língua materna, nosso objeto de estudo. Interessa-nos saber quais são os principais desafios a serem enfrentados na formação de professores de Português.

Parece-nos que, assim como em qualquer curso de graduação, o grande desafio é saber: como oferecer uma formação consistente, se as propostas educacionais não visam enfatizar a formação inicial, concebida como dispendiosa? Acreditamos que os professores universitários têm tarefa importante e difícil no sentido de tentar resistir a esse apelo. Para que possa se fortalecer, acreditamos que a graduação, no caso específico do curso de Letras (Língua Portuguesa), precisa revisar seus currículos de modo a dialogar melhor com a sociedade atual. É fundamental que a formação inicial forneça meios para que o futuro professor compreenda as questões referentes ao seu trabalho e reflita criticamente sobre sua atuação e o contexto em que se insere.

Observamos de um modo geral que os currículos do curso de Letras, especialmente no âmbito brasileiro, não abrem espaço para se pensar o ensino-aprendizagem de Português nessa sociedade globalizada, de informação, nem em um contexto das reformas educacionais. Desse modo, retira-se da formação a vida, apresentando-se a velha dicotomia: ciência versus vida. Como é possível formar um profissional crítico e, portanto, capaz de buscar melhorias considerando sua realidade, se sua formação se dá no vazio, sem que se reflita o ensino de Português para uma determinada realidade? Não estamos dizendo com isso que a graduação precisa se harmonizar com as propostas de reestruturação econômica, mas sim que deve fazer

o futuro docente pensar o ensino de Língua Portuguesa levando em consideração essa realidade. Há, ainda, a nosso ver, outro fator complicador, que diz respeito à relação entre os saberes curriculares e os pedagógicos. Geralmente, há pouco ou nenhum diálogo entre os professores responsáveis pelas disciplinas pedagógicas (Didática, Estrutura do Ensino, Psicologia da Educação) e os professores de licenciatura em Letras, assim, nessa falta de relacionamento, o que se tem é um verdadeiro repúdio por parte dos graduandos em relação a essas disciplinas, as quais acabam sendo vistas como dispensáveis, quando na verdade são extremamente relevantes. Inclusive, pensamos que são elas que podem descortinar a realidade social, política e econômica que circunscreve a educação.

Desse modo, as condições de exercício da docência se modificaram, exigindo, portanto, uma formação inicial em concordância com essas transformações. Nessa sociedade globalizada, organizada em redes, onde a informação vem substituindo a sociedade industrial, é preciso rever a concepção de língua e de linguagem que sustenta a grade curricular dos cursos de Letras. Um dos principais problemas da formação dos professores de língua materna está exatamente na concepção de língua que se adota, a qual, notadamente influenciada pelo Estruturalismo saussuriano, a concebe como una, imutável: conjunto de signos linguísticos pertencentes aos falantes de uma determinada comunidade linguística. Sob essa perspectiva, basta estudar frases isoladas para que se dê conta da língua. É preciso, portanto, uma concepção de língua e de linguagem que possibilitem compreender e interpretar essa sociedade. (OLIVEIRA, 2007). Assim, pensamos que conceber a linguagem do ponto de vista interacionista, isto é, do ponto de vista social, poderá melhor atender às exigências do mundo atual. Afinal, esse modo de compreender influenciará sobremaneira o modo de o professor conduzir suas aulas: entendendo que a forma está a serviço do conteúdo, não vale por si mesma, dessa maneira, um estudo de gramática isolado em sala não faz sentido.

Como podemos perceber, estudar a formação inicial torna-se um verdadeiro desafio, pois a realidade que se apresenta para nós é bastante complexa. Não há, portanto, respostas ou soluções para que apresentemos melhoria no ensino, particularmente no ensino de Língua Portuguesa. Por outro lado, ao contrário do que faz a maioria das licenciaturas, não podemos fazer “vista grossa” para esse contexto. São necessárias ao graduando a compreensão desse contexto e a tomada de uma posição a seu respeito, a fim de ajudá-lo a construir sua identidade profissional e orientá-lo na busca de soluções.

Além disso, acreditamos que o profissional de educação é figura fundamental para as transformações – e por que não dizer “revoluções” – sociais, principalmente no contexto dos países mais pobres. Porém, não é, obviamente, o único responsável por essas mudanças, pois

existem problemas cujas origens estão na família, no Estado, na organização social do país etc.

Desse modo, acreditamos que é preciso uma mudança na identidade do professor, cujo papel tem grande influência em nossa sociedade no que tange a essa identidade. Pelas características próprias do trabalho docente, essa é uma atividade cujo processo ocorre eminentemente entre pessoas, não há mediação por produtos, exigindo que seja praticada por trabalhadores de qualificação elevada, uma vez que uma série de conhecimentos é evocada (pedagógicos, sociológicos, psicológicos, entre outros). Esse panorama faz com que o exercício da docência seja complexo, o que pode gerar sentimento de frustração nos professores, pois nem sempre ter domínio dos saberes próprios dessa atividade parece ser suficiente.

No Brasil, por exemplo, grande parte dos professores tem mais de um emprego, precisando deslocar-se entre várias escolas para poder ter um salário mais ou menos digno. Essa configuração influencia diretamente no modo como a sociedade vê esse profissional: como o “sofressor” (professor sofredor), aquele que estudou bastante, mas é mal remunerado. Essa representação social do professor, às vezes, serve como argumento pessoal para justificar as aulas pouco planejadas e mal elaboradas, bem como seu desinteresse em promover transformações. Naturalmente, esses dados influenciam o perfil do estudante de licenciatura, notadamente o de Letras/Português, no nosso caso, pois, ao ingressar no curso, parte do pressuposto de que ensinar não é uma atividade socialmente valorizada, portanto sua formação não vai gerar melhoria de vida, apenas permitirá/habilitará o exercício docente. Apesar de parecer generalizante, admitindo que há outros perfis, diríamos que esse é o perfil hegemônico e que leva à representação social da profissão.