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3 FORMAÇÃO E SABERES DOCENTES

3.2 IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

A noção de identidade vem sendo bastante discutida nos últimos 20 anos devido à compreensão de que, na atualidade, as velhas identidades entraram em declínio, provocando o surgimento de novas identidades e a fragmentação do sujeito. (HALL, 2006). De acordo com esse autor, para uma melhor compreensão sobre esse tema, precisamos relacioná-lo aos sujeitos históricos: sujeito do Iluminismo, sujeito do sociológico e sujeito pós-moderno.

No Iluminismo, tem-se uma visão de sujeito como sendo unificado. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa”. (HALL, 2006, p. 11). Na visão sociológica, o sujeito não é mais entendido como autossuficiente, mas sim constituído na interação com

outras pessoas. O sujeito ainda tem um núcleo, “mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem”. (HALL, 2006, p. 11). A identidade segundo essa concepção constitui-se na interface entre o mundo interior e o exterior. O sujeito pós-moderno é tido como não tendo uma identidade fixa, permanente, ao contrário, é móvel. Não há, nessa visão, uma unidade coerente, o sujeito assume múltiplas identidades, por vezes contraditórias, que são continuamente formadas e transformadas.

Bauman (2005) assume, concordando com Hall, a ideia de que as identidades não são fixas, sólidas, mas sim transitórias e fluidas, assim como é a modernidade líquida. Para esse autor, essa transitoriedade não constitui problema para o sujeito, pelo contrário, é preferível que seja assim, pois vivemos em um mundo onde a durabilidade não é mais um valor. Nesse sentido, o autor afirma:

E desse modo a dificuldade já não é descobrir, inventar, construir, convocar (ou mesmo comprar) uma identidade, mas como impedi-la de ser demasiadamente firme e aderir depressa demais ao corpo. [...] O eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe. (BAUMAN, 1998, p. 114).

Quando estamos no âmbito das discussões sobre identidade, torna-se quase impossível evitarmos de fazer considerações sobre a globalização, uma vez que esse processo tem fortes consequências para essa questão. A globalização foi fortemente influenciada pelo surgimento de novas formas de comunicação ocorridas principalmente devido ao avanço da informática. Assim, uma das principais características da globalização é a compressão espaço-tempo, que afeta diretamente as identidades, já que essa relação é uma coordenada básica para todo sistema de representação – escrita, pintura, música etc. (HALL, 2006). O espaço não é mais fixo, concreto; e o tempo assumiu outra dimensão, pois é possível em tempo real obter informação sobre acontecimentos ocorridos em qualquer parte do mundo. Passa-se a conhecer tudo e nada ao mesmo tempo porque as relações enfatizadas são aquelas ocorridas em ausência, diferentemente das relações face a face. Com a queda das fronteiras entre as nações, surge a tensão entre o local e o global. Desse modo, poderíamos perguntar: em que medida estamos caminhando para uma identidade globalizante e em que medida as identidades locais conseguem resistir? O fato é que observamos que há um fluxo de identidades, e, embora as culturas locais estejam sujeitas às globais, por vezes, elas se redefinem, mas não se

homogeinizam assim como muitos pensam. Hall (2006, p. 67) aponta três possíveis consequências da globalização sobre as identidades culturais:

 as identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”;  as identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas

estão sendo reforçadas pela resistência à globalização;

 as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar.

A identidade profissional, que é foco de nosso interesse, pode ser compreendida como uma constituinte das identidades sociais. Para Dubar (1997), a identidade social é entendida como sendo a articulação entre uma transação interna ao indivíduo e uma externa, estabelecida entre o indivíduo e as instituições com as quais interage. Esse autor discute a construção identitária, entendendo-a como um processo de socialização. Para ele,

[...] a identidade não é mais do que o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições. (DUBAR, 1997, p. 105, grifo do autor).

Nesse sentido, pontua a importância dos campos escolares e profissionais para as identificações do indivíduo e, portanto, para a construção das identidades, o que não significa que as identidades sociais devam ser reduzidas a esses dois campos. Assim, situa a identidade profissional transitando entre dois processos: o identitário biográfico e o identitário relacional. O primeiro situa-se no confronto do indivíduo com o mercado de trabalho. O termo confronto não é utilizado à toa, pois para a contemporaneidade, caracterizada por altas taxas de desemprego que afetam de modo diferenciado os vários países, níveis de escolaridade, sexo etc, a inserção no mercado de trabalho é quase uma batalha. Desse conflito dependem a construção profissional de base e a projeção de si no futuro, embora essa “primeira identidade” não seja, sob nenhuma hipótese, definitiva. Para construir a identidade profissional biográfica, o indivíduo precisa envolver-se em relações de trabalho. Logo, o processo identitário relacional refere-se à identidade profissional do indivíduo em termos de relações de trabalho, das quais emergem questões de norma, de valores, de poder, do lugar que o indivíduo ocupa e do grupo ao qual pertence.

A identidade profissional docente, assim como a temática da identidade em geral, tem estado bastante em voga nas pesquisas acadêmicas, passando, igualmente, a mesma

instabilidade. Levantamos algumas razões explicativas para tal situação que acreditamos serem motivadoras para colocar essa temática na ordem do dia, influenciando ainda a identidade docente. Em primeiro lugar, destacamos o fato de a profissão docente há muito carecer do status de profissão, assim muitos docentes e estudiosos lutam por profissionalização. O estatuto profissional docente tem bastante relação com o processo de instituição dessa profissão, que no Brasil se iniciou com os padres, depois, com a expansão do ensino de modo a receber os filhos dos operários, houve o recrutamento imediato de pessoas para darem aulas, muitas vezes sem a devida formação. Esses aspectos históricos influenciam significativamente essa busca de profissionalização. Um outro aspecto a ser levantado diz respeito ao resultado da reestruturação do sistema capitalista, a profissão docente, assim como outras profissões, tem enfrentado processo de precarização, cujos efeitos são os baixos salários e a necessidade dos professores de darem muitas aulas e a aceitação de condições de trabalho não reguladas, fora dos Estatutos do Trabalho. Por fim, destacamos a nova ordem social, bastante modificada pelas novas tecnologias e formas de comunicação, exigindo transformações no modo de ensinar e de se pensar o ensino.

Desse modo, entendemos a identidade do professor como sendo construída na interação social nos vários contextos dos quais o docente participa, de modo contínuo e não linear. Essa construção se dá, portanto, através das práticas de uso da linguagem, que não apenas servem de reflexo dessas identidades, mas também as constituem, e parte do modo como esse profissional percebe, interpreta, significa e ressignifica essas interações. Assim compreendida, a identidade profissional é construída e reconstruída em um processo inacabado, ou de acabamento provisório, que não se inicia na formação inicial, apesar de esta ter importante papel, pois é nela que saberes científicos, pedagógicos e outros são (ou podem ser) sistematizados.

No que tange à identidade do professor de Português, acreditamos que algumas questões suscitadas no capítulo anterior levam a uma indefinição sobre o que é ser professor dessa área. Inicialmente, destacamos os conteúdos: o que ensinar? Afinal, é a gramática, o texto ou os gêneros textuais? Como ensinar gramática sem adotar o modelo prescritivo e tradicionalista? Depois, qual é o objetivo do ensino de Português? Formar leitores e escritores? Preparar para aprovação em concursos? E, ainda, agora relacionada à formação inicial, que saberes deve ter esse profissional para dar conta dos conteúdos e objetivos da área? Todas essas questões não são prontamente respondidas. Há variadas vozes que se posicionam sobre essas indagações. E nós nos perguntamos: o que a formação inicial de

professores de Português tem feito para responder a essas perguntas? Como tem contribuído para a construção dessa identidade? Voltaremos a esses pontos no capítulo de análise.