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3 FORMAÇÃO E SABERES DOCENTES

3.1 PROFISSAO DOCENTE E SOCIEDADE ATUAL

3.1.1 As reformas educacionais e a formação docente

Com a crise dos modelos taylorista/fordista, intensifica-se em alguns países o apelo a uma forma que possa resgatar o capitalismo ainda com mais força. Assim, alguns estudiosos renomados passam a falar do neoliberalismo como sendo a alternativa capaz de evitar os erros dos modelos anteriores: principalmente a partir da década de 1980, a ideologia dos programas neoliberais passa a ser divulgada e defendida pelos organismos mundiais. A educação tornou- se elemento de grande importância, uma vez que, através dela, esses organismos podem direcionar e cooptar os países.

As reformas iniciadas nos anos 1990 precisam ser compreendidas no contexto da reestruturação do Estado brasileiro em consonância com os ditames da agenda neoliberal, que realizou ajustes e estabeleceu novos marcos regulatórios que modificaram sobremaneira a educação. Segundo a análise dos organismos internacionais, em defesa desses ajustes, a educação é elemento essencial para competitividade das nações e das empresas, de modo a se desenvolver com equidade social.

Nesse contexto, o conhecimento é encarado como um dos pontos centrais para a produção. Assim sendo, a educação torna-se elemento primordial para que os países consigam

se inserir na economia mundial, que é atualmente extremamente competitiva. (CABRAL NETO; CASTRO, 2002).

Segundo Cabral Neto e Castro (2002), o Banco Mundial (BM, doravante), organismo de grande importância no cenário das reformas, em 1994, redefine suas orientações políticas. Nessa redefinição, a educação passa a ser vista não apenas como capaz de reduzir a pobreza, mas também como fator de formação de capital humano adequado às novas exigências do mundo do trabalho.

Dentre essas orientações, destacamos as elaboradas no documento produzido em 1995, intitulado “Prioridades e estratégias para a educação: estudo setorial do Banco Mundial”. Esse documento prevê entre outras coisas a ênfase no ensino básico, a melhoria da educação, a descentralização e a autonomia das instituições escolares, o impulso do setor privado e de Organizações Não Governamentais (ONGs) como agentes ativos nas tomadas de decisões. (TORRES, 1996).

No que diz respeito à ideia da prioridade na educação básica, houve um reforço com o encontro de Jomtien, em 1990, quando outros organismos como a UNESCO e o UNICEF reiteraram essa proposta. De acordo com o discurso desses organismos, a educação básica é a maior responsável pelos benefícios econômicos e sociais, uma vez que, através dela, as pessoas podem se inserir no mundo do trabalho e na sociedade globalizada. Na verdade, devemos compreender essa proposta de forma crítica no sentido de perceber o que está por trás dela: alargar os mercados em países “em desenvolvimento” e diminuir a pobreza de modo que as pessoas tenham o mínimo de poder aquisitivo, ou seja, não existe realmente um interesse em mudar as condições sociais e diminuir as desigualdades.

Segundo essa lógica, devem-se diminuir os investimentos com a educação superior – vistos como gastos. No Brasil, essa política foi definitivamente posta em prática, notadamente nos oito anos de governo de FHC, quando o ensino superior foi rapidamente aberto à iniciativa privada. Nesse período, o número de faculdades privadas cresceu vertiginosamente e as universidades públicas perderam financiamentos. Assim, essa ênfase na educação básica nos parece que facilita a inserção dos países em desenvolvimento nas economias globalizadas, mas como “colônias”, não como capazes de competir com as grandes potências mundiais.

É preciso lembrar, conforme alerta Torres (1996), que as propostas para a educação são feitas por economistas e não por educadores ou por pessoas que conheçam a realidade escolar, especialmente no contexto dos países para os quais essas propostas são dirigidas. Dentro dessa lógica econômica, constituem-se categorias principais a relação custo-benefício e a taxa de retorno. Dessa forma, o modelo proposto pelo BM fortalece a ideia de educação

como mercado e de escola como empresa. Além disso, comete um erro grave: deixa de fora do modelo os professores e a pedagogia. (TORRES, 1996). Os professores são, assim, vistos como aqueles que executam, mas não como os que criam.

Para não perder de vista o objetivo dessa seção, vamos situar a formação docente no âmbito das reformas propostas pelo BM. Os professores são geralmente encarados por esse organismo – e por outras instituições – como problema de difícil manipulação e insumo educativo caro. Nesse viés, a sua formação também é colocada como elemento complicador, por requerer tempo e dinheiro. O que mais nos chama a atenção é que segundo estudos do Banco Mundial a formação docente tem pouco impacto sobre a qualidade do ensino, pois demonstram que docentes com maior tempo de estudo e maior qualificação não conseguem necessariamente melhores rendimentos. (TORRES, 1996).

É com base nessa ideia que o BM recomenda a capacitação em serviço em detrimento da formação inicial, vista como longa e, portanto, de alto custo para o Estado. Não há o reconhecimento da complexidade inerente à formação docente, que tem o intuito de lidar com uma realidade em constante transformação. Assim, para poder educar ante essas mudanças, o professor precisa ter uma boa base de formação, tanto referente aos saberes disciplinares quanto aos saberes pedagógicos. Desse modo, esse organismo parece desconhecer que,

na verdade, formação inicial e capacitação em serviço são diferentes etapas de um mesmo processo de aprendizagem, profissionalização e atualização permanentes do ofício docente. Em se tratando de um papel tão complexo e de tanta responsabilidade como o do ensino, e falando do objetivo da melhoria da qualidade da educação, não podemos optar: tanto formação como capacitação são necessárias e se complementam. (TORRES, 1996, p. 162).

Além dessa ênfase na formação em serviço, esse organismo sugere a educação a distância como forma de atender um número maior de alunos e de reduzir investimentos por parte do governo, uma vez que não precisa construir prédios, montar uma estrutura educacional. Assim, essa modalidade incorpora os princípios básicos da reforma educacional: programas descentralizados e focalizados, descentralização na execução e legislação frouxa. (CABRAL NETO; CASTRO, 2002).

Estudos como o de Castro (2001), citada por Cabral Neto e Castro (2002), definem as políticas implementadas sobre a formação docente no Brasil como inconsistentes, porém com uma grande articulação com as orientações dos organismos internacionais, que têm como prioridade reduzir os gastos com a formação. Não há propriamente uma preocupação a

respeito da qualidade da formação oferecida, mas sim com diplomas, como se somente a capacitação em serviço fosse suficiente para que o profissional pudesse desempenhar efetivamente a sua função. Além disso, é importante ressaltar que essa modalidade de formação precisa ser orientada e, de fato, materializada, de modo que os profissionais em atuação tenham oportunidades de fazer cursos formativos e de pós-graduação. Do contrário, pode-se pensar que a atividade profissional por si só seja capaz de formar continuamente.

Ainda segundo Cabral Neto e Castro (2002), embora no Brasil o discurso dos documentos conceba a formação docente de qualidade como elemento importante para a efetividade da reforma da educação, pelos seus encaminhamentos mais recentes, é difícil que se consiga formar docentes com bases sólidas e, portanto, capazes de oferecer ensino de qualidade e de transformar a realidade social brasileira.