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Capítulo 2. Como se constrói o conhecimento profissional

2.2. Supervisão como suporte ao desenvolvimento do educador e à construção

2.3.2. A formação inicial dos professores e educadores impacto no

pessoais

Neste ponto do capítulo pretendemos apresentar uma revisão mais ampla de estudos internacionais baseados na formação de educadores de infância e professores, discutindo o potencial impacto da formação inicial no desenvolvimento profissional dos docentes.

A influência de paradigmas interpretativos e críticos na investigação educacional e no domínio do desenvolvimento profissional dos professores e dos educadores questionou a ideia funcionalista de que a aprendizagem e socialização dos professores deveria produzir continuidades de forma reprodutora, desconsiderando a natureza eminentemente interativa, complexa, conflitual e inacabada, do desenvolvimento profissional (Zeichner & Gore, 1990).

Ainda que com consciência de que o desenvolvimento profissional é um processo dinâmico pretendemos neste ponto refletir sobre a forma como a formação inicial pode impactar nas competências profissionais dos educadores de infância o que constitui uma das finalidades do nosso estudo. Neste sentido, apresentam-se neste Capítulo, alguns estudos empíricos e de reflexão teórica sobre a relevância da formação de professores na qualidade educativa dos profissionais. Sendo este um tema central em diversos

subjacentes sendo que a dimensão política tem frequentemente um impacto direto nessa formação nem sempre alimentada pelos resultados da investigação.

Segundo Cochran-Smith (2005), até à década de 1990 as preocupações com a formação de professores centravam-se na qualidade dos processos formativos e na forma como os professores aprendem a ensinar, como modificavam crenças e atitudes, no papel dos fatores contextuais que melhor contribuem para aprendizagem e sobre a natureza do conhecimento profissional.

Nas décadas mais recentes, na perspetiva da mesma autora, as preocupações começaram a centrar-se na eficácia dos programas de formação, na prestação de contas de modo a gerar conhecimento capaz de informar decisões quanto à sua melhoria (Darling-Hammond, Newton & Wei, 2010; Ludlow et al., 2010 citados por Flores, 2014; Imig, Wiseman & Neel, 2014). Por esses motivos a questão da formação de professores encerra também uma questão política e diferentes formas de olhar o papel dos professores e da escola. Marcondes e Leite (2014) questionam a ideia de competição entre professores e entre escolas, a existência de exames padronizados e a monitorização do trabalho docente com base em padrões numa lógica de performatividade e de avaliação da qualidade.

Na mesma linha Peter Moss (2014), e no que se relaciona com a avaliação da qualidade em Educação de Infância, afirma que o conceito de

qualidade precisa de ser questionado (Dahlberg, Moss, and Pence, 1999)

sendo que não é um conceito neutro mas sim impregnado de valores. Enquanto um padrão de normas e técnicas a ‘qualidade’ é “uma tecnologia de normalização, estabelecendo normas em relação às quais o desempenho pode ser avaliado...uma tecnologia de distanciamento, que afirma ser capaz de comparar os desempenhos em qualquer parte do mundo, independentemente do contexto (..,) e uma tecnologia de regulação, que fornece uma poderosa ferramenta de gestão” (Dahlberg et al., 1999). Neste

sentido, Moss (2014) considera que a avaliação da qualidade por especialistas numa perspetiva técnica é uma abordagem simplista, incapaz de lidar com a complexidade, a diversidade, o contexto e a incerteza, levando à regulação das crianças, pais e educadores numa lógica neoliberal e de retorno económico. Defende a Educação de Infância como uma prática política e ética, e neste sentido, a avaliação é sobre um processo democrático e participativo de construção de significados que envolve alternativas e entendimento democrático do que significa “bom”. Nesta lógica, o educador de infância melhor preparado será o que é capaz de pensar na complexidade, refletir sobre a prática e gerar diálogo e entendimento com os pares, crianças e comunidades.

Apesar da diversidade de modelos formativos e de ser consensual que a formação de professores pode fazer a diferença (Flores, 2014) a eficácia relacionada com os resultados dos alunos tem sido discutida. Na nossa experiência de trabalhos com as instituições, ouvimos muitos relatos dos educadores de infância sobre uma maior pressão das organizações para que face aos resultados escolares no primeiro ciclo do ensino básico, avaliados por exames padronizados, se antecipem algumas aprendizagens “escolares” no jardim de infância, o que tem tido equivalente contestação (Katz, 2006; Vasconcelos, 2009).

Quais devem ser as componentes da formação essenciais na formação de professores e como avaliar a qualidade da formação face às finalidades estabelecidas parecem ser questões essenciais para as quais pretendemos contribuir também com este trabalho e através de revisão de literatura neste domínio. Nesta revisão somos guiadas por Assunção Flores (2014) numa edição com vários especialistas de países diferentes e que nos permitem ter uma perspetiva mais ampla e internacional.

aspetos considerados fundamentais na formação de professores: a coerência das disciplinas e articulação com o estágio e com o curso; a importância dos modelos e de atribuir significado à reflexão; e, o conhecimento da amplitude e complexidade da sua aprendizagem profissional .

MacMahon (2014) comparando a formação de professores no Reino Unido destaca dois aspetos centrais: a valorização das parcerias na formação inicial e no desenvolvimento profissional dos professores e as escolas como contextos privilegiados de aprendizagem. Charlier (2014) destaca ainda a relevância das comunidade de prática enquanto processo de aprendizagem numa perspetiva que permite evoluir “de uma intenção de construção de práticas individuais para uma intenção de práticas colectivas” (p.197).

A formação em contexto universitário e em contexto profissional (na escola) é igualmente refletida por Niklasson (2014), assim como a fragmentação do currículo na Universidade. Roldão (2001b) refere “o currículo como mosaico” e sublinha a necessidade de organizar a formação não numa lógica aditiva mas numa lógica de projeto construído em colaboração. Ivor Goodson (2008) reforça a mesma ideia de compartimentação disciplinar acentuando, no entanto, que a universitarização da formação constituiu um passo importante no desenvolvimento profissional dos docentes, pela introdução da dimensão teorizadora. Considerou, ainda, que existe algum endeusamento não analítico da prática como fonte de saber do professor e que no caso do Reino Unido esta situação foi oportunisticamente associada a políticas redutoras e economicistas por parte de alguns sistemas que deslocaram a formação de professores para as escolas, desligando-a da formação universitária e da dimensão teórica apenas por motivos económicos e que na perspetiva de Goodson diminuem a profissionalidade do professor e o tornam mais passivo face aos vários poderes.

Do mesmo modo, a investigação que se desenvolve em colaboração com os professores muitas vezes não resulta, na crítica do mesmo autor, numa transformação da cultura investigativa mas num enfoque mais simplista na prática. A necessidade de articulação e equilíbrio entre o ensino na universidade e na escola precisa de ser aprofundado e melhorado, através da reflexão sobre o papel de cada um na formação. Estola, Syrjala e Uitto (2014) destacam o profissionalismo, a investigação, a reflexão e o comprometimento moral como os aspetos que distinguem a formação de professores na Finlândia. A autonomia dos professores e a gestão flexível do currículo será a mais valia principal dos professores finlandeses. Salientam ainda como importantes os processos de supervisão. Na formação e no desenvolvimento profissional dos professores, as narrativas produzidas são elementos centrais, permitindo compreender o lado emocional, moral e a ética relacional do ensino.

Flores (2014) destaca como aspetos fundamentais da formação, a relação entre teoria e prática e a investigação como eixo potenciador dessa relação, destacando a relevância dos autoestudos para este propósito e uma maior focalização nos formadores dos professores através da investigação das suas práticas.

Na mesma linha de compreensão sobre o impacto da formação inicial queremos destacar um estudo longitudinal sobre o impacto da formação de professores realizado por Niels Brouwer e Fred Korthagen (2005) com 357 estudantes, 128 professores cooperantes e 31 professores supervisores de 24 cursos de formação de professores. Nesta investigação, que decorreu ao longo de 4 anos e meio, foram recolhidos dados quantitativos e de forma mais aprofundada dados de natureza qualitativa em que os estudantes foram acompanhados desde o início da sua formação até o terceiro ano de exercício da profissão. Sendo que a socialização nos contextos de trabalho teve uma influência significativa, existem evidências que aspetos específicos da formação inicial tiveram impacto no desenvolvimento das competências

prática pode ser integrada. As implicações deste estudo são de particular relevância não só para discussão do impacto da formação inicial no desenvolvimento profissional mas sobretudo para compreendermos como a estrutura e concepção dessa formação podem ser relevantes. Este estudo foi de particular relevância no desenho e planificação do nosso Estudo.

Os autores salientam a relevância dos estudos longitudinais para se poder verificar se após o período inicial de experiências discrepantes e de “choque de transição” (Corcoran, 1981 citado por Brouwer & Korthagen, 2005, p. 156) o impacto da formação inicial persiste.

Da mesma maneira é significativo aprofundar os modelos de formação de professores de modo mais detalhado para compreendermos de que forma a formação prática pode ou não ser relevante. Um dos aspetos centrais na discussão dos resultados do estudo referido relacionou-se com a integração da teoria e da prática e em especial da forma como se organizam as experiências em contexto de estágio, como se desenvolvem e como são supervisionadas. O papel da prática profissional supervisionada na construção do conhecimento e desenvolvimento profissional a par da investigação sobre a prática deve ser realçado como uma das principais evidências da revisão de literatura efetuada. Na construção do nosso Estudo está presente como a formação inicial se organizou e, igualmente, sobre o papel da prática que, consideramos com Schön (1995), não é só um modo de aplicar conhecimento mas também de o construir

We should think about practice as a setting not only for the application of knowledge but for its generation. We should ask not only how practitioners can better apply the results of academic research, but also what kinds of knowing are already embedded in competent practice (Schön, 1995, p. 28).

Capítulo 3. Como se pensa e constrói conhecimento