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Capítulo 3. Como se pensa e constrói conhecimento sobre o mundo

4.3. Modelos pedagógicos em educação de infância

4.3.3. O modelo High-Scope

O modelo High/Scope adquiriu a partir dos anos 1980 alguma importância junto dos educadores portugueses, a partir da tradução e publicação do livro “A criança em ação” de Hohmann, Banet e Weikart (1984) que descreve este modelo. Considerado como um currículo de orientação cognitivista por alguns autores (Gaspar, 1990), é considerado, por outros, dentro de uma linha mais construtivista (Spodek e Clark Brown, 1996), pois segue quatro dos pressupostos considerados básicos por Forman e Fosnot (1982) desta linha de pensamento:

(1) a ação, e não a lógica, é a fonte do pensamento dedutivo; (2) a compreensão resulta das atividades autorreguladas; (3) a aprendizagem significativa advém da resolução de conflitos; e (4)

as correspondências e as transformações deverão ser coordenadas“( citado por Spodek e Clark Brown, 1996, p.29).

Este modelo surge no quadro dos programas de educação compensatória nos Estados Unidos com o objetivo de promoção intelectual de crianças de populações com dificuldades de aprendizagem, no sentido de contribuir para uma maior igualdade de oportunidades educacionais. Os seus autores pretendiam afastar-se de um modelo dominante na educação pré-escolar em que predominava o apoio ao desenvolvimento sócio- emocional e também afastar-se dos modelos de promoção cognitiva de orientação comportamentalista dominantes nos EUA nessa época (Oliveira- Formosinho, 1996, p.57). Os seus pressupostos fundamentais baseiam-se na teoria de Piaget (1956, 1963) e enfatizam a noção de que a aprendizagem se tem de basear na ação da criança. Considera que os conhecimentos não são aprendidos apenas pela informação proveniente do exterior, mas sobretudo através da construção a partir do interior em interação com o ambiente (Kamii e DeVries, 1986, p.14). Este modelo originalmente organizou as suas atividades em torno das questões próprias de cada estádio de desenvolvimento segundo Piaget (1956, 1963). Mais tarde evolui para uma organização do currículo em torno de “experiências- chave”, igualmente de inspiração piagetiana (Hohmann, Banet & Weikart, 1984).

Raposo (1980), numa publicação em que reflete sobre as implicações da teoria de Jean Piaget (1956, 1963), salienta vários aspetos nomeadamente: a importância da organização da aprendizagem como um método de descoberta, proporcionando à criança a manipulação concreta de objetos para compreender conceitos; o respeito pelos diferentes ritmos de aprendizagem da criança; a não conveniência em acelerar a sucessão de estádios de desenvolvimento, ensinando à criança o que ela ainda não estaria preparada para aprender; e por fim, a necessidade da educadora

estar familiarizada com o nível de desenvolvimento em que a criança se encontra de modo a preparar a criança para o estádio seguinte.

Neste modelo curricular, considera-se fundamental diferentes formas de organizar o grupo de trabalho. Destina-se algum tempo à ação individual, o tempo de trabalho, mas também ao trabalho de pequenos grupos e ao

trabalho em círculo. Durante o tempo de trabalho em pequenos grupos, cada

adulto reúne-se com cinco a oito crianças para trabalharem nas atividades planeadas pela equipa pedagógica com antecedência (Hohmann et al., 1984, p.123). Cada pequeno grupo deve ser representativo da população da sala: rapazes e raparigas; crianças de três ou quatro anos; negras ou brancas; deficientes e não deficientes.

Grande cuidado é colocado na organização do espaço de atividades, havendo a proposta de criação de áreas, equipamentos e materiais específicos que devem servir de suporte à atividade da educadora. As áreas podem ser semelhantes, numa primeira leitura, à dos jardins que seguem outros modelos mas a sua utilização por parte das crianças pode ser considerada como mais “organizada”. A educadora promove a iniciativa da criança mas procura que ela planifique as suas atividades, prevendo e exprimindo o que quer fazer, e onde quer fazer. A livre mudança de área em área é assim menos frequente e, embora se apoie a atividade da criança, existe uma constante procura de reflexão sobre o que se está a fazer.

O tempo está organizado de forma a existir obrigatoriamente um tempo para planear as atividades, um tempo para a ação e um tempo para rever e refletir sobre o que se fez. Do mesmo modo estão previstos “tempos” para atividades de escolha individual, tempos de trabalho em pequeno grupo e tempos de trabalho em grande grupo. Assim, há um tempo destinado a atividades de iniciativa da criança mas também existe um tempo de trabalho dedicado a iniciativas da educadora, através da criação de experiências-

chave, que têm como função promover a criança a nível cognitivo de forma a evoluir para o estádio seguinte.

O papel do educador é o de propor à criança atividades para que esta faça experiências de aprendizagem. A aprendizagem faz-se com base na atividade da criança e o papel do educadora é apoiar essa atividade estimulando a criança na sua ação.

Segundo Oliveira-Formosinho (1996) que coordenou o “Projeto infância: Contextualização de modelos de qualidade” em que se procura, entre outros objetivos, contextualizar o modelo High/Scope em jardins de infância portugueses, este modelo curricular entrou numa fase em que o papel da educadora é menos diretivo e permite à criança maior capacidade de iniciativa e decisão. Segundo a autora

não quer com isto dizer-se que se minimize a atividade do educador. O educador também é ativo, também inicia, também toma decisões. Mas a sua atividade nunca pode ser intrusiva em relação à atividade da criança. Não pode dirigi-la ou paralisá-la. A atividade do professor é anterior à atividade da criança, preparando espaço, materiais, experiências para que a criança possa então ter atividade auto-iniciada. Uma vez iniciada a atividade da criança, o papel do adulto é, na maior parte das vezes, o de observar e apoiar, posteriormente, o de analisar a observação e tomar decisões ao nível de novas propostas educacionais para a criança individual (Oliveira-Formosinho, 1996, p.60).

A fase de avaliação é igualmente essencial neste modelo curricular. Vários instrumentos auxiliares da observação da criança pela educadora foram criados de forma a permitir a observação sistemática da criança. A observação individual da criança e consequente planificação da prática

pedagógica constitui, a par da teoria de Piaget (1956, 1963), a base da intervenção da educadora.

Os jogos de grupo são igualmente fundamentais dentro de uma perspetiva piagetiana e, nestes, o papel da educadora deve estar reduzido a um mínimo, de forma a estimular a cooperação entre as crianças e a sua autonomia na construção das próprias regras de jogo (Kamii, 1984).

Assim, poderemos resumir o papel do educador dizendo que este deve fundamentalmente criar situações para as crianças que desafiem o seu pensamento atual e que lhes coloquem problemas. Cabe ao educador estimular as crianças a empenhar-se e resolver as situações propostas.

As críticas a este modelo centram-se no papel das aprendizagens baseadas unicamente na atividade das crianças e no concreto, como se as crianças fossem incapazes de qualquer nível de abstração ou compreensão de realidades mais distantes. Segundo Roldão,

a perspetiva segundo a qual o raciocínio das crianças nos primeiros anos de escolaridade se baseia na descrição do “pensamento concreto”, a par de alguns benefícios relacionados, por exemplo, com a simplificação de alguns temas de estudo, parece ter tido como consequência uma limitação e empobrecimento consideráveis dos recursos educacionais que lhes são facultados. Tem levado, na prática, à sobrevalorização de temas de âmbito local, de abordagens empíricas, de tarefas de observação e experimentação direta limitadas à realidade próxima (1994, p.14).

Esta fase pós-piagetiana talvez tenha conduzido a algumas mudanças deste modelo educativo que teve as suas raízes no trabalho de Piaget (1956, 1963) e nos seus estádios de desenvolvimento cognitivo.