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PARTE I: CRISE, INOVAÇÃO E TRABALHO NO CAPITALISMO

CAPÍTULO 2 – INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL:

2.1 O papel da inovação no capitalismo contemporâneo: de coadjuvante a

2.1.3 A função das inovações no compromisso entre as classes

Uma das questões mais relevantes que aparecem quando se reflete sobre a importância que as inovações passaram a ter no capitalismo contemporâneo é: o que se esconde por trás dos discursos que defendem a primazia do progresso técnico como motor dinâmico do desenvolvimento?

Na visão de Farias (2003, p.143), ao se examinar as prospectivas regulacionistas tecnicistas é fácil perceber que:

[...] o ideal-tipo do capitalismo cognitivo se situa nos Estados Unidos, onde se instalou “[...] um regime de acumulação fundado sobre um ritmo sustentado de inovação, que ocupa desde então um lugar central na concorrência entre as firmas. Os lucros potenciais e as partes de mercado resultam, no mínimo, tanto de uma sistematização das estratégias de inovação e de uma intensificação de seu ritmo, quanto da proteção resultante dos direitos de propriedade. (PAULRÉ, 2001b, p.11)”. (FARIAS, 2003, p.143)

O capitalismo cognitivo aparece, na concepção de seus teóricos, no seio de uma sociedade pós-salarial que “não seria o resultado conjuntural de uma simples adaptação às metamorfoses do trabalho assalariado” (FARIAS, 2003, p.144). Braga afirma que, “para os regulacionistas, no capitalismo “pós-industrial” a “atividade cognitiva” tornar-se-ia o fator essencial de criação de valor” (BRAGA, 2004, p.52).

Pela lógica regulacionista, o valor passaria a ser produzido fundamentalmente fora do espaço fabril e, consequentemente, “emancipado do tempo de trabalho socialmente necessário” (BRAGA, 2004, p.52). Uma vez apartado de sua estrutura material (máquinas e matérias-primas), o conhecimento (o saber fazer) pode reproduzir-se independente do capital e do trabalho. Braga (2004, p.52) afirma ainda que, para os regulacionistas, sendo o conhecimento, agora, um fator de produção tão importante quanto o capital e o trabalho, a teoria do valor não seria mais suficiente para explicar a transformação do conhecimento em valor (voltaremos a esse debate no capítulo 3).

Para Farias, segundo a visão regulacionista:

[...] o que se acumula não é mensurado em quantidade de valor (em termos de tempo de trabalho socialmente necessário), porque “o objeto da acumulação é principalmente constituído pelo conhecimento que tende a ser submetido a uma valorização direta, e cuja produção transborda os locais tradicionais da empresa.” (VERCELLONE et al., 2001, p.9) Para Dieuaide (2001, p.17), este modelo de acumulação não caiu do céu, pois só emerge a partir de “quando o capitalismo deu adeus ao valor-trabalho”. Não se trata mais de um modelo

fundado na contradição entre a objetividade e a subjetividade inerentes às relações mercantis simples e desenvolvidas, mas sobre a “dinâmica” própria às inovações científicas e técnicas. (FARIAS, 2003, p.146)

Nesse caso, a questão da luta de classes estaria ultrapassada e a figura do trabalhador como sujeito emancipador (MARX&ENGELS, 2001, p.56) finalmente seria superada. Uma vez que o conhecimento e as novas ideias tornam-se o objeto da acumulação, torna-se muito complicado mensurá-los em termos de tempo de trabalho socialmente gastos para a sua criação.

Ao desconsiderar as contradições entre capital e trabalho, os regulacionistas não colocam claramente como fica a questão da exploração sob essa nova base racional do valor. De acordo com Farias, não dá para esquecer que “a concentração de poder não é meramente produto dos aspectos cognitivos do capitalismo atual, mas do resultado direto do desenvolvimento desigual inerente ao imperialismo” (FARIAS, 2003, p.148). E Magaline ainda acrescenta:

No modo de produção capitalista, a reprodução das relações de produção passa de forma principal pela luta de classes na produção, luta de classes na qual a burguesia capitalista desempenha o papel dominante, e que se traduz pela alteração contínua da “técnica e da organização social do processo de trabalho”, quer dizer, pela revolucionarização contínua das forças produtivas. (MAGALINE, 1977, p.61)

A luta de classes de que se trata aqui é, fundamentalmente, econômica e tem por objetivo definir a repartição do rendimento entre salários e lucros. De acordo com Magaline, a luta de classes:

[...] “age” sobre o desenvolvimento das forças produtivas através de modificações da repartição: por um lado, porque tais modificações da repartição introduzem uma modificação do “custos relativos”, por outro lado, porque conduzem a um alargamento da procura de consumo. (MAGALINE, 1977, p.71)

Nessa luta, os trabalhadores organizados que reivindicam salários melhores obrigam os capitalistas a reagir e defender suas posições ameaçadas, introduzindo novas técnicas no processo de produção, acelerando, assim, o desenvolvimento das forças produtivas.

Ao ignorar a tensão gerada por esse conflito de interesses44, e focar no _______________________

44 Segundo Magaline (1977, p.188), “a luta de classes constitui um processo objetivo, que se desenvolve na base de relações de produção determinadas, que investe o processo de produção – que é no modo de produção capitalista um processo específico de exploração – e que por isso mesmo constitui um momento determinante da reprodução das relações de produção”.

aumento de produtividade obtido a partir da introdução de inovações tecnológicas, os regulacionistas passam a atribuir a responsabilidade da repartição do rendimento à esse ente impessoal que é a tecnologia. As partes do capital e do trabalho no produto total se tornariam consequência das técnicas que a sociedade dispõe.

Seriam, agora, elementos imateriais, como o conhecimento e o trabalho intelectual, materializados nas inovações técnicas, que determinariam a produção das riquezas. O objetivo, tanto de capitalistas quanto de assalariados, envolvidos na produção passaria, então, a ser o progresso material. Irmanados no mesmo compromisso, ambos deixariam de lado as disputas em prol do aumento na produtividade do trabalho. Farias, no entanto, adverte que essa visão é falsa pois:

[...] esquece, por um lado, que são criações coletivas de diversos tipos de fins vinculados aos valores historicamente determinados, que polarizam e orientam a ação dos agentes sociais; por outro lado, que cada sociedade institui valores que lhe são próprios, em função dos quais são controlados vigorosamente os indivíduos. Esses últimos personificam de maneira nata as formas do ser, as determinações da existência social, e são os suportes de interesses e de relações de classe determinados. (FARIAS, 2001, p.91)

A construção de um discurso ideológico que proteja a ordem social vigente e garanta a continuidade do processo de acumulação capitalista faz parte da própria história do capitalismo. De acordo com Farias (2001, p.91), “os capitalistas sempre fizeram do progresso técnico uma arma a mais de seu arsenal na luta contra a classe operária”. E ele ainda afirma: “a ruptura operária não é possível enquanto as práticas políticas não acentuarem as oposições de interesses entre os dominantes e os dominados” (FARIAS, 2001, p.91).

A despeito de sua fragilidade teórica, os argumentos defendidos pelos regulacionistas passaram a influenciar a construção das políticas públicas e a elaboração de mecanismos que estimulam e protegem as inovações tecnológicas em boa parte do mundo.

A posição que se tornou hegemônica hoje, no que se refere a propriedade intelectual, está fortemente baseada nessa lógica e influência as legislações sobre o assunto de países ricos e pobres.

2.2 A concepção de propriedade intelectual e sua importância para as