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PARTE I: CRISE, INOVAÇÃO E TRABALHO NO CAPITALISMO

CAPÍTULO 2 – INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL:

2.1 O papel da inovação no capitalismo contemporâneo: de coadjuvante a

2.1.1 A emergência do conceito de inovação

Para Lastres, Cassiolato e Arroio (2005, p.19) “a ideia de uma economia do aprendizado”40 não se restringe apenas à “capacidade de adquirir e utilizar novas

tecnologias e equipamentos”. A ênfase, agora, estaria na capacidade de aprender e inovar. Mas, o que é inovação? A concepção de inovação mais difundida, de acordo com Quijano, ainda é a que foi a estabelecida por Schumpeter nos anos 1930. Ele afirma que:

A inovação compreende: a) a introdução de um novo produto ou uma mudança qualitativa em um produto que já existe; b) a introdução de um novo processo, não conhecido no ramo industrial; c) a abertura de um novo mercado; d) o desenvolvimento de novas fontes para o abastecimento de matérias-primas ou de insumos; e) a introdução de mudanças na organização industrial. (QUIJANO, 2007, p.177)

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40 Lastres, Cassiolato e Arroio preferem a ideia de “economia de aprendizado” (proposta por Jonhson e Lundvall) que a de “economia do conhecimento”. A primeira, na concepção deles, enfatiza mais “o processo do que o produto (isto é, o estoque de conhecimento adquirido), o contato pessoal e a interação como forma básica de obter acesso a novo conhecimento e tecnologias” (LASTRES;CASSIOLATO&ARROIO, 2005, p.19).

O autor ainda destaca que “a inovação não é uma mera ‘acumulação de conhecimentos’, mas o adequado aproveitamento dessa acumulação para introduzir no mercado, com êxito econômico, um novo produto ou processo” (QUIJANO, 2007, p.177). É a partir desta lógica que boa parte das pesquisas sobre inovação realizadas, tanto na Europa quanto nos EUA, considera como inovadoras as empresas que, sistematicamente, introduziram novos produtos ou processos nos últimos anos.

Tal visão, no entanto, vem sendo repensada, sobretudo, por aqueles que refletem sobre a situação das inovações na América Latina. Aspectos como a mudança organizacional e a forma de relação com o mercado também devem ser foco de atividades inovadoras por afetarem o grau de competitividade das empresas. Quijano expande ainda mais este horizonte e afirma que, embora a indústria siga com “uma relevância muito importante no terreno inovativo” (QUIJANO, 2007, p.179), outras atividades – como os serviços financeiros, os transportes, o turismo e muitos outros – “se tornam cada vez mais inclinadas à inovação” (idem). Ele assegura ainda que:

A incorporação da informática, o uso das telecomunicações modernas e a introdução de técnicas avançadas como a biotecnologia fazem que o espaço para a inovação e para as estratégias competitivas seja todo o espectro produtivo. (QUIJANO, 2007, p.179)

Admitindo-se então, conforme coloca Nassif (2010a), que a inovação é o elemento que garante a competitividade a nível global, surge uma outra questão relevante: sob que circunstâncias ocorre a inovação?

Para Lastres, Cassiolato e Arroio (2005, p.32) “o processo de inovação é cumulativo, depende de capacidades endógenas e baseia-se em conhecimentos tácitos”. Eles afirmam ainda que:

A capacidade inovativa de um país ou região decorre das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais. Reflete condições culturais e institucionais historicamente definidas. Nesse sentido, a abordagem de sistemas nacionais de inovação reforça a tese de que a geração de conhecimentos e tecnologias é localizada e está restrita às fronteiras nacionais e regionais, o que se contrapõe à idéia de um suposto tecnoglobalismo. A pretensa globalização do novo paradigma tecnoeconômico mascara a existência de uma grande diversidade mundial de soluções locais e nacionais para problemas econômicos e sociais. (LASTRES;CASSIOLATO &ARROIO, 2005, p.32)

De acordo com esse raciocínio, cada país teria então um sistema de inovação decorrente de sua trajetória histórica e dos investimentos locais feitos com esse objetivo. Albuquerque, que segue uma linha de pensamento semelhante, acredita ainda que os sistemas de inovação “são frutos de reformas estruturais de longo prazo e resultam de decisões políticas, de articulações entre o Estado, o mercado e a sociedade” (ALBUQUERQUE, 2007, p.141). Na opinião dele:

O Brasil faz parte de um conjunto de países que não possuem um sistema de inovação completo (ou maduro). Ao lado de países como a Índia, a África do Sul e o México, precisa investir decididamente na construção desse sistema. Esses sistemas são determinantes importantes da riqueza das nações. Há evidências estatísticas que apóiam essa afirmação, como a alta correlação entre renda per capita e indicadores de produção científica e tecnológica. (ALBUQUERQUE, 2007, p.142)

O estímulo à capacitação científica e tecnológica parece ser, então, o fator chave para a determinação do crescimento econômico. Países mais ricos investem mais na formação de uma massa crítica que gera uma alta produção científica (pesquisas, artigos, etc.) que acaba se revertendo em alta produção tecnológica (patentes, por exemplo).

A política que os países adotam com relação à educação e a formação científica, a postura que assumem com relação à propriedade intelectual (registro e quebra de patentes) e as medidas econômicas que implementam (favoráveis ou não à inovação) são essenciais para consolidar uma infraestrutura inovadora. Dependendo de como esse conjunto de ações for conduzido poderá surgir, ou não, um ambiente propício à inovação.

O aspecto financeiro aparece, então, como um elemento crítico à criação de um ambiente inovador. Os limites e as possibilidades de qualquer país para promover a inovação estarão diretamente relacionados com sua disponibilidade de crédito. Para Lastres, Cassiolato e Arroio (2005, p.34), “a falha em considerar a dimensão financeira” assume uma dimensão maior nos países subdesenvolvidos.

A ascensão do neoliberalismo, que começa a ocorrer a partir de 1979 (DUMÉNIL&LÉVY, 2005, p.85), foi desfavorável aos investimentos de uma maneira geral e também, particularmente, aos gastos destinados a criar um ambiente inovador nos países menos desenvolvidos. De acordo com Sauviat e Chesnais, o atual regime de acumulação dominado pelo capital financeiro, faminto pelos

resultados imediatos, oferece limitado apoio para “investimentos tangíveis e intangíveis de longo prazo” (SAUVIAT&CHESNAIS, 2005, p.162).

Num cenário onde grande parte dos países subdesenvolvidos apresentavam forte crise fiscal, seus governos foram pressionados a adotar as receitas do Fundo Monetário Internacional (BATISTA, 1994, p.26) e a cortar gastos com educação e pesquisa. Boa parte da responsabilidade sobre os investimentos referentes à inovação foram transferidos para a iniciativa privada nesses países, ficando então sujeitos aos interesses das grandes corporações. Isso porque, segundo Quijano (2007, p.180):

O tema do tamanho da empresa é de vital importância. A idéia mais difundida, e que tem respaldo teórico também em J.Schumpeter (1992), é que existe uma correlação positiva entre tamanho e inovação. Na medida em que as inovações são produto de esforços longos de investigação e com resultados incertos no início; que requerem fortes investimentos cujos limites costumam ser muito elevados; que é preciso contar com os recursos e as habilidades para converter, com rapidez, o invento em uma inovação (quer dizer, o invento com aplicação econômica rentável); pode-se fundamentar que somente empresas de grande porte, com equipes técnicas fortes e fluxos de caixa sólidos e elevados, estão em condições de investir em pesquisa científica e tecnológica e tirar proveito desse investimento. De modo que a inovação e a capacidade de inovação estariam relacionadas à escala.41

As maiores empresas seriam, então, a partir dessa lógica, as que teriam o ambiente mais propício à inovação e poderiam alimentar a pesquisa e a experimentação científica. Mas, o que levaria essas empresas a assumir os enormes custos e riscos associados ao financiamento de tais pesquisas? Sem dúvida seria a perspectiva de que uma inovação coroada de sucesso conduz, naturalmente, a um poder de monopólio42 temporário sobre um mercado, garantindo a seus detentores a obtenção de lucros extraordinários43.

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41 Quijano adverte, no entanto, que “as pequenas e médias empresas constituem um grupo muito amplo e sumamente heterogêneo. Em setores de alta tecnologia, como software e biotecnologia, as pequenas e médias empresas inovadoras têm desempenhado e desempenham um papel muito destacado” (QUIJANO, 2007, p.181).

42 “Monopolista significa único vendedor. Literalmente, por conseguinte, será monopolista todo aquele que vender qualquer coisa que não seja em todos os aspectos, da embalagem ao serviço, exatamente igual ao que os outros vendem.” (SCHUMPETER, 1961, p.127)

43 De acordo com Schumpeter (1961, p.55) “o processo capitalista produz ondas renová- veis de lucros extraordinários temporários sobre o custo”. Ele chama de extraordinária a parcela do lucro acima da média praticada pelo mercado que decorre das reduções de custo decorrentes da introdução de uma inovação ou da vantagem única que a inovação fornece ao seu detentor.

De acordo com Schumpeter, a motivação para empreender a inovação e alcançar essa posição privilegiada no mercado vai impulsionar um processo de “mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos” (SCHUMPETER, 1961, p.110).

Muitas vezes, esse processo de destruição criativa, que para Schumpeter é a força motriz do desenvolvimento econômico no longo prazo, implica em destruição de valor para capitalistas estabelecidos que são surpreendidos pelas inovações dos concorrentes. Segundo o autor, na realidade capitalista o que conta não é a concorrência tradicional e sim:

[...] a concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimento, novo tipo de organização (a unidade de controle na maior escala possível, por exemplo) – a concorrência que determina uma superioridade decisiva no custo ou na qualidade e que fere não a margem de lucros e a produção de firmas existentes, mas seus alicerces e a própria existência. (SCHUMPETER, 1961, p.112)

A semente plantada por Schumpeter – das inovações como elemento dinâmico do desenvolvimento – encontrou, no cenário econômico atribulado e repleto de crises do século XX, o solo ideal para crescer e frutificar.