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PARTE I: CRISE, INOVAÇÃO E TRABALHO NO CAPITALISMO

CAPÍTULO 2 – INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL:

2.1 O papel da inovação no capitalismo contemporâneo: de coadjuvante a

2.1.2 A inovação como motor dinâmico do capitalismo contemporâneo

De acordo com Aglietta (2004, p.14), o período posterior à Segunda Guerra Mundial foi essencial para garantir o protagonismo do progresso técnico como elemento propulsor do crescimento econômico. Até então, o crescimento era considerado uma decorrência do progresso técnico e do aumento da população economicamente ativa. No entanto, como o aumento populacional foi muito modesto no Ocidente, no período do pós-guerra, passou-se a admitir que o crescimento constatado nessa época provinha, sobretudo, do progresso técnico.

A teoria neoclássica, desenvolvida em meados do século XX, considerava o progresso técnico como um fator de produção peculiar. Ele era considerado de natureza autônoma, capaz de aumentar indefinidamente e disponível sem qualquer custo como um bem livre. Não precisava ser financiado e isso o tornava independente da poupança. Embora capaz de determinar a taxa de crescimento

tendencial de uma economia nacional, o progresso técnico não seria afetado por uma insuficiência de poupança, por exemplo.

Para Aglietta, a explicação neoclássica não dá conta de explicar a realidade que se impõe no final do século XX, quando torna-se necessário “inserir seriamente as finanças na evolução econômica de longo período” (AGLIETTA, 2004, p.14). O quadro teórico capaz de tal façanha seria o fornecido pela teoria do crescimento endógeno.

A teoria do crescimento endógeno (Guellec, Ralle, 1995) conserva a ideia essencial de que o progresso técnico é um fator especial que é o motor do crescimento. Mas ela abandona a hipótese de que é um bem livre, disponível gratuitamente. A particularidade do progresso técnico provém da atividade que o produz: o conhecimento científico e técnico. Pois o conhecimento não sofre os efeitos dos rendimentos decrescentes: seu rendimento não cai à medida que é acumulado O conhecimento é um capital que pode ser estocado em uma enorme quantidade de suportes: ideias científicas conhecidas publicamente quando são inventadas, protocolos técnicos depositados em patentes, sistemas de informação e de comunicação, equipamentos e infra-estruturas coletivas,

know-how incorporado nos seres humanos. (AGLIETTA, 2004, p.15)

Na visão de Aglietta (2004, p.15), “a teoria moderna do progresso técnico dá conta da capacidade das economias capitalistas de desafiar o estado estacionário”. Ela seria melhor do que a antiga teoria neoclássica, justamente porque assume que o progresso técnico não é uma dádiva celeste, mas sim que deve ser produzido. É exatamente por isso que o crescimento é chamado de endógeno.

Uma vez que se admite que o progresso técnico é produzido, é preciso considerar também que deve ser financiado. Nesse sentido, Aglietta afirma, então, que “o crescimento depende das condições de formação do equilíbrio poupança- investimento, na medida em que essas condições influenciam a acumulação dos fatores que determinam a trajetória do progresso técnico” (AGLIETTA, 2004, p.15).

Fica clara, então, a existência de um vínculo entre crescimento e sistema financeiro que se estabelece no processo de financiamento da produção das inovações técnicas. A produção das inovações seria, por essência, incerta, uma vez que a organização de seu financiamento enfrenta dificuldades diversas de acordo com o local onde se dá e das circunstâncias do momento.

De acordo com Aglietta (2004, p.19), “a interação entre a globalização financeira e as disparidades demográficas no mundo”, por exemplo, acarretam equilíbrios poupança-investimento contrastantes nas diversas regiões do planeta e são fontes de importantes movimentos internacionais de capital. O ritmo de

incorporação do progresso técnico nos diferentes países varia, portanto, segundo o acesso que possuem ao capital.

O ritmo de equiparação tecnológica depende da queda dos custos de transferência dos fatores que contribuem para o progresso técnico, mas também da realização de reformas institucionais favoráveis ao progresso social nas zonas beneficiadas. Essa convergência também depende do bom funcionamento dos mercados de capitais internacionais e dos sistemas financeiros que recebem os capitais. (AGLIETTA, 2004, p.20)

A liberalização financeira, adotada por grande número de países a partir da década de 1980, contribuiu sem dúvida alguma para uma acumulação da riqueza privada muito mais rápida do que em qualquer outra época (PIKETTY, 2014, p.22). Embora parcela dessa riqueza acabe envolvida em mercados especulativos, e não se convertam em investimento produtivo, uma outra parcela vai financiar empresas cujas inovações vão impulsionar o desenvolvimento.

Uma dimensão importante da liberalização financeira, segundo Aglietta (2004, p.31), foi o desenvolvimento de novos produtos de mercado, entre eles os títulos negociáveis e os contratos associados a esses títulos (instrumentos derivados). Ele considera que eles acabam influenciando positivamente o financiamento do investimento, pelo menos, de três formas distintas: 1) trazendo novos meios de aplicar a poupança; 2) reduzindo o custo do capital; e 3) facilitando a diversificação dos riscos.

Os financiamentos destinados às empresas que inovam, no entanto, carregam uma grande dose de incerteza. Como essas empresas são diferentes, a avaliação prospectiva de seus desempenhos não pode ser feita da mesma forma que a das empresas tradicionais.

Nas fases de pesquisa laboratorial e de desenvolvimento de produtos, a incerteza tecnológica domina. Nas fases de lançamento e de promoção, a incerteza comercial é preponderante. É nessas fases que a renda de inovação se realiza ou não. A rapidez de crescimento dos mercados de produtos novos e a aptidão dos concorrentes para imitar o sucesso ou o fracasso da introdução da empresa nas bolsas por valores em crescimento, todas essas características determinam a divisão da renda de inovação entre o iniciador, seus concorrentes e seus financiadores. Se a renda da inovação é mal dividida, pode haver um subinvestimento em novas tecnologias, seja por falta de empreendedores, seja por falta de meios de financiamento condizentes. (AGLIETTA, 2004, p.37)

O Estado aparece, então, como um elemento central nessa lógica, seja como agente financiador em áreas estratégicas, seja como instituição que cria os

elementos (por exemplo, as patentes) que vão estimular o financiamento das inovações por entes privados.

Segundo Braga (2003, p.61), o progresso consistente do período fordista, que permitiram avanços na produtividade do trabalho mais fortes que as taxas de crescimento, serviu de base para o argumento regulacionista que aponta o progresso técnico como responsável por impedir a queda da eficácia marginal dos investimentos à medida que o capital produtivo era acumulado nessa época. É nesse cenário que o Estado surge como figura muito importante.

De acordo com o argumento da corrente, esta seria a marca do modo de regulação: o encaixe coerente das instituições mediadoras teria desempenhado um papel decisivo. Estado e capital irmanados em nome dos avanços sociais. Desenraizadas das lutas de classe, as mediações estariam livres para operar no sentido da eficácia produtiva, base instrumental do progresso individual. O sistema é virtuoso, na medida em que todos saem ganhando. (BRAGA, 2003, p.61)

Para Farias, o grande problema com os modelos que “têm em comum o princípio da primazia do progresso técnico no seio da sociedade do futuro” (FARIAS, 2003, p.142) é que excluem de suas análises a dinâmica da luta de classes no processo de mundialização neoliberal. Essas utopias consideram que os rumos adotados são fortemente definidos pelas próprias forças produtivas e não pelas “capacidades políticas e interesses capitalistas da nação americanas e das elites empresariais” (GOWAN, 2003, p.11).

A inspiração reformista, que procura mascarar as contradições da sociedade, típica do discurso regulacionista, é criticada também por Magaline:

A produção, o progresso técnico e o crescimento são hoje o centro da colaboração de classes: isto constitui o índice de uma deslocação das contradições, que nos parece característica do revisionismo moderno, e cuja análise reveste uma importância de primeira ordem para aqueles que querem acabar com a exploração, a opressão e a dominação imperialistas. (MAGALINE, 1977, p.12)

O aumento na taxa de exploração do trabalho, personificado no processo de precarização e flexibilização adotados nos países capitalistas hoje, perde o protagonismo no debate. Pressionados e desorganizados, os trabalhadores deslocam-se em grandes levas rumo ao setor informal e ao desemprego, vendo seus laços de identificação e seu poder de negociação desgastarem-se.