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4.2 Função social

4.2.2 A função social da empresa

Partimos, pois, do conceito de função social da propriedade para a função social da empresa. O conceito de propriedade na Constituição Federal é muito mais amplo do que o conceito do Direito Civil, abrangendo direitos sobre os quais o titular não exerce nenhum direito real – a exemplo dos depósitos em conta corrente. Por consequência, o poder de controle empresarial deve ser incluído como propriedade, na concepção constitucional. (COMPARATO, 1996)

Consequentemente, as imposições relativas à função social da propriedade também se aplicam à empresa – enquanto atividade de poder de controle –, com as devidas adequações. Como visto alhures, no item 4.2.1, a Constituição prevê, no artigo 170, III, a função social como um dos princípios da ordem econômica.

Com efeito, muito antes da previsão constitucional, em 1976 já havia a previsão da função social da empresa na legislação, no artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas: “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para

lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (BRASIL, 1976)

Em 2002 foi aprovado o Enunciado n° 53, na I Jornada de Direito Civil do Conselho Federal de Justiça, cujo teor é: “Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”. (AGUIAR JUNIOR, 2012, p. 22)

A preocupação com a função social da empresa é, portanto, tema de grande importância e repercussão e, muito embora não haja previsão expressa no Código Civil, é possível que se extraia dos princípios ali previstos tal instituto, sendo perfeitamente plausível estabelecer a função social da empresa como uma cláusula geral do direito.

Com efeito, verifica-se o reconhecimento de interesses tanto internos quanto externos em relação às atividades da empresa, não apenas daqueles que diretamente contribuem com esta, como trabalhadores e investidores, mas também da comunidade em que ela atua.194 (COMPARATO, 1996, p. 44).

Portanto, tendo a empresa deveres internos e externos, especialmente em relação à comunidade em que atua e, como não poderia deixar de ser, à proteção e amparo ao trabalhador, parte integrante da empresa – sendo talvez, sem exagero ou retórica, o seu maior patrimônio, verifica-se que há uma função social em sua existência. Além disso, o trabalhador contribui significativamente e de forma essencial para o alcance do objetivo principal da empresa, que é o lucro.

O objetivo interno da empresa é a obtenção de lucro e geração de riquezas para seus sócios. Todavia, não parece correto afirmar que apenas cumprindo esse papel a empresa já cumpra a sua função social, pois isso nada tem a ver com os seus objetivos. Para que se entenda melhor o conceito de função social da empresa, vele citar as lições de Eduardo Tomasevicius:

[...] esse conceito [empresa como centro de produção de riquezas e geração de lucro] não consubstancia a idéia de função social. Prova disso é o conteúdo da função econômica da propriedade. Uma propriedade improdutiva exerce uma função

194

Em determinada passagem de seu texto, Comparato alega que: “A tese da função social das empresas apresenta hoje um sério risco de servir como mero disfarce retórico para o abandono, pelo Estado, de toda política social, em homenagem à estabilidade monetária e ao equilíbrio das finanças públicas”. (COMPARATO, 1996, p. 46). No entanto, tal afirmativa não reflete o pensamento do autor, que como visto, defende a função social da empresa, e pode ser interpretado – o texto citado –, no contexto do artigo, como um alerta a eventuais abusos em relação ao instituto.

econômica de reserva de valor. Se a função social fosse uma imagem da função econômica, a propriedade improdutiva também atenderia à sua função social. Tendo em vista ser inaceitável a existência de propriedades improdutivas, isso significa que a função social não coincide com a função econômica do instituto jurídico. No caso das empresas, bastaria elas estarem funcionando para atender à sua função social, o que não é verdadeiro. Além disso, esta visão de função social é equivocada, porque o direito não está em função da economia. A economia muda, sem que o direito mude, e vice-versa. Além disso, o direito tem uma função criadora apenas na economia. Tem, sobretudo, uma grande força transformadora da realidade social, devido à sua natureza de ordem da conduta humana. (TOMASEVICIUS FILHO , 2003, p. 35)

No mesmo sentido, Eros Grau enfatiza:

O que mais releva enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social

da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na

empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade. Vinculação inteiramente distinta, pois, daquela que lhe é imposta mercê de concreção do poder de polícia. (GRAU, 2006, p. 245) – grifos no texto original

A empresa deve ser vista, pois, como uma instituição muito além da esfera econômica, posto que inclui interesses sociais de extrema relevância, a exemplo do bem estar e da sobrevivência de seus trabalhadores, assim como dos demais cidadãos que ocupam o mesmo espaço social. (LOPES, 2006)

Com efeito, o Instituto Ethos traça a responsabilidade social da empresa que, muito embora tenha um conceito diferente195 de função social, a inclusão do conceito é cabível e didática:

A responsabilidade social das empresas tem como principal característica a coerência ética nas práticas e relações com seus diversos públicos, contribuindo para o desenvolvimento contínuo das pessoas, das comunidades e dos relacionamentos entre si e com o meio ambiente. Ao adicionar às suas competências básicas a conduta ética e socialmente responsável, as empresas conquistam o respeito das pessoas e das comunidades atingidas por suas atividades, o engajamento de seus colaboradores e a preferência dos consumidores. (INSTITUTO ETHOS apud MACHADO FILHO, 2002) Nota-se que a responsabilidade social da empresa, com muita razão, está também aos consumidores, que podem avaliar se uma empresa é ou não atuante em sua comunidade para

195

Responsabilidade social está ligada a um aspecto não obrigatório da empresa, mas sim à promoção de atos que visam a adequação da empresa em relação ao mercado, prezando por boas práticas e, desta forma, elevando sua imagem institucional perante a sociedade.

decidir, por exemplo, pela compra de um produto ou por boicotar as atividades das empresas que julgue não atuantes no tocante à responsabilidade social.

No entanto, sendo a função social da empresa vista como uma cláusula geral de direito, como visto alhures, ainda que a empresa seja atuante e contribua com sua sociedade, no que tange sua responsabilidade social, em suas atividades, não significa que sua função social seja cumprida, de tal sorte que poderá a empresa sofrer sanções jurídicas – e não mais mercadológicas ou sociais.

Neste sentido, pode-se verificar que a função social da empresa tem aplicabilidade sob dois aspectos: o de incentivo ao exercício da empresa e o de condicionamento de seu exercício. O primeiro tem como maior consequência o princípio da preservação da empresa, sendo esta geradora de empregos, pagadora de tributos e fomentadora do desenvolvimento em geral. O segundo – condicionamento do exercício –, pode ser dividido em endógeno (relações entre sócios e relações trabalhistas, por exemplo) e exógeno, como na relação com a concorrência, com o meio ambiente e com o consumidor, sendo estes últimos o foco principal no correto exercício da empresa, tendo em vista os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor. É possível a implementação do condicionamento do exercício, dentre outras formas, por meio do instituto da responsabilidade civil – não implicando, em hipótese alguma, em supressão de sua finalidade lucrativa.196 (GAMA; BARTHOLO in GAMA, 2008)

Por meio dessa construção, é possível que se verifique não apenas a função social da empresa em relação ao consumidor, mas também a função social da responsabilidade civil, como forma de implementação da função social da empresa.

Portanto, a empresa deve, sim, ter como objetivo principal a obtenção de lucro – por óbvio. Entretanto, o lucro não será a qualquer custo ou o único objetivo da empresa. Há que se verificar a relevância da atividade exercida para a sociedade, assim como a contribuição da empresa – em sentido amplo – para o bem-estar social e comunitário.