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A Constituição peruana, ao tratar dos direitos fundamentais, estabelece, em seu artigo 2°, item 6, que: “os serviços Informáticos, computadorizados ou não, públicos ou privados, não disponibilizem informações que afetem a intimidade pessoal e familiar”. (PERU, 1979)

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Sobre o termo, ver item 3.5 desta pesquisa e nota de rodapé n° 168.

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Em que pese o Marco Civil da Internet ter sido sancionado em abril deste ano, ainda não entrou em vigor. Além disso, apesar de prever significativas normas a respeito de proteção de dados pessoais, não é lei específica sobre o tema.

Como visto alhures, no capítulo 1 desta pesquisa, a proteção formal ao direito à privacidade no Brasil se iniciou constitucionalmente em 1988, com a inclusão da proteção do direito à vida privada e à intimidade como direito fundamental, no artigo 5°. A Constituição de 1988 inaugurou um sistema normativo fundamentado na dignidade da pessoa humana, mas apenas em 2002, com novo Código Civil, a legislação civil geral tratou da proteção à privacidade61, especificamente nos artigos 12 e 21 do Código, os mesmos moldes estabelecidos na Constituição Federal.

O artigo 21 estabelece a inviolabilidade da vida privada da pessoa natural, cabendo ao juiz, a requerimento do interessado, fazer cessar eventuais violações ou impedir ameaças de violação.62 O artigo 12, por sua vez, estabelece a possibilidade de exigência legal de fazer cessar a lesão ou ameaça de lesão a direitos da personalidade, bem como condenação em perdas e danos pela violação.63 (BRASIL, 2002)

Note-se que o artigo 21 do Código Civil não sofreu grandes alterações em sua redação em relação ao projeto original, de 1975, assim como a tutela dos direitos da personalidade não foi significativamente alterada pelo novo Código Civil.64 (LEONARDI, 2012)

Na visão de alguns doutrinadores, a legislação preocupou-se em afirmar o direito à privacidade, sem, contudo, preocupar-se com sua efetividade, repetindo o que já havia sido estabelecido no texto constitucional e deixando de trazer, por exemplo, fatores relevantes para a ponderação da privacidade quando em oposição a outros direitos de igual relevância, ou mesmo de instrumentos específicos capazes de auxiliar na prevenção e resolução de conflitos. (SCHREIBER, 2011)

Com efeito, a Lei de Interceptação Telefônica (Lei n° 9.296/1996), anterior ao novo Código Civil, se ocupou de trazer a figura penal para a violação da privacidade de comunicações telefônicas, informáticas ou telemáticas em seu artigo 10 (BRASIL, 1996), criminalizando a conduta contrária à lei (efetuada sem ordem judicial ou com não autorizados em lei) e cominando pena para a conduta ilícita.

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Aliás, o novo Código Civil trouxe um capítulo específico (o Capítulo II do Título I do Livro I do Código) sobre os direitos da personalidade.

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“Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (BRASIL, 2002)

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“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” (BRASIL, 2002)

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Marcel Leonardi, diz que o Código Civil de 2002 “retrata uma lógica patrimonialista e individualista de difícil conciliação com a ordem pública constitucional, marcada pelos valores da solidariedade social, isonomia substancial e dignidade da pessoa humana” tendo em vista “a diferença substancial existente entre os contextos políticos do início e da conclusão de sua elaboração.” (LEONARDI, 2012, p. 94)

A Lei Geral de Telecomunicações (Lei n° 9.472/1997) estabeleceu como direito do usuário de telecomunicações a inviolabilidade e o segredo de sua comunicação, ressalvados os casos em que a Constituição e a lei autorizam a quebra do sigilo. (BRASIL, 1997)

Em 2012, a Lei 12.73765 trouxe significativa alteração ao Código Penal, inserindo o artigo 154-A, que criminaliza as condutas de “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança” para as seguintes finalidades: “obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades”.66 (BRASIL, 2012)

O artigo 154-A traz, ainda a figura qualificada do delito, caso da invasão resulte a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, como no caso de e-mails67, no § 3° do artigo, e, prevista no § 4° do artigo, como causa de aumento de pena a divulgação comercial ou transmissão a terceiros desses dados ou informações. (BRASIL, 2014)

Com efeito, a Lei n° 12.965, de 24 de abril de 2014, conhecida como o Marco Civil da Internet68, após uma tramitação relativamente rápida – em se tratando de Congresso Nacional –, porém turbulenta e um texto muito aquém em relação outros países, como vistos alhures, nos itens anteriores, trouxe algumas mudanças em relação à tutela da privacidade e da proteção de dados pessoais no espaço virtual, pois passamos, a partir de agora, da ausência de previsão legislativa específica para a situação de ter alguma previsão legislativa, ainda que não específica em relação à privacidade ou proteção de dados no espaço virtual, mas específica para o espaço virtual, o que não deixa de ser positivo.

Percebe-se que, no Brasil, há escassez legislativa destinada à proteção de dados pessoais – sendo certo que num recentíssimo passado não havia sequer lei específica para tratar do espaço virtual, nem mesmo das diretrizes e princípios básicos, como no caso do Marco Civil –, de tal sorte que os operadores do Direito devem utilizar as normas existentes, como, aliás, em qualquer outra circunstância.

Todavia, a ausência de leis específicas sobre o tema prejudica não apenas o consumidor em geral, mas também as relações comerciais entre o Brasil e países cuja

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Que ficou conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, posto que a invasão do computador pessoal da atriz, cujas consequências foram o vazamento de suas fotos íntimas na Internet, serviu de inspiração para o projeto de lei que gerou a lei.

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Sobre o tema, vide item 2.2.1 desta pesquisa.

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Sobre o assunto, vide item 2.2 desta pesquisa.

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legislação é mais desenvolvida, como os membros da União Europeia ou, no caso de países da América Latina, a Argentina, o Uruguai etc.

Países que seguem as diretrizes da União Europeia para a proteção de dados, como dito nos itens anteriores a este, exigem uma simetria legislativa dos países com quem serão feitas as relações comerciais, em se tratando de proteção de dados, o que não deixa de ser um ponto relevante e motivador para a elaboração de legislação específica sobre o tema.

De qualquer forma, no âmbito interno e nas relações de consumo, as violações ocorrem com muito frequência, não podendo os operadores do direito aguardar a posição legislativa para a solução dos conflitos, sendo necessária a aplicação da legislação vigente, em que pese as diversas interpretações e injustiças que isso possa vir a ocasionar.

2 O ESPAÇO VIRTUAL

Desde a invenção da prensa, por Johannes Gutemberg, em 1439, a comunicação sofreu profundas modificações, possibilitando a transmissão de notícias em massa – a imprensa passou a ter maior penetração, o que gerou a possibilidade de publicidade em maior escala. A criação do código binário, por Francis Bacon, em 1605, possibilitou a evolução da comunicação por meio de equipamentos, como o telégrafo e, mais tarde, veio a possibilitar a comunicação por meio de computadores, sendo uma pequena parte do início do que hoje chamamos de espaço virtual.

O denominado espaço virtual é um ambiente onde ocorrem interações humanas, intermediadas por uma máquina – assim como interações homem máquina – interações essas que hoje gozam de tanta ou maior importância do que as ocorridas no espaço dito como físico. Esse ambiente virtual é, de tal maneira, revolucionário que modificou profundamente, e em pouquíssimo tempo, as relações sociais. E toda essa interação no espaço virtual é possibilitada pela Internet, assunto tratado no item 2.1, a seguir.

A definição de virtual69 muitas vezes se coloca em oposição ao real, como sendo aqui que não é real, a que falta existência. Entretanto, não se pode dizer que as ocorrências do espaço virtual não sejam reais, haja vista suas consequências concretas e reais. Diversos jogos disponíveis no espaço virtual são verdadeiros universos paralelos, onde o jogador adquire bens – como o mesmo dinheiro utilizado no mundo físico ou com bitcoins70 –, monta

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Pierre Levy ensina que: “A palavra ‘virtual’ pode entender-se pelo menos em três sentidos, um sentido técnico ligado à informática, um sentido corrente e um sentido filosófico. [...] Na acepção filosófica, é virtual

o que só existe em potência e não em acto, o campo de forças e problemas que tende a resolver-se numa actualização. O virtual sustenta-se a montante da concretização efectiva ou formal (a árvore está virtualmente presente na semente). No sentido filosófico o virtual é evidentemente uma dimensão muito

importante da realidade. Mas no sentido corrente, a palavra virtual emprega-se muitas vezes para significar a irrealidade, a ‘realidade1 supondo uma realização material, uma presença tangível. A expressão realidade virtual soa assim como um oximoro, um passe de mágica misterioso. Pensa-se geralmente que uma coisa deve ser ou real ou virtual, não pode possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Em termos de rigor filosófico, no entanto, o virtual não se opõe ao real mas ao actual: virtualidade e actualidade são apenas duas formas diferentes da realidade. Se é da essência da semente produzir uma arvora, a virtualidade da árvore é bem real (sem ser ainda actual).” (LEVY, 1997, p. 51)

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Bitcoin é uma moeda virtual, criada para circular na Internet, sem nenhuma instituição financeira por trás. A moeda já é aceita para a aquisição de produtos e serviços no dito mundo físico e na última Campus Party Brasil existia um caixa eletrônico para trocas reais por bitcoins. Em 2011, um bitcoin valia US$ 0,01, mas sua cotação já atingiu US$ 880,00. A Receita Federal, por conta do crescimento dessas transações, passou a prever que as transações efetuadas em bitcoins devem ser declaradas, sob pena de ser considerada fraude a omissão. (ROHR; GOMES, 2014)

negócios, constrói cidades. Há pessoas vivendo uma vida completa e complexa no mundo virtual e isso não pode ser ignorado ou estabelecido como não real.71

A virtualização72, fenômeno que ocorreu com a massificação do uso do espaço virtual, tampouco pode ser tida como não real, tendo em vista os inúmeros negócios e relações jurídicas que nele ocorrem. Como exemplo, a virtualização de uma empresa transfere o espaço de trabalho de um prédio com departamentos para locais pulverizados, onde cada colaborador, de onde estiver, exerce suas funções. Há, hoje, empresas que não possuem local físico de funcionamento, sendo reais – na concepção que se tem do termo – apenas no espaço virtual.

Com a evolução desse fenômeno – a virtualização –, não existem mais limitações espaço-temporais. Todos estão plugados 24 horas, sujeitos a não mais ter a separação de espaço de trabalho ou de lazer. Os universos virtual e físico são realidades das quais todos participam, em maior ou menor grau. Pode-se dizer que esses dois universos funcionam em plataformas diferentes, mas ambos estão paralelamente acontecendo, ao mesmo tempo, na vida de todos, sendo seus reflexos reais e presentes, cabendo constatar que o espaço virtual não é o espaço irreal, mas sim um lugar diferente onde as interações sociais acontecem e cujas consequências são sentidas pelo indivíduo em igual ou maior intensidade do que o eram antes da era digital.

Necessário se faz, portanto, estudar o direito do espaço virtual, assim denominado nesta pesquisa, em que pese as inúmeras definições – cyberlaw, nos Estados Unidos; diritto

del´internet, na França; ou ainda as definições pátrias, como direito do ciberespaço, direito

eletrônico, direito da informática –, pois a opção por esta definição, adotada na Espanha, na Argentina e em outros países de idioma castelhano se mostra mais adequada. (LUCCA, 2003)

Esta nova disciplina jurídica pode ser definida como “um novo campo de reflexão para o jurista contemporâneo e definido como o ramo de investigação que se ocupa do impacto da internet sobre a vida das pessoas, consideradas a esfera jurídica em que elas atuam”. (LUCCA, 2003, p. 13)

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Em 2010, foi noticiado que os participantes do jogo Habbo Hotel sofreram roubo de móveis. No total, foram 400 casos de roubo no espaço virtual. Alguns membros chegaram a perder mais de 2 mil euros em móveis virtuais e outros utensílios do hotel. (R7, 2010)

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“A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular”. (LEVY, 1996, p. 17-18)