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4.3 A responsabilidade da empresa nas relações de consumo

4.3.1 O dano moral

Para que se possa desenvolver a pesquisa acerca da funcionalização da responsabilidade da empresa nas relações de consumo, necessário se faz discorrer sobre a noção de dano extrapatrimonial, especificamente sobre o dano moral.

Primeiramente, necessário se faz esclarecer que na doutrina se encontra a expressão dano extrapatrimonial (ou imaterial) tanto como sinônima de dano moral, quanto como gênero da qual dano moral é espécie. Preferiu-se, nesta pesquisa, optar pela corrente doutrinária que coloca o dano extrapatrimonial como gênero, sendo o dano moral uma de suas espécies.

A Constituição Federal de 1988 prevê, no artigo 5°, incisos V e X, a reparação pelos danos morais (BRASIL, 1988). Da mesma forma, o artigo 6°, VI, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a efetiva e integral reparação dos danos causados ao consumidor, inclusive dos danos morais (BRASIL, 1990).

A conceituação de dano extrapatrimonial difere do dano patrimonial tanto em sua apuração quanto em sua fixação, especialmente no que tange à identificação do dano, os critérios de reparação e a forma de liquidação. (MORAES, 2003)

200

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 479, cujo teor é: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. (BRASIL, 2012)

Há autores que diferem o dano extrapatrimonial do patrimonial de acordo com as consequências da lesão, ou seja, toma-se o dano em si e em suas consequências, e não a natureza dos direitos violados201 (BITTAR, 1998), ou seja, pelo efeito da lesão que é provocado na vítima. O dano extrapatrimonial causa um efeito não material, consoante se extrai das lições de José de Aguiar Dias:

Quando ao dano não correspondem às características do dano patrimonial, dizemos

que estamos em presença do dano mora. A distinção, ao contrário do que parece, não

decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a bem não patrimonial, como dano moral por efeito da ofensa a bem material. (DIAS apud SILVA, 2013)

Os danos extrapatrimoniais são, portanto, aqueles que atingem os direitos da personalidade, independente da esfera patrimonial, refletindo na dignidade, no sentimento, na estima social, na saúde física ou psíquica do indivíduo, etc., cabendo uma reparação pecuniária pela lesão. (LUTZKY, 2012) Nas palavras de Judith Martins-Costa:

Os bens da personalidade são aqueles bens da vida que dizem com uma proteção à

pessoa enquanto tal – valendo como pessoa – e nada mais. São, portanto, todos os

bens que dizem com a singularidade de cada um, e com as condições de existência e de expressão dessa singularidade que constitui, existencial e juridicamente, a personalidade humana. (MARTINS-COSTA, 2003, p. 2005)

Na doutrina, a definição de dano extrapatrimonial traz certa complexidade. Todavia, há consenso em incluir os danos morais202 como uma espécie de lesão a direito da personalidade. Das lições de Héctor Valverde Santana extrai-se um conceito didático de dano moral:

201

O autor enfatiza que: “permite essa classificação alcançar-se o âmago da composição da teoria do dano, dividindo-se este em material ou moral, consoante se manifeste no aspecto patrimonial (ou pecuniário) da esfera jurídica lesada, ou se esgota n aspecto moral da personalidade do lesado. Com isso, tem-se em conta as duas faces básicas da esfera jurídica dos entes personalizados, a material e a moral, compreendida na primeira o acervo dotado de economicidade e, na segunda, o conjunto de valores reconhecidos como integrantes das veias afetiva (ou sentimental), intelectual (de percepção e de entendimento) e valorativa (individual e social) da personalidade.” (BITTAR, 1998, p. 34)

202

Cavalieri Filho ensina que: “Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5°m V e X, a plena reparação do dano moral.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 80). Venosa, por sua vez, define dano moral como “o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável”. (VENOSA, 2010, p. 49)

[...] define-se dano moral como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica. (SANTANA, 2009, p. 153-154)

A verificação do dano moral é autônoma, ou seja, independe da ocorrência do dano material, bastando que haja ofensa a direitos da personalidade. Nas relações de consumo, a apuração do dano moral se dá quando verificada ofensa à saúde, segurança ou à vida do consumidor, independente do dano in concreto. Senise Lisboa enfatiza que:

A proteção dos direitos extrapatrimoniais do consumidor é o fundamento da responsabilidade pelo fato do produto e serviço. O consumidor, nesse caso, é a vítima da ofensa à vida, à saúde ou à sua segurança e por isso, tem direito a indenização por dano moral independentemente da existência de eventual dano patrimonial. Qualquer dano proporcionado à vida saúde ou à segurança do consumidor, decorrente do fornecimento de produtos e serviços, enseja a reparação do prejuízo. Não é necessária a existência do dano in concreto para que o fornecedor se submeta à responsabilidade pelo acidente de consumo. Como o pensamento modernista e pós-modernista privilegiam a prevenção do dano, é perfeitamente viável a adoção de medidas preventivas, a fim de que a coletividade de consumidores não se submeta a prejuízos desnecessários. (LISBOA, 2012b, p. 288)

Portanto, o dano moral tem a característica da subjetividade em sua verificação, vez que sua ocorrência dependerá de ofensa a direitos da personalidade, gerando dificuldade em sua averiguação e fixação de valores. Todavia, não se pode vincular a ocorrência de dor, sofrimento ou humilhação, ou seja, aos sentimentos da vítima do dano. É perfeitamente possível ocorrer lesão à dignidade – essência da lesão – sem a ocorrência de sofrimento, pois “o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima”. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 80)

Desta forma, não se pode conceber que se mensure a ocorrência do dano moral a partir de qualquer repercussão sentimental do fato sobre a vítima, pois, além de ser moralmente questionável, padece de impossibilidade fática. (SCHREIBER, 2011)