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Antes de se adentrar no cerne desta pesquisa, necessário se faz tratar do surgimento da defesa do consumidor, posto ser tema correlato e essencial para o entendimento da privacidade nessas relações jurídicas, especialmente quando ocorrem no espaço virtual.

As relações de consumo, de uma forma ou de outra, sempre foram permeadas pelo Direito, seja com normas estabelecidas e específicas, seja por meio do uso de normas gerais adaptadas ao caso concreto, de tal sorte que falar-se em relação de consumo, por si só, não é novidade.

Há relatos de legislação esparsa protetiva dos direitos do consumidor desde o Código de Hamurabi, a exemplo da lei 235, que obrigava o construtor de barco a refazê-lo se caso, em até um ano, o barco entregue ao comprador apresentasse defeito estrutural. (SANTOS, 1987)

No Direito Romano, a responsabilidade do fornecedor pelos vícios em produtos era atribuída apenas se ele os ignorava. Todavia, num período posterior, passou-se a responsabilizar o fornecedor pelos vícios que o produto apresentasse, ainda que ele os desconhecesse. A diferença se dava no ressarcimento, pois se o vendedor tivesse ciência do vício, o ressarcimento seria em dobro. (PRUX, 1998)

Num passado mais recente, já no século XX, a evolução das relações de consumo se dá pela intensa massificação, tanto dos meios de produção quando de consumo, o que ocasionou, também, a massificação dos problemas. A evolução da produção artesanal para a produção industrial trouxe como conseqüências o aumento do consumo, incentivado pelo barateamento dos custos de produção e do aumento da renda. As indústrias necessitavam de mão de obra para produzir. Por sua vez, a população era contratada para laborar nas fábricas, gerando um aumento na renda e, aos poucos, a possibilidade de aquisição de novos bens de consumo.

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Em que pese a recém sanção presidencial ao Marco Civil da Internet (vide item 2.3), que traz regras para proteção de dados pessoais, a lei não é específica em relação ao tema, conforme dito.

Temos, então, duas fases marcantes que retratam essa evolução. A primeira teve início na primeira revolução industrial, a qual possibilitou a produção de bens para um número indeterminado de consumidores, por meio da massificação e despersonalização da produção, e se intensificou com a segunda revolução industrial, que é marcada pela evolução das formas de produção (produção em série, fortemente verificada na fase econômica do taylorismo e do fordismo) e distribuição, transformando os trabalhadores em consumidores, por possibilitar, com maior renda, o consumo dos bens que por eles eram produzidos. A segunda fase se dá com a terceira revolução industrial, que pode ser identificada pela informatização e globalização (ou mundialização) da economia, passando as relações jurídicas a não mais serem pautadas pelo princípio da confiança legítima, mas pelo resultado prático que se observa, tendo em vista a produção agora ser mundial, exacerbando a vulnerabilidade do consumidor (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2009)

Nesse sentido, Newton De Lucca identifica três fases (ou “ondas”) de proteção dos direitos do consumidor, a partir do meio do século passado, ocorrendo a primeira fase após a 2ª Grande Guerra, onde se identifica uma preocupação com preço e adequada informação de produtos; a segunda fase ocorre com o questionamento de atitudes de menosprezo de grandes empresas para com o consumidor, destacando-se o advogado americano Ralph Nader; a terceira fase, atual, caracteriza-se pela ampla conscientização sobre a ética e a cidadania, onde a grande questão é o consumismo exagerado, o qual coloca em risco o meio ambiente.

Nas palavras do jurista:

Na primeira delas, ocorrida após a 2ª Grande Guerra, de caráter incipiente, na qual ainda não se distinguiam os interesses dos fornecedores e consumidores, havendo apenas uma preocupação com o preço, a informação e a rotulação adequada dos produtos. Na segunda fase, já se questionava com firmeza a atitude de menoscabo que as grandes empresas e as multinacionais tinham em relação aos consumidores, sobressaindo-se, na época a figura do advogado americano Ralph Nader. Finalmente, na terceira fase, correspondente aos dias atuais, de mais amplo espectro filosófico – marcada por consciência ética mais clara da ecologia e da cidadania –, interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego, que põe em risco a própria morada do homem. De maneira geral, costuma ser apontado, como marco inicial da tendência à proteção aos consumidores no mundo, a famosa mensagem do então Presidente da República norte americana, John Fitzgerald Kennedy, em 15 de março de 1962, dirigida ao Parlamento, consagrando determinados direitos fundamentais do consumidor, quais sejam: o direito à segurança, à informação, à escolha e a ser ouvido, seguindo-se, a partir daí, um amplo movimento mundial em favor da defesa do consumidor. (LUCCA, 2008, p. 47).

A necessidade de se proteger o consumidor, tendo em vista a massificação do consumo e a cada vez mais evidente vulnerabilidade deste nas relações jurídicas com fornecedores, passa a ser reconhecida na década de 1960, quando o então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, profere discurso, cobrando do Congresso norte-americano a elaboração de leis que garantissem a proteção do consumidor, marcando-o como a parte vulnerável na relação jurídica com o fornecedor, discurso esse considerado com um dos marcos da regulamentação dos direitos do consumidor.144 (FILOMENO, 2010)

No Brasil, entre as décadas de 1940 e 1960, época de forte expansão industrial e aumento do consumo e produção em massa, algumas normas foram editadas no intuito de resguardar direitos do consumidor, como a Lei de Economia Popular (Lei n° 1221/1951) e a Lei Delegada n° 4/1962, que dispunha a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Em 1985, com a edição da Lei da Ação Civil Pública (Lei n° 7347/1985), a proteção ao consumidor foi de certa garantida forma por meio de ações coletivas, mas de maneira insuficiente.

Porém, a maior evolução que ocorreu na legislação brasileira em relação aos direitos do consumidor se deu com a edição da Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente a defesa do consumidor em dois importantes artigos, além de tornar obrigatória a edição de uma legislação específica no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. No artigo 5° da Constituição tem-se o direito fundamental à defesa do consumidor por parte do Estado, demonstrando a preocupação do constituinte e erigindo a defesa do consumidor à categoria de direito fundamental e, portanto, de cláusula pétrea. O artigo 170, inciso V, traz a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica, demonstrando a importância da defesa do consumidor para o equilíbrio do mercado. Finalmente, o artigo 48 do ADCT impõe ao Congresso Nacional a criação do Código de Defesa do Consumidor, legislação que foi publicada em 11 de setembro de 1990, entrando em vigor em 11 de março de 1991. (BRASIL, 1988)

A história da defesa do consumidor no Brasil, portanto, não se iniciou com o Código de Defesa do Consumidor no começo da década de 1990, mas é uma construção que tem início com o crescimento da industrialização. Entretanto, da década de 1990 em diante, a evolução dos meios de consumo, especialmente com o advento da Internet, dá-se de forma

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Nas palavras de Cavalieri Filho: “Instalou-se então um acentuado desequilíbrio ou desigualdade de forças entre produtores e distribuidores, por um lado, e consumidores, por outro. O consumidor tornou-se vulnerável em face do fornecedor, vulnerabilidade tríplice: técnica, fática e jurídica.” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 7)

vertiginosa, motivo pelo qual a legislação, ainda que moderna, é passível de interpretações e adaptações a essa nova realidade em que vivemos.

Uma das questões que mais requer essas adequações talvez seja a relacionada ao espaço virtual, especialmente no que tange o comércio eletrônico e suas implicações, dentre elas a privacidade do consumidor, em especial a forma como os fornecedores trabalham e armazenam seus dados, sendo o objeto principal desta pesquisa e o que será analisado adiante, em 3.5.145