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2. CONTEXTUALIZAÇÃO: GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUA APLICAÇÃO

2.5 A GENERALIZAÇÃO DOS MODELOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

De forma geral a governança corporativa visa a estruturar o “bom governo” da organização, ou a forma como o poder será compartilhado entre proprietários, conselheiros e gestores. Essa idéia portanto é, em princípio, passível de generalização a diversos outros países e formas organizacionais além das empresas de capital aberto dos países desenvolvidos. Entretanto, os responsáveis pela regulação do mercado de capitais dos diversos países são pressionados a estabelecer práticas de governança semelhantes às dos modelos paradigmáticos, principalmente da vertente anglo-saxônica, uma vez que isso facilita o acesso a recursos de investidores estrangeiros, principalmente institucionais.

Ainda que as questões relacionadas à governança empresarial tenham como escopo as decisões tomadas pelos executivos e o impacto no conjunto dos stakeholders, sua utilização cotidiana tem se limitado a abordar o relacionamento entre os proprietários, representados pelo conselho de administração, e os executivos. Parte desse direcionamento se deve certamente aos modelos e práticas adotados no mercado norte-americano, principalmente as mais recentes relativas ao ativismo dos acionistas.

A utilização de práticas de governança corporativa nas empresas brasileiras tem sido fomentada por diversos grupos diferentes. Para os órgãos de regulação, essas práticas podem estimular o afluxo de recursos, inclusive internacionais, ao mercado de capitais brasileiro. Para os investidores, a adoção de práticas de governança corporativa tais como independência dos conselheiros, transparência e processos de avaliação, são fundamentais para a realização do investimento em uma empresa, sendo mais importantes que os próprios resultados financeiros (KORN/FERRY e McKINSEY, 2001, p.19).

Para os proprietários e acionistas controladores, a governança significa tornar mais barato e acessível o capital e, principalmente, aumentar o valor econômico da empresa. Os acionistas minoritários se beneficiariam de uma maior transparência e accountability, pelo que

conquistariam uma maior capacidade de influir nas decisões estratégicas da empresa e mais direitos em movimentos de mudança de controle ou venda de participações majoritárias. Em síntese, portanto, os benefícios que a governança corporativa sinaliza poder proporcionar são amplos e justificam sua importância atual para as empresas. Entretanto, pesquisa realizada pelas consultorias Korn/Ferry e McKinsey aponta que:

“... o modelo atual de governança não responde de forma adequada aos novos desafios, além de não satisfazer um número significativo de conselheiros. Deles, 54% acreditam que o modelo de governança adotado poderia ser aperfeiçoado.” (KORN/FERRY e McKINSEY, 2001, p. 21).

A adoção de práticas de “boa” governança corporativa tem, fundamentalmente, a finalidade de resolver problemas de agência entre proprietários e gestores (BECHT, BOLTON E RÖELL, 2002, p.14). Como explica Kester (1992, apud OECD, 1999b, p.11), o problema central da governança é delinear um sistema especializado de incentivos, salvaguardas e processos de solução de disputas que promova a continuidade das relações de negócio, de maneira eficiente, na presença de interesses oportunistas.

Entretanto, em um modelo de controle direto via equity, a existência de um grupo de propriedade claramente identificado e mais perene reduz sensivelmente os problemas de agência, uma vez que esses são minimizados quando o principal atua como agente decisor (GEDAJLOVIC, 1993). Por outro lado, esse modelo pode gerar dificuldades de alinhamento nos objetivos dos proprietários, mais freqüentes no ambiente empresarial nacional, a exemplo das disputas propagadas pela imprensa sobre as empresas de telefonia, em especial a Brasil Telecom. Segundo Nilakant e Rao (1994, p. 656), ambientes onde há mais de um principal ou agente podem produzir incerteza quanto aos resultados, levando os gestores a enfatizar a busca pela legitimidade de suas ações.

Assim, a modelagem das práticas de governança corporativa no Brasil, ao seguir modelos anglo-saxônicos, está adotando antes um mecanismo institucional que a busca por uma solução efetiva para os problemas de agência no contexto nacional. Esse processo repete outras práticas de introdução de tecnologias administrativas no país, conforme exemplificado entre outros estudos pelo trabalho realizado por Caldas e Wood Jr. (2000) sobre o uso de sistemas integrados de gestão, denominados ERP, no Brasil. Dos resultados obtidos concluíram que os processos de adoção foram fortemente influenciados por fatores políticos e

institucionais, tais como seguir uma tendência, influência da mídia e de consultores e “gurus” da gestão.

Essa análise não visa, certamente, reduzir a importância da efetiva utilização da governança corporativa pelas empresas brasileiras, mas destacar a necessidade de aprofundar o conhecimento dos processos institucionais que a estão conformando. Isso se torna mais importante pelo efeito de sedimentação, conforme descrito por Tolbert e Zucker (1999) e que, para Eisenhardt (1988) implicaria em uma bi-dimensionalidade envolvendo tanto largura quanto profundidade.

Também em outras áreas, a exemplo das organizações sem fins lucrativos, as discussões relativas ao uso de práticas de governança corporativa vêm tendo crescente projeção. Fama e Jensen (1983) apontam que a principal característica dessas organizações é a ausência de direitos residuais (residual claims), o que reduz os problemas de agência entre os doadores de recursos e gestores. Lembram ainda que a ausência de direitos residuais não significa que não tenham lucro, mas que esses direitos não são alienáveis (FAMA e JENSEN, 1983, p.20). A não distribuição desses resíduos não impede, contudo, a existência dos problemas de agência e, portanto, a necessidade de uma estrutura de governança que os minimize. Torna-se importante verificar se o arcabouço teórico que fundamenta o desenvolvimento dos modelos de governança corporativa é aplicável também a um conjunto mais amplo de organizações, a exemplo daquelas sem fins lucrativos e associações diversas, tais como clubes, organizações religiosas e públicas, entre outras.

Um conjunto em especial de organizações será tratado com mais profundidade neste trabalho: os fundos de pensão. Esses fundos se colocam, hoje, como dos principais atores nos movimentos de governança corporativa, mas normalmente no papel de investidores institucionais. Tiveram significativa participação no fortalecimento do ativismo dos proprietários frente aos gestores nos mercados americano e inglês. Também no Brasil, os fundos de pensão detêm parcela expressiva de controle na grande maioria das empresas de capital aberto e vêm buscando consolidar as práticas de governança corporativa dessas empresas e do mercado em geral.

Mas os fundos de pensão também têm seus próprios modelos de governança. A discussão sobre governança corporativa desses fundos4 tem sido objeto de debates nos Congressos da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP) nos anos de 2001 e 2002. O argumento de um dos consultores da área mostra as características institucionais da discussão:

“Apesar de que as empresas são muito diferentes dos fundos de pensão, uma vez que as elas tem fins lucrativos e os fundos de pensão têm o objetivo social de complementação do sistema público previdenciário, é possível identificar-se algumas analogias entre esses dois tipos de entidades. E neste caso, porque não aplicar práticas de governança corporativa na gestão dos fundos de pensão, criando-se um sistema de ‘Governança de Fundos de Pensão’?” (VENTURA, 2001, p.1).

Essa afirmativa não abrange, contudo, a natureza das relações entre proprietários e gestores dos fundos de pensão, para o que as práticas mais utilizadas de governança corporativa poderiam representar uma solução adequada, mas uma generalização do modelo segundo uma lógica institucional de isomorfismo mimético: se as práticas estão sendo utilizadas pelas empresas, por que não utilizá-las em outras organizações?