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2. CONTEXTUALIZAÇÃO: GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUA APLICAÇÃO

2.6 A GOVERNANÇA DOS FUNDOS DE PENSÃO

2.6.2 As questões da governança dos fundos de pensão

De forma geral, tanto a LC 109, mas principalmente a LC 108, tratam de aspectos da governança, dado que:

O termo governança se refere à maneira pela qual uma instituição é governada e regulada, a seus métodos de gestão ou a seu sistema de regulamentos. No contexto dos fundos de pensão (públicos ou privados), isso assume a conotação mais específica e se refere à maneira pela qual a autoridade ou poder é exercido para cumprir suas obrigações e deveres frente a um grupo constituído de stakeholders (tradução nossa)” (IMPAVIDO, 2002, p.9).

As relações de agência em um fundo de pensão não são tão diretas como em uma empresa privada. Por definição, essas relações envolvem um beneficiário ou proprietário de um ativo, o principal, e aqueles que agem em seu benefício, o agente. Nessa linha, a OECD em suas diretrizes para governança em fundos de pensão, estabelece que:

“Planos de pensão privados funcionam na base de relações de agência entre participantes e beneficiários, de um lado, e pessoas ou entidades envolvidas em sua administração ou financiamento, tais como o patrocinador e o administrador do plano. A governança desses planos consiste de todos os relacionamentos entre as diferentes entidades e pessoas envolvidas no funcionamento do plano. A governança também provê a estrutura pela qual os objetivos de um plano são fixados e os meios de atingir esses objetivos e monitorar o desempenho. É o espelho da governança corporativa de uma sociedade anônima de capital fechado, que consiste em um conjunto de relacionamentos entre administradores, conselho, acionistas e outros stakeholders (tradução nossa)” (OECD, 2002, p.2).

Os fundos de pensão no Brasil têm natureza jurídica autônoma em relação à patrocinadora. São entidades de direito privado, sem fins lucrativos. Pela definição de Fama e Jensen (1983), organizações sem fins lucrativos não têm resíduos de caixa alienáveis (residual claims) que poderiam ser incorporados pelos sócios. Entretanto, planos na modalidade benefício definido permitem que patrocinadores e participantes sejam beneficiados por resultados positivos das operações, pela redução do valor das contribuições, enquanto planos de contribuição definida, por seguirem um processo de capitalização semelhante ao de uma caderneta de poupança, permitem um maior valor futuro dos benefícios (LC 109 art. 20). Ambas as modalidades apresentam, portanto, ao menos em parte, uma apropriação pelo principal dos resíduos de caixa dos planos.

Questionando a visão de fundos de pensão como unidades de negócio das empresas, Reichenstein (1994, p.106) lembra que, na prática, alguns planos de pensão são melhor vistos

como joint ventures, uma vez que organização e participantes compartilham os benefícios de um bom desempenho do plano.

Em termos de relações de agência, o patrocinador desempenha muitas vezes um papel ambíguo nesse sistema. Para a OECD (YERMO e MAROSSY, 2002), um fundo de pensão se caracteriza como uma relação entre participantes, entendidos como os beneficiários da relação e portanto definidos como principal, e os gestores e patrocinadores como agentes. Essa classificação entretanto pode obscurecer o papel dos patrocinadores, uma vez que estes também são beneficiários na relação no caso dos planos BD por capturarem parte dos ganhos residuais da atuação do fundo, e também por uma postura avessa a risco diferente do caso dos planos CD. Mesmo nos planos CD, nos quais têm risco mínimo e basicamente de ordem moral, o patrocinador também exerce uma função de monitoramento e controle do gestor, uma vez que o fundo de pensão legalmente é uma entidade externa, juridicamente independente desse patrocinador. Fica, portanto, melhor caracterizar uma relação múltipla de agência, onde tanto participantes quanto patrocinadores exercem o papel de principal.

No modelo CD o risco de patrocinadores está associado fundamentalmente ao impacto negativo na imagem da empresa em caso de desempenho insuficiente do plano, não havendo riscos de natureza financeira. Do ponto de vista dos resultados do plano para fins de acompanhamento, estes são claros, verificáveis e comparáveis com facilidade pelos participantes a outras opções de investimento. Qualquer desempenho negativo é rapidamente identificável e soluções de correção podem ser adotadas.

O contrário ocorre no plano BD, quando o risco do plano é compartilhado entre participantes e patrocinadores, mas sobrecarrega principalmente este último, que deve registrar em seus balanços as dívidas referentes a aportes não realizados ou déficit atuarial do plano. O desempenho segue regras atuariais complexas que tornam difícil aos participantes, e ao próprio mercado, terem uma clara noção do que ocorre no plano, exigindo dos patrocinadores esforços consideráveis de monitoramento e controle. A confiança na gestão torna-se crítica, sendo importante buscar permanentemente a legitimidade perante esse público para a sustentação “moral e política” das ações.

Essa diferença de risco entre BD e CD é analisada por Gushiken (2002), ao explicar a mudança de orientação na ação sindical junto aos fundos de pensão. Aponta que:

“Não nos esqueçamos que os fundos de pensão brasileiros nasceram sob iniciativa da ditadura militar, nos idos de 1977, assentados basicamente em empresas estatais, que ofereciam planos de tipo benefício definido com contribuições patronais bastante generosas, e que, como sabemos, produziam nos trabalhadores um sentimento de tranqüilidade com relação às suas aposentadorias futuras, tornando-os agentes passivos perante os planos de que eram detentores. Nesse contexto, os sindicatos também assimilavam aquele comportamento passivo” (GUSHIKEN, 2002, p. 93).

Para esse autor, a ação sindical começou a se tornar mais efetiva no setor a partir do processo de privatização iniciado em 1995, com a troca de patrocinadores, redução das bases da contribuição, aumento da rotatividade da mão-de-obra e principalmente pela migração dos planos BD para CD. Essa mudança de contexto teria trazido dúvidas e inquietações aos trabalhadores, fazendo com que pressionassem os sindicatos a uma ação em defesa de seus direitos (GUSHIKEN, 2002, p.93).

Essa visão reforça a associação dos mecanismos de monitoramento e controle do agente pelo principal ao contexto dos ambientes interno e externo.

Diversos outros pontos tornam também significativa a diferença entre os modelos de governança corporativa e a governança de fundos de pensão, principalmente quanto às premissas e proposições da teoria da agência.

Pela classificação de Tosi e Gomez-Mejia (1989), fundos de pensão poderiam ser denominados como controlados pelos administradores (management-controlled) pois não têm um único proprietário que concentre mais de 5% de sua propriedade. Baseado nos modelos de Shleifer e Vishny (1997) e de Davis (1996), seu modelo de propriedade seria melhor classificado como debt, pois seus participantes (proprietários) têm direitos sobre os ativos de forma diferente de acionistas de uma empresa. O tipo de controle e propriedade, por si só, já indicam que os modelos de governança corporativa para os fundos devem ser significativamente diferentes para aqueles seguidos pelas empresas brasileiras.

Mecanismos de controle externo, a exemplo da tomada de controle (take over), não existem diretamente para fundos de pensão, mas indiretamente. Uma patrocinadora pode “saldar” seu passivo junto ao fundo ou transferir sua gestão a outra entidade aberta ou fechada. Entretanto, isso não representa unicamente um mecanismo de controle externo sendo exercido para punir uma gestão deficiente, mas também como forma de adequação do patrocinador a uma nova estratégia.

Ao contrário das empresas, o participante de fundos de pensão tem uma predisposição menor de risco e maiores dificuldades de exercer movimentos de saída do negócio. O participante, se não estiver satisfeito com o relacionamento com o fundo de pensão, pode abandonar a relação mas seus custos serão elevados, principalmente porque poderá perder em muitos casos a parcela do funding constituída pelo patrocinador. Seu apetite a risco também é menor pois tem, depositada no plano de previdência, uma parcela significativa de sua poupança de longo prazo e pouca possibilidade de diversificar significativamente esse risco, uma vez que também assim perderia a poupança constituída pelo patrocinador.

Ao contrário do que ocorre nas empresas, onde o proprietário busca assegurar para si a destinação a ser dada ao fluxo de caixa livre, em fundos de pensão esse poder discricionário é atribuído aos gestores. Estes são encarregados de direito de proceder à distribuição dos riscos, sujeitos aos dispositivos normativos do setor e à aprovação dos conselhos.