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2. CONTEXTUALIZAÇÃO: GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUA APLICAÇÃO

2.6 A GOVERNANÇA DOS FUNDOS DE PENSÃO

2.6.1 O sistema de previdência complementar fechada no Brasil

O sistema previdenciário brasileiro é caracterizado por uma estrutura de três pilares. O primeiro deles representa a previdência oficial, compulsória, e inclui tanto servidores públicos quanto empregados privados, sendo esse sistema administrado pelos governos federal, estaduais e municipais. Nesse modelo não ocorre acumulação de recursos, uma vez que segue um mecanismo de repartição simples pelo qual as contribuições dos participantes ativos são destinadas ao pagamento das aposentadorias no período vigente (pay-as-you-go).

O segundo pilar é representado pela previdência complementar fechada, uma vez que só é disponível aos participantes de uma empresa, patrocinadora, e mais recentemente aos associados de um órgão de classe ou similar, denominado instituidor pela Lei Complementar

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A expressão governança corporativa está certamente associada a corporações (ver nota de rodapé 1) e empresas de mercado. A sua utilização para denominar os modelos de governança de outras organizações, contudo, tem sido cada vez mais usual, ainda que incorreta.

109/01 (BRASIL, 2001a). Os planos dessa categoria devem ser capitalizados, usualmente a partir de contribuições mensais de participantes e patrocinadores. Os planos são administrados por uma organização sem fins lucrativos, constituída na forma de fundação ou sociedade civil, denominada Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) e usualmente conhecida como fundos de pensão.

O terceiro pilar é representado pela previdência complementar aberta, administrada por bancos e seguradoras, de caráter voluntário e com reservas constituídas pelas poupanças individuais. À semelhança do segundo pilar, os planos são capitalizados. Em algumas situações, podem ser constituídos planos coletivos por uma empresa para seus empregados, o que os torna similares aos administrados pelos fundos de pensão.

O estudo proposto neste trabalho envolve apenas o segundo pilar, dos fundos de pensão. Regulamentados inicialmente em 1977, pela Lei 6.435, os fundos tiveram um rápido crescimento na década seguinte. Por sua natureza, passaram-se vários anos nos quais a acumulação de recursos ocorreu de forma bastante intensa e apenas recentemente se tornou significativo o fluxo de descapitalização para pagamento de aposentadorias e pensões. Hoje essas entidades são em número de 358, com uma concentração de 245 na região sudeste. Administram recursos da ordem de R$ 239 bilhões e pagam 416 mil aposentadorias e 116 mil pensões (SPC, 2003). A figura 3 apresenta a evolução dos ativos do sistema de fundos de pensão no Brasil em relação ao PIB, com base nos dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar:

Figura 2: Evolução da relação dos ativos dos fundos de pensão sobre o PIB (Fonte: Abrapp, 2003) Ativos como percentual do PIB

Ano 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990

Ativos como percentual do PIB

18 16 14 12 10 8 6 4 2

Fundos de pensão são constituídos nas mais variadas formas, dependendo do país. Em comum, todos têm o objetivo de servir como mecanismo para assegurar benefícios de aposentadoria e pensão a seus participantes pela capitalização dos recursos poupados.

No Brasil, o setor de previdência complementar é disciplinado pela Lei Complementar 109, de 30 de maio de 2001, que substituiu a Lei 6.435. Para as entidades que administram planos de organizações estatais, há também a Lei Complementar 108 (BRASIL, 2001b), promulgada na mesma data, que visa a regulamentar principalmente o modelo de gestão dessas entidades. Os fundos de pensão administram planos nas modalidades Contribuição Definida (CD) e Benefício Definido (BD). Planos CD são semelhantes a fundos de investimento financeiro ou caderneta de poupança, onde a poupança mensal é capitalizada e o valor acumulado transforma-se em uma renda vitalícia, sendo fácil aos participantes avaliar seus resultados. Nos planos BD, ao contrário, a meta é uma renda futura e o valor da mensalidade pode oscilar para atingir essa meta, exigindo para seu planejamento o desenvolvimento de cálculo atuariais mais complexos. Uma terceira modalidade é caracterizada pelos denominados planos híbridos, na realidade planos CD onde há mecanismos de seguro associados.

O artigo 13 da LC 109 dita que “A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado”. Caracteriza-se, dessa forma, a natureza independente do fundo de pensão.

A legislação trata também de separar a figura da entidade de previdência complementar fechada dos planos que gerencia. É permitido, por exemplo, uma entidade agregar diversos planos de uma mesma organização, todos com independência patrimonial; é permitida também a existência de patrocinadores diversos sob a mesma entidade, resguardada também a independência entre os planos (LC 109, art. 34).

A história de constituição das entidades mostra que estas foram constituídas, em seu início, principalmente por empresas estatais. O sistema, na forma como se apresenta hoje, iniciou seu desenvolvimento em 1977. Até então, os planos eram constituídos, em geral, como

fundos contábeis nas empresas. Essa legislação também separou as empresas patrocinadoras e a gestora dos fundos.

Na prática do setor, contudo, tem predominado a utilização de membros da patrocinadora na administração das EFPP. Também em diversas empresas privadas e fundos de pensão com menor volume de ativos, a entidade assume um caráter quase virtual, por ser administrada e utilizar a própria estrutura da patrocinadora, com seus gestores atuando apenas em tempo parcial. Outra característica é a forte terceirização da administração dos ativos e passivos, o que desonera ainda mais a necessidade de instalações e recursos permanentes da entidade. Dados de abril de 2003 mostram que apenas 24% dos ativos dos fundos de pensão eram administrados internamente (SPC, 2003).

As leis que regem o setor asseguram a participação de representantes de membros do plano, ativos ou assistidos, na composição dos conselhos deliberativo e fiscal das entidades. Essa participação varia entre um terço, nas entidades que administram planos patrocinados por empresas privadas (LC 109 art. 35 §1oº), e metade dos membros dos conselhos naquelas com planos patrocinados por entes públicos. Nestas, ainda, a presidência do conselho fiscal é assegurada a um dos representantes dos participantes (LC 108, art. 11 e 15).

A decisão de uma empresa em patrocinar um plano de pensão a seus empregados visa principalmente agregar atrativos a sua política de recursos humanos e facilitar a adoção de medidas eventualmente necessárias à adequação de seus quadros, tais como demissões incentivadas e aposentadorias antecipadas para renovação dos quadros. Essa observação corrobora a análise que tanto patrocinadores quanto participantes são beneficiados pela existência do plano de aposentadoria.

Nos EUA têm havido uma forte redução na implantação de planos na modalidade benefício definido. Sherman, Beldona e Joshi (1998, p.168) apontam como razão para esse movimento a vinculação desses planos ao balanço e resultado das empresas patrocinadoras. Fundos de pensão com provisão insuficiente devem ser registrados como passivo pelas patrocinadoras. Em momentos de recessão econômica, o declínio no valor dos ativos do fundo pode levar a empresa à insolvência. Nesse contexto, os gestores dos fundos de pensão se vêem forçados a operar com objetivos de curto prazo. A alternativa tem sido a implantação de planos na modalidade contribuição definida, que reduzem a pressão pela obtenção de resultados no curto prazo.

Em pouco mais de 20 anos, o número total de planos mais que duplicou nos Estados Unidos, saindo de 311.094 planos em 1975 para 720.041 em 1997. Entretanto, o percentual dos planos BD se reduziu de 33% para cerca de 8% em número de planos, de 74% para 48% em número de participantes, e de 72% para 54% em volume de ativos.

Figura 3: Evolução dos planos de pensão nos EUA por tipo de plano (fonte: www.dol.gov)

No Brasil, segundo dados da SPC (base dez/2001 – apresentação em seminário OECD), 42% dos planos são na modalidade CD, mesmo percentual dos planos BD, e 16% são planos mistos. Também aqui o movimento de migração já pode ser percebido. Em pesquisa junto a empresas farmacêuticas operando no país, Delboni (2003) identificou essa propensão:

“Em geral, planos oferecidos pelas empresas há mais de 10 anos coincidem com o tipo de plano de Benefício Definido, influenciado, provavelmente, pelas empresas estrangeiras, com inspiração no desenho dos planos de suas matrizes. Nas empresas para as quais a oferta do benefício é recente, já não se cogita mais a implantação de planos de Benefício Definido e sim de Contribuição Definida” (p.179).

Planos de pensão nos EUA

(fonte: Department Of Labor - vários anos)

0 100 200 300 400 500 600 700 800 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997

Número de planos (mil)

TOTAL Planos BD Planos CD