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A energia nuclear tem passado por altos e baixos na agenda internacional, sendo alvo de críticas nos dias atuais devido ao acidente ocorrido recentemente em Fukushima. Contudo, trata- se de uma importante alternativa aos combustíveis fósseis na produção de eletricidade e dificilmente poderá ser descartada. Conhecida desde a década de 1940 passou a ser considerada uma fonte limpa, uma vez que sua operação acarreta a emissão de baixos volumes de CO2. A

existência de abundantes reservas de urânio no planeta pode garantir a segurança no suprimento de energia elétrica no horizonte de longo prazo. Em 2006, a energia nuclear ocupou o penúltimo lugar entre as principais fontes para produção de energia elétrica do mundo, segundo a

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4.8.1. Aspectos técnicos

O principal uso da energia nuclear é a geração de energia elétrica, se considerada a quantidade de combustível nuclear envolvida neste processo. É a forma mais limpa e eficiente de energia térmica que pode ser usada para produzir vapor, o qual alimenta conjuntos turbina-gerador. As usinas nucleares (UNEs) são apropriadas para geração na base, apresentando um alto fator de capacidade e segurança do ponto de vista do suprimento.

A geração de eletricidade em uma UNE é realizada utilizando a energia contida no combustível nuclear para gerar vapor a elevada pressão, que, por seu turno, é utilizado para movimentar uma turbina no eixo da qual está acoplado um gerador de energia elétrica. Desta forma, a UNE assemelha-se muito a uma UTE convencional, exceto pelo elemento gerador de vapor. Algumas vantagens evidentes da UNE, se comparada a uma UTE convencional, são: o relativamente pequeno volume de combustível utilizado (o combustível nuclear é o que possui a maior densidade energética entre as atuais fontes primárias para produção de eletricidade), a independência de fatores climáticos (diferente das UHEs, geradores eólicos, usinas solares e UTEs a biomassa) e as emissões de gases para a atmosfera. Uma desvantagem importante esta relacionada com a geração de resíduos radioativos.

As motivações para seu uso no Brasil são distintas daquelas normalmente encontradas nos países desenvolvidos. Atualmente a energia nuclear entra como fonte complementar à hidroeletricidade, para atendimento à base da curva de carga (THOMÉ et al, 2009).

4.8.2. O potencial

Os três países com as maiores reservas de urânio do planeta são a Austrália, o Cazaquistão e o Canadá, que juntos possuem mais de 50 % das reservas mundiais (dados de 2008). O Brasil ocupa o 7º lugar no “ranking”; entretanto, apenas 25 % do território nacional foi prospectado até agora, o que pode significar a possibilidade de descobertas de outras reservas. Na Tabela 4.12

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constam os países com suas respectivas reservas. De acordo com critério adotado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), as reservas são estimadas e somente computadas aquelas economicamente viáveis de serem exploradas. São consideradas, neste caso, as reservas cujo custo de extração seja menor ou igual a U$ 130 / kg.

O Código Brasileiro de Mineração classifica as reservas minerais, incluindo as de urânio, em reservas inferidas, reservas indicadas e reservas medidas67. Na Tabela 4.13 constam as principais jazidas brasileiras, discriminadas de acordo com esta classificação. As jazidas brasileiras, até agora prospectadas, encontram-se em sua maioria, nos estados da Bahia, Ceará, Paraná e Minas Gerais.

Tabela 4.12 - Reservas mundiais de urânio

Fonte: INB68

67 Reserva inferida: estimativa feita com base no conhecimento das características geológicas do depósito mineral,

havendo pouco ou nenhum trabalho de pesquisa. Reserva indicada: a tonelagem e o teor do minério são computados parcialmente de medidas e amostras específicas, ou de dados da produção, e parcialmente por extrapolação até distância razoável com base em evidências geológicas. Reserva medida: a tonelagem de minério computado pelas dimensões reveladas em afloramentos, trincheiras, galerias, trabalhos subterrâneos e [sondagens], e na qual o teor é determinado pelos resultados de amostragem pormenorizada, devendo os pontos de inspeção, amostragem e medida estar tão proximamente espacejados e o caráter geológico tão bem definido que as dimensões, a forma e o teor da substância mineral possam ser perfeitamente estabelecidos. Fonte: Regulamento do código de mineração - capítulo V.

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Tabela 4.13 - Reservas brasileiras de Urânio

Fonte: INB68

A principal reserva se localiza na Bahia, no município de Caetité, e seu potencial estimado é de 100 mil toneladas. Somente o urânio desta jazida poderia atender ao suprimento das usinas nucleares Angra I, Angra II e Angra III por aproximadamente 100 anos (ANEEL, 2008). O Urânio também ocorre associado a outros minerais. É o caso das reservas localizadas no Estado do Amazonas, em Pitinga. Há ainda outras áreas promissoras, como, por exemplo, a serra dos Carajás, no Estado do Pará. As reservas adicionais estimadas estão na casa das 300.000 t69.

4.8.3. Aspectos econômico-financeiros

Os reatores nucleares apresentam custos elevados de construção e baixos custos de operação. A tarifa de equilíbrio da energia nuclear para produção de energia elétrica encontrava-se na faixa de R$150,00 a R$170,00/MWh em 2007 (GOMES e NASCIMENTO, 2008; CARVALHO, 2007), o que, mesmo sem correção monetária, está acima dos valores ultimamente apresentados, nos últimos leilões de energia nova, pelas UTEs a gás natural e a biomassa, a maioria das UHEs e as centrais eólicas.

O principal componente de influência na tarifa da fonte nuclear é o custo do investimento. Por exemplo, no caso de Angra III este custo, em 2006, era estimado em R$ 7,2 bilhões, o que

69 Fonte: INB – Disponível em <http://www.inb.com.br/inb/WebForms/Interna2.aspx?secao_id=48> Acesso em

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representa R$ 5.330 / kW instalado. Os valores anuais de seguros e manutenção também representam parcela importante no custo total. Além disto, os custos de descomissionamento de uma usina termonuclear também são significativos e devem ser considerados no processo de análise de viabilidade econômica do empreendimento (CARVALHO, 2007).

4.8.4. Aspectos socioambientais

As UNEs produzem resíduos radioativos, que devem ser adequadamente manejados. No entanto, praticamente nenhum outro poluente é produzido durante a operação. É fato que estas usinas também não contribuem para o aumento da concentração de gases de efeito estufa, pois na fase operacional é extremamente baixa a emissão destes gases.

Uma UNE é uma fonte de eletricidade que praticamente não emite CO2. Quando substitui,

por exemplo, uma UTE a carvão mineral, de 1.000 MW, cerca de 6 a 7 milhões de toneladas de CO2 deixam de ser emitidas por ano, sem contar os outros poluentes que também não são

emitidos pelas UNEs.

Embora existam opiniões de que a energia nuclear apresenta riscos, principalmente físicos, conforme relata Goldemberg (2008b), a segurança nas usinas termonucleares e em todo o ciclo do urânio é tratada com primordial importância. Um reator nuclear não pode explodir como se fosse uma bomba atômica. Entretanto, há que se deixar claro que acidentes nucleares70 podem ocorrer em UNEs. Por esta razão, o projeto, a construção e a operação de uma UNE demanda cuidados especiais, com relação ao aspecto segurança. Os sistemas de segurança são implantados sempre de forma redundante, ou seja, caso um deles falhe haverá sempre outro sistema de “backup”, cuja atuação resultará nos mesmos efeitos que o sistema inicial deveria ter, se tivesse operado. Estes sistemas têm níveis de atuação que vão desde um simples alarme até a parada completa da UNE com a interrupção da reação em cadeia no reator nuclear. Ao se projetar uma UNE, são levantadas diversas situações de acidentes que poderiam ocorrer e, também, são

70 Um acidente é considerado nuclear, quando envolve uma reação nuclear ou equipamento onde se processe uma

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projetados os sistemas que permitam eliminar ou mitigar ao máximo seus efeitos. As estruturas de contenção são dimensionadas para suportar quaisquer tipos de acidentes internos assim como externos, dentro de determinados níveis de severidade, tais como tempestades, terremotos, vendavais e até mesmo queda de aeronaves ou sabotagem.

São raríssimos os casos de acidentes nucleares. Nas últimas décadas ocorreram três acidentes considerados graves. No acidente de Three Miles Island, o primeiro deles, ocorreu vazamento de água e vapor (circuito primário); entretanto, os líquidos ficaram retidos nas estruturas de contenção, mais especificamente no vaso de pressão, e não houve nenhuma contaminação ambiental (CARDOSO, 2008).

O acidente de Chernobyl, causado por falha humana, afetou o meio ambiente e milhares de pessoas; a operação desta usina não seguiu os procedimentos previstos, por falta de treinamento adequado dos operadores. O reator de Chernobyl não possuía praticamente nenhum sistema de contenção e os sistemas de segurança não apresentavam os níveis de exigência atualmente existentes. O tipo de reator de Chernobyl não é utilizado no Brasil e é pouquíssimo empregado no mundo.

No caso mais recente de Fukushima, o acidente foi ocasionado por um “tsunami” de proporções descomunais que atingiu a costa do Japão. Em seguida ocorreu uma sequência de problemas em sistemas de backup, proteção e controle que culminaram no vazamento de radiação para o meio ambiente (NETTO, 2011).

No que se refere à mineração de urânio, existem mecanismos que proporcionam níveis de segurança elevados. De acordo com a WNA, muitas empresas mineradoras, principalmente na Austrália e Canadá, tem sido certificadas pela ISO 1400071, o que demonstra a viabilidade de um gerenciamento eficaz dos impactos ambientais provocadas por esta atividade.

71 ISO 14000 é um conjunto de nomas desenvolvidas pela “International Organization for Standardization”

estruturadas com o objetivo de promover a implantação e acompanhamento de um sistema de gestão ambiental integrado. As normas ISO possuem um alto padrão de exigências no que concerne ao gerenciamento e acompanhamento de processos, permitindo a definição de controles rígidos de indicadores, no caso do conjunto ISO 14000, ligados aos impactos ambientais.

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É digno de nota o caso da pesquisa encomendada pelo IBAMA e desenvolvida pela Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde na região de Caetité-BA. O nome da pesquisa é “Estudo Epidemiológico de Morbi-mortalidade Relativo à Eventual Ocorrência de Patologias Relacionadas a Danos Genéticos e Neoplasias Malignas na Área de Influência da Unidade de Concentrado de Urânio (URA) das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – Caetité no Estado da Bahia”. Um dos objetivos desta pesquisa foi comparar a causa de mortes por câncer na região de Caetité e na Bahia entre os anos de 1995 e 2005. Em 1995 as atividades de mineração de urânio ainda não existiam na região. O resultado ao que chegou a pesquisa foi a não existência de praticamente nenhuma diferença percentual entre o número de casos desde 1995 até 2005. Além disto, o percentual de casos da região de Caetité apresenta pouca diferença em comparação aos percentuais do estado da Bahia, sendo inclusive inferior. A Tabela 4.14 apresenta os resultados da pesquisa para os anos de 1995, 2000 e 2005 (INB, 2009).

A ONG Greenpeace emitiu um relatório denominado “Ciclo do perigo”, no qual aponta problemas relacionados à contaminação ambiental e humana nas cercanias da mina de Caetité. Há citações de contaminação da água utilizada pela população e do solo acima dos recomendados pela OMS. Entretanto, não há comparações com outras regiões localizadas onde existam reservas naturais de urânio ainda inexploradas. Estas outras regiões também podem apresentar níveis mais elevados de radiação na água e no solo pelo motivo de estarem nas proximidades das reservas e não pela exploração propriamente dita. Este ponto não é debatido no relatório.

Tabela 4.14 - Percentual de mortes por câncer em Caetité e no Estado da Bahia em 1995, 2000 e 2005

Local /Ano 1995 2000 2005

Caetité 6,50 % 6,88 % 6,60 % Bahia 7,40 % 7,95 % 9,45 %

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4.9. Síntese do capítulo

Neste capítulo foi realizada uma análise das opções de produção de energia elétrica de que o Brasil dispõe, a saber: eólica, biomassa, solar, hidráulica, gás natural, óleo combustível e Diesel, carvão mineral e nuclear. A análise foi realizada à luz das perspectivas técnica, econômica, socioambiental e do potencial apresentando e discutindo pontos relevantes que possam impactar no planejamento da expansão da oferta e na construção da matriz de energia elétrica considerando a visão de sustentabilidade neste trabalho contemplada. Esta análise contribui, fixando bases e fundamentação, para a etapa de proposição de diretrizes, políticas e composição da matriz, assim como com a avaliação das opções tecnológicas para a geração de eletricidade, a qual é realizada no próximo capítulo.

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Capítulo 5

5. Estudo das opções para a produção de energia elétrica no Brasil utilizando a análise multicritério

Estudo das opções para a produção de energia elétrica no Brasil

utilizando a análise multicritério

Projetos de longo prazo, como caracteristicamente são aqueles ligados ao setor elétrico, requerem ações de ordem estratégica e tática72. Logo, a construção da matriz de energia elétrica deve ser direcionada por estratégias de longo prazo e ancorada na sustentabilidade. Além disto, deve ser pautada pela otimização no uso dos recursos, pela busca de equilíbrio entre as perspectivas técnica, econômica e socioambiental e pelo foco na segurança e confiabilidade no suprimento da carga. Assim, não se deve descartar, a priori, nenhuma fonte de energia elétrica (FEE), principalmente aquelas disponíveis em território nacional e com possibilidade de produção de eletricidade em larga escala assim como também deve-se considerar todas as tecnologias disponíveis para a utilização destas fontes.

Neste sentido, a avaliação comparativa destas tecnologias, sob as três perspectivas mencionadas, buscando maximizar a eficiência e eficácia da exploração das fontes, permite fundamentar a proposição de diretrizes que possam servir de arcabouço para a definição de políticas energéticas e ações de planejamento que culminem na constituição da matriz com as características almejadas neste trabalho. Estimular a predominância de fontes renováveis de energia (FRE) é desejável, para o caso brasileiro, em especial as FEBS. Contudo, é preciso não perder de vista que existem outras FEEs que devem legitimamente ser aproveitadas no sentido de

72 Segundo Henry Mintzberg, estratégia é forma de pensar no futuro, integrada no processo decisório, com base em

um procedimento formalizado e articulador de resultados. A tática, por sua vez, define de forma mais detalhada como atingir esses objetivos. A estratégia tem caráter de longo prazo, é “o que fazer”, a tática agrega a visão de mais curto prazo, é o “como fazer”.

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prover a sociedade brasileira, de forma segura e confiável, com este elemento de infraestrutura indispensável para o pleno desenvolvimento socioeconômico.

O problema decisório, neste caso, reveste-se de grande complexidade. Os critérios adotados, em geral, são em grande número, sendo que, tanto estes, como as alternativas de tecnologias podem estar interligados. A eficácia da escolha de uma alternativa pode depender de outra também ter sido escolhida. Alguns critérios são quantificáveis enquanto outros somente podem ser qualificados por meio de níveis de avaliação. O uso de uma ferramenta de apoio pode agregar valor ao processo e permitir uma decisão bem sedimentada. É um problema onde a decisão multicritério bem se aplica. É importante ressaltar que os métodos de análise multicritério não se propõe a apresentar uma solução ideal e sim a solução mais satisfatória possível dentro do universo das alternativas adotadas e dos critérios utilizados (GOMES, 2002).

O objetivo para o estudo, neste capítulo realizado, e considerando o a composição da matriz de energia elétrica, é obter um ordenamento das opções tecnológicas para produção de energia elétrica baseando-se nas fontes que o Brasil dispõe, ou pode dispor, de forma a subsidiar e orientar a elaboração de propostas de diretrizes e políticas públicas objetivando a construção desta matriz, de maneira a se lograr êxito na sustentabilidade do processo de expansão da geração.