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Um fato relacionado à questão da diminuição na capacidade de regularização do SIN e que pode ser considerado de ainda maior preocupação é a restrição que vem sendo oferecida à entrada de novas UHEs na matriz de energia elétrica brasileira, mesmo aquelas que não contribuem para a regularização, ou seja, UHEs a fio d’água. A tônica que tem sido adotada para justificar esta restrição são os impactos socioambientais causados pelas UHEs.

Na fase de instalação de uma UHE, a região onde está localizado o empreendimento passa por transformações e impactos de relevante importância. Os problemas são variados na sua forma e repercussão. A remoção de vegetação, interferindo no ecossistema local; a necessidade de retirada de famílias de suas residências, deslocando-as para outros locais; a questão das reservas

37 A unidade tku (toneladas transportadas por quilômetro útil) utilizada nestes gráficos corresponde à uma unidade

física que mede esforço. Corresponde à quantidade de toneladas de carga transportada multiplicada pela distância percorrida pela mesma.

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indígenas; o aumento do contingente de pessoas na etapa das obras ocasionando problemas de infraestrutura e interferências de âmbito social. Enfim, trata-se de uma gama de impactos significativos e que podem deixar consequências que demandam anos para serem corrigidas.

Todavia, é importante observar que os empreendimentos hidrelétricos somente tem suas obras iniciadas após obtenção das licenças prévias de instalação, as quais contêm condicionantes bastante exigentes no que se refere a estes impactos, assim como medidas mitigadoras e compensatórias que minoram estes impactos. Atualmente, os valores destinados a estas medidas são elevados e podem chegar a representar de 15 a 25 % do total do investimento. A destinação destes recursos é rigorosamente fiscalizada não só pelos organismos ambientais do Estado, como também pelo poder judiciário e, até mesmo, por ONGs.

Os impactos positivos trazidos pelas grandes projetos de UHEs em geral não são evidenciados ou não são devidamente considerados. Há que se levar em conta que as regiões onde as grandes UHEs são construídas são, via de regra, pouco desenvolvidas sob os pontos de vista econômico e social. São dezenas de milhares de postos de trabalho criados, muitos deles preenchidos com mão de obra local, aumento na receita dos municípios atingidos pelo reservatório e barragem, realocação dos afetados, os quais, não raro, recebem moradias e saneamento em condições melhores em relação aquelas que possuíam antes da realocação (DESTER et al, 2012a).

Houve um caso onde a área destinada ao reassentamento foi superior em cinco vezes a área ocupada pelo lago da UHE. Na média, os valores de investimento por família reassentada correspondem a três vezes os valores destinados pela reforma agrária para uma mesma família. Outro fato de destaque são os Planos Diretores criados para as cidades sob a influência dos empreendimentos. Estes planos propiciam uma integração entre estas cidades, levando a melhoria na destinação dos recursos, incluindo aqueles oriundos da CFURH38 (DESTER et al, 2012b).

38 A CFURH é um encargo pago pelas geradoras de energia elétrica de origem hidráulica. Os recursos da CFURH

constituem uma das principais fontes de receita de vários municípios para aplicação em educação, saúde e segurança (definição da ANEEL).

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O problema da rejeição à construção de UHEs com reservatórios poderia ser resolvido, ou pelo menos mitigado, com a integração do projeto para geração de energia elétrica com os benefícios trazidos pela implantação deste, com destaque para os usos múltiplos da água dos reservatórios. Hoje não existem políticas neste sentido.

As ações que buscam criar mecanismos para agregação de serviços adicionais ao reservatório são pontuais e não possuem coordenação com outros setores de forma que sua exploração seja viável. Para ilustrar este problema, pode-se citar uma nova UHE onde existe uma eclusa prevista, como é o caso das UHEs Santo Antonio e Jirau. A construção de eclusas nestas usinas elevou o trecho de navegação dos atuais 1.056 km para 4.225 km à montante de Porto Velho, conectando os rios Madeira, Mamoré e Guaporé (Brasil), Beni (Bolívia) e Madre de Dios (Peru). Entretanto, não existe um projeto integrado de utilização desta eclusa como um elemento facilitador da navegabilidade do rio onde a mesma será construída. Não há articulação com os setores econômicos que farão uso deste serviço, de forma que possa fazer parte de uma cadeia de ações estimuladoras do desenvolvimento regional.

O reservatório de uma UHE também pode ser utilizado como uma fonte de água para irrigação, estimulando o desenvolvimento da agricultura e pecuária na região. Contudo, quando se concebe um projeto de UHE, não há uma visão de estabelecimento de articulação com outros órgãos e setores da sociedade com o intuito de integrar o projeto com os serviços de irrigação a partir da água disponível no reservatório. Apesar desta falta de articulação, os reservatórios das UHEs implantadas no rio São Francisco propiciaram a elevação da área irrigada na região abrangida por estes reservatórios em 320.000 hectares (LIMA et al, 2002, apud MELLO, 2010). Este fato é particularmente notável devido a esta área irrigada se situar no centro da região conhecida como “polígono das secas”.

O mesmo se pode dizer em relação ao aspecto lazer e piscicultura, outras utilizações importantes do reservatório dentro do conceito de uso múltiplo da água. No caso da UHE Furnas, a construção do lago proporcionou a criação de diversos projetos ligados a lazer e moradia de “campo” ao redor do lago, trazendo benefícios para a economia local, relativamente pouco

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desenvolvida. São 34 os municípios ribeirinhos ao lago da UHE Furnas que exploram atividades de lazer e pesca (CAMPAGNOLI, 2005 apud SOITO, 2011). A eclusa agregada à UHE Barra Bonita, primeira a ser construída na América do Sul, além de ser a atração turística mais divulgada e conhecida na região, assumiu um importante valor econômico por viabilizar a Hidrovia Tietê-Paraná. Outro exemplo de sucesso, neste sentido, é o caso da UHE Ilha solteira.

3.12. A conservação de energia frente à demanda reprimida de eletricidade e a expansão da