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Os segmentos de geração (G), transmissão (T) e distribuição (D) estavam, até o início da década de noventa, em posse de empresas estatais, em sua quase totalidade. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a opção foi por facilitar o processo de privatização do setor. Logrou-se êxito no que se refere ao segmento D. Entretanto, devido a reação de alguns setores da sociedade e, especialmente, alguns políticos cujos interesses estão estritamente ligados ao setor elétrico estatal, fortes resistências foram encontradas para a privatização dos setores G e T. Exceção se faz com relação à Eletrosul, cujos ativos do segmento G foram privatizados.

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No governo Lula e, por continuidade, no governo Dilma Russef, o setor estatal foi fortalecido, sendo que o segmento GT em posse de empresas estatais assim foi mantido. Manter estes segmentos sob a tutela de empresas estatais foi uma estratégia adotada com o objetivo de utilizar o poder de negociação destas empresas na superação dos muitos obstáculos que se apresentam relacionados aos empreendimentos de G e T. No modelo adotado pelo governo federal, de consórcios com participação minoritária, as empresas estatais, em conjunto com empresas privadas, constituem sociedades de propósito específico (SPE), por intermédio das quais são viabilizados os empreendimentos. As empresas estatais atuantes nos segmentos de G e T são empresas de grande porte que possuem cargos políticos nomeados nos níveis hierárquicos superiores. Este fato lhes facilita superar obstáculos, como, por exemplo, restrições relacionadas ao licenciamento ambiental e a obtenção de financiamento público. Estas “facilidades” atraem as empresas privadas, que se “ancoram” nas empresas estatais, e estas últimas acabam por desempenhar o papel de mitigadores dos riscos dos investimentos privados.

Além disso, nestas SPEs, as empresas estatais acabam por entrar com sua expertise de projeto, construção, operação e manutenção sem serem devidamente remuneradas para isto. Estes fatos podem ser encarados como efeitos colaterais normais do modelo, contudo não se pode deixar de mencionar que também representam uma distorção dentro do escopo do novo modelo do setor elétrico que, como uma das premissas, preza pela competitividade empresarial.

Na Figura 3.7 estão apresentados os percentuais de participação do Estado e da iniciativa privada nos segmentos de geração, transmissão e distribuição (GTD) em 2008. Note-se que o segmento de geração tem predominância estatal. No segmento da transmissão existe um equilíbrio entre a iniciativa privada e a estatal, com pequena vantagem para a iniciativa privada. Já no segmento de distribuição há uma presença maciça do capital privado, sendo que apenas uma pequena parcela encontra-se em mãos do Estado. Esta pequena parcela, ampliada no ano de 2011, corresponde à distribuição de eletricidade em mercados pouco rentáveis e de difícil gerenciamento, a exemplo daqueles localizados em regiões inóspitas tais como o interior dos estados da região Norte. Em 2011 a Eletrobras assumiu o controle de praticamente todas as

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empresas distribuidoras deficitárias localizadas naquela região, com o objetivo de saneá-las. A questão que se coloca é que o consumidor de energia elétrico brasileiro irá arcar com o custeio destas empresas deficitárias. Além disto, compromete-se a eficiência empresarial da Eletrobras, prejudicando os acionistas minoritários que acabam por serem prejudicados no montante de seus dividendos e na valoração acionária da empresa.

Figura 3.7 - Participação do Estado e da iniciativa privada nos segmentos de GTD Fonte: HUBNER, 2008 (elaboração própria)

Esta constatação permite algumas reflexões a respeito da atual estrutura empresarial do setor elétrico brasileiro. O segmento de distribuição é um monopólio natural que se encontra, em sua grande maioria, em posse do capital privado, com exceção das empresas deficitárias. Isto coloca a necessidade de uma regulação muito bem articulada e vigilante sobre este segmento, de um lado atraindo a iniciativa privada e, por outro, protegendo o consumidor cativo de eventuais abusos por parte das concessionárias. Os ganhos, para o capital privado, estariam, a princípio, na aplicação de métodos de gestão que permitam auferir bons resultados entre um ciclo de revisão tarifária e outro, compartilhando com os consumidores, no ciclo seguinte, os ganhos de produtividade alcançados em um determinado ciclo.

No segmento de transmissão a remuneração se baseia na Receita Anual Permitida (RAP), que depende da disponibilização dos ativos de transmissão (AT), tais como linhas, transformadores e bancos de capacitores, pelos agentes concessionários. Este mecanismo visa fornecer ao Operador Nacional do Sistema (ONS) uma ferramenta por meio da qual seja possível

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fiscalizar e punir os agentes da transmissão, caso os mesmos não minimizem a indisponibilidade de seus equipamentos.

Estes agentes, que outrora atuavam de forma colegiada, participando ativamente dos estudos visando garantir a segurança e confiabilidade do suprimento, agora restringem seu foco de atuação, por força do modelo implantado, na gestão de seus ativos. Uma vantagem deste modelo, sob a perspectiva dos agentes, é possibilitar a previsão de fluxo de caixa para todo o período da concessão.

Uma desvantagem é que os agentes agora estão com toda atenção voltada apenas “para o seu quintal” não tendo nenhuma obrigação legal de compromisso com o sistema interligado, sob a ótica da segurança elétrica ou energética. O core business das empresas concessionárias de G e T passou a ser a gestão dos seus ativos de geração e transmissão como foco em sua disponibilidade máxima.

Uma falha da sistemática atual é a forma como foram estabelecidos os critérios de franquia para que seja possível realizar manutenção nos ATs sem sofrer descontos na RAP. Um bom exemplo é propiciado pelas franquias estabelecidas para as linhas de transmissão, que consideram os níveis de tensão e o comprimento da linha como critérios para determinar a RAP. Nenhuma menção se faz às dificuldades de acesso que, via de regra, correspondem à maior parte do tempo gasto durante uma atividade de manutenção que envolva chegar, por exemplo, a locais de topologia irregular e de difícil acesso.

No segmento de geração, o destaque está nos leilões de energia, onde há o estabelecimento de contratos de longo prazo entre as geradoras e os consumidores no ACR. Este mecanismo, aliado ao marco regulatório existente, possibilita a viabilização técnico-econômica dos empreendimentos além de oferecer, aos consumidores e empreendedores, segurança de suprimento e de disponibilidade orçamentária, respectivamente, o que vai ao encontro de um dos pilares do atual modelo.

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Um dos problemas que se pode destacar neste segmento é a redução artificial dos preços que o poder concedente busca para o ACR, o que leva os geradores a tentar a compensação no ACL, de forma a elevar a lucratividade do empreendimento. Um exemplo marcante deste problema é o que ocorreu com o leilão de Santo Antonio e Jirau. Os baixos preços da energia comercializada no ACR (R$ 85,01/MWh e R$ 74,81/MWh, respectivamente) foi conseguida, em parte devido o governo ter definido que 30 % da energia produzida por estas usinas poderia ser comercializada no ACL (os valores situam-se na faixa de R$ 130-140/MWh). É um pleito dos consumidores livres que esta distorção seja resolvida, uma vez que isto leva a oneração da produção. Além disso, esta situação caracteriza-se como uma espécie de subsídio cruzado e, como não há benefício para o ACL, não há sustentação futura para este processo (BAJAY, 2010).