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A questão da segurança do suprimento de energia elétrica é de fundamental importância para garantir a sustentabilidade no processo de expansão da oferta, assim como tem influência precípua no processo de desenvolvimento econômico. Qualquer sinalização de problema neste aspecto pode comprometer este processo, devido à importância capital da energia elétrica em todos os setores da economia, conforme já discutido no Capítulo 1.

Os critérios de segurança atualmente adotados no planejamento da expansão são o risco máximo de déficit em 5% e os leilões de energia de reserva (LER). Este risco está implícito no critério indicador da necessidade de expansão, ou seja, CMO maior que CME. No planejamento da operação energética, além do risco de déficit supracitado, há a curva de aversão ao risco (CAR) e os procedimentos operativos de curto prazo (POCPs), ambos já mencionados no Capítulo 2.

Embora as premissas dos critérios sejam as mesmas, como por exemplo, da CAR e da expansão da oferta com 5% de risco de déficit (crescimento do consumo, oferta de energia, afluências), os parâmetros utilizados não são os mesmos, não há articulação entre os agentes

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responsáveis por levar a termo o planejamento e a natureza dos critérios é diferente. O cálculo do risco de 5 % é probabilístico e representa o risco futuro de déficit de energia elétrica para uma dada trajetória do mercado. A CAR é um critério determinístico para o período que a mesma abrange. Não raro ocorre ser necessário realizar despachos térmicos complementares para que seja respeitada a CAR. Isto implica em custos adicionais na produção de eletricidade, levando a uma elevação na tarifa final, uma vez que estes despachos complementares são remunerados por meio dos chamados “Encargos de Serviços do Sistema – ESS”, que fazem parte da estrutura tarifária.

A necessidade dos POCPs tem relação com a diminuição da capacidade relativa de armazenamento do SIN, discutida neste capítulo. Como o objetivo de proteger o SIN da violação de níveis mínimos de armazenamento, os POCPs preveem também despachos térmicos complementares de forma a garantir a manutenção destes níveis mínimos, denominados “níveis meta”. O problema é que estes despachos complementares não são levados em consideração nos modelos de formação de preço NEWAVE-DECOMP. Isto evidencia a desarticulação entre os critérios de segurança adotados, além de indicar uma tendência de elevação dos custos de produção de energia elétrica, com implicações negativas na tarifa final.

O Decreto nº 6.353, de 16/01/2008, que regulamenta a contratação de energia de reserva, determina, em seu artigo 6º, que a definição do montante de energia de reserva a ser contratada é responsabilidade do MME, com base em estudos desenvolvidos pela EPE. Entretanto, não existe uma metodologia clara e regulamentada de determinação do montante de energia de reserva a ser contratada.

A questão da segurança do atendimento deve-se tornar mais intricada na medida em que a participação das FEBS na matriz de energia elétrica for intensificada. O montante de energia de reserva requerida tende a aumentar com o crescimento do percentual das FEBS no mix de geração. A repercussão disso atinge tanto o planejamento da expansão, quanto o planejamento da operação, assim como terá impactos na tarifa de eletricidade, uma vez que o recurso por

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intermédio do qual se viabiliza a energia de reserva é um encargo setorial (Encargo de Energia de Reserva - EER).

Quaisquer que sejam os critérios seguidos, visando à segurança no abastecimento, há sempre um custo envolvido, que reflete na tarifa final de eletricidade. Contudo, havendo coordenação entre os dois setores de planejamento, expansão e operação, é possível se chegar nos melhores resultados, de forma a minimizar os impactos nos custos da operação, e, desta forma, na tarifa.

O problema é que, no Brasil, há um descompasso entre os critérios de segurança adotados no planejamento da expansão e aqueles adotados no planejamento da operação energética. Não há aderência entre os critérios e, desta forma, sua aplicação não leva aos mesmos resultados que se poderia obter em termos de níveis de confiabilidade e custos se esta aderência existisse (CHIPP, 2008).

3.3. A energia firme do SIN e as FEBS

Outro aspecto importante a ser analisado e que vem trazendo dificuldades para o planejamento, notadamente na etapa da operação, é a relação entre energia natural afluente e a energia firme28 disponível no SIN, conforme ilustrado na Figura 3.1. A questão da energia firme é discutida em mais detalhes no Capítulo 4. A linha EFSIST (energia firme do sistema)

corresponde à linha de base. Como EFSIST é a soma da EFH (energia firme hidráulica) com a EFT

(energia firme térmica), quando a EA (energia afluente) ou energia natural afluente (ENA)29 não estiver acima da linha EFSIST, haverá a necessidade de geração térmica complementar. Esta

geração complementar está representada pelos vales (em cor sólida mais escura na figura).

28 Energia firme do sistema é o maior valor possível de energia capaz de ser suprido continuamente pelo sistema sem

ocorrência de déficits, considerando constantes sua configuração e as características de mercado, no caso de repetição das afluências do registro histórico (ONS, 2009).

29 Energia natural afluente é a energia elétrica que pode ser gerada a partir da vazão natural em um aproveitamento

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Figura 3.1 – Energia afluente e energia firme em um sistema hidrotérmico Fonte: CALOU, 2009

Aqui se configura outro aspecto de importância capital a ser considerado no planejamento da expansão. A inclusão de fontes renováveis de energia, tais como, a eólica, biomassa ou solar, que se caracterizam por não agregar energia firme, pode trazer consequências indesejáveis no que diz respeito à manutenção do nível da EFSIST e, consequentemente, comprometer a segurança e

confiabilidade do suprimento de energia elétrica pelo SIN. Isto, aliada a pouca experiência que se possui referente à inserção destas fontes em sistemas com as características do SIN, em percentuais mais elevados do que hoje se apresenta, pode levar a problemas ainda mais graves no que concerne à segurança, aos custos e aos impactos ambientais decorrentes (DESTER et al, 2012b).

Os desafios certamente são diferentes daqueles enfrentados por países como a Alemanha e a Inglaterra que, apesar de possuírem grande participação de novas fontes, por exemplo, a eólica, apresentam uma base de geração e sistemas de transmissão com características diferentes do caso brasileiro. A geração de eletricidade nestes países origina-se, na sua maior parte, de combustíveis

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fósseis (carvão e gás natural) e energia nuclear. Este tipo de geração confere uma maior previsibilidade no equivalente à EFSIST. No caso brasileiro, a EFH, que corresponde à principal

componente da matriz de energia elétrica, ou seja, a hidreletricidade, apresenta as oscilações que lhe são peculiares e isto deve ser levado em consideração ao se pensar em um horizonte de longo prazo, quando a penetração da fonte eólica ou solar tende a alcançar níveis muito mais significativos que os atuais.

Como um problema relacionado, a extensão territorial destes países lhes confere características diferentes no aspecto referente à rede de transmissão, comparado com o Brasil, que possui dimensões continentais e o potencial mais significativo para geração eólica e solar, via de regra, fica localizado distante dos grandes centros consumidores. A localização dos potenciais mais significativos de geração a partir destas duas fontes, em geral não permite a conexão dos geradores diretamente à rede básica30, o que deixa esta geração suscetível a fragilidades que também podem repercutir negativamente na segurança do SIN.

É importante, por fim, ainda levantar uma questão importante relacionada às mudanças climáticas que vêm ocorrendo na Terra e que influenciam o regime de chuvas e consequentemente a hidrologia referente às UHEs brasileiras. Estas mudanças podem vir a alterar o padrão hidrológico e trazer oscilações não previstas na ENA o que interferirá inexoravelmente tanto no aspecto energia firme do SIN quanto no despacho de UTEs. Há necessidade de atenção especial a este respeito e requere-se estudos especiais neste sentido, de forma que se possa antever os problemas que venham a ocorrer e assim poder atuar de forma preventiva, em tempo hábil e com os menores custos para a sociedade.