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Consta, dentre as atribuições do MME, a formulação de políticas energéticas e do CMSE, em conjunto com a EPE, o monitoramento do setor elétrico e a ação em situações nas quais se apresentem obstáculos que possam dificultar, ou impedir a implantação destas políticas energéticas. As atribuições, destes dois órgãos são mais detalhadas no Capítulo 2. A composição da matriz de energia elétrica depende da formulação e da aplicação destas políticas de maneira que os interesses nacionais sejam atendidos e, certamente, a inserção maciça de fontes fósseis na produção de eletricidade, de forma desordenada e sem controle, não está entre estes interesses.

O problema da carência de projetos de UHEs nos leilões de “energia nova”, notadamente até o ano de 2010, está intimamente relacionado às responsabilidades pela elaboração dos estudos de inventário, principalmente no período do governo FHC até a criação da EPE, já no governo Lula. Anteriormente a este período os estudos de inventário eram realizados pelas empresas estatais. Cada empresa era incumbida e realizava os estudos em sua área de concessão. Durante o governo FHC estas, devido a restrições de orçamento, em função da política de privatização do setor, não realizaram novos estudos. Para suprir esta lacuna, este papel foi atribuído à ANEEL.

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Contudo, como não se tratava de uma de suas principais atribuições e também devido a problemas de dotação orçamentária deste órgão, os estudos de inventário continuaram estagnados. Esta lacuna de tempo sem realização de estudos de inventário reflete-se até os dias atuais. Tão grave é a consequência, que os grandes projetos dos rios Madeira e Xingu foram baseados em estudos de inventário que remontam à época em que estes eram realizados pelas empresas estatais, tendo sido apenas atualizados. O que se pode observar de positivo neste sentido é que estes estudos acabaram por passar por vários crivos, foram aprimorados no decorrer dos anos e observou-se a crescente preocupação, em cada revisão, de minimizar os impactos ambientais. Isto acabou por levar a uma melhor consolidação destes estudos facilitando sua viabilização de fato, culminando nos grandes projetos de UHEs atuais, como por exemplo as usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte.

Entre as sérias consequências da falta de políticas energéticas de longo prazo para o setor elétrico brasileiro, conforme discutido neste capítulo, estão os resultados dos leilões de energia nova A-3 e A-5 realizados em setembro de 2008. No leilão A-5 de 2008 foram negociados 3.125 MW médios, com contratos de 15 a 30 anos e início de suprimento partir de 2013. Destes, somente 3,9% são provenientes de uma única hidrelétrica, 1,1% procedente de usinas alimentadas por bagaço de cana, 8,8% são originários de uma termelétrica a carvão mineral importado, 22,5% são oriundos de termelétricas a GNL e os 63,7% restantes deverão ser gerados a partir de termelétricas a óleo combustível. Pelo fato de não existir um portfólio de novos projetos de UHEs com licença prévia emitida, os negócios do leilão se deram com base em energia oriunda de fontes não-renováveis.

Desde a sua implantação até 2008, foram negociados, no Ambiente de Contratação Regulado, 17.018 MW médios, em 7 leilões. A Figura 3.8 apresenta a distribuição dos montantes negociados.

Este balanço demonstra ter havido um avanço na participação de fontes fósseis e não renováveis. A energia contratada oriunda de fontes fósseis superou, em muito, as fontes renováveis no período, 37,7 % (hídricas) contra 62,3 % (térmicas sendo 59,9% fósseis).

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A duas únicas entradas representativas de energia hidráulica na composição da matriz de energia elétrica, considerando o novo modelo do setor elétrico até o ano de 2008, foram correspondentes a UHE Santo Antonio (3.150 MW, originalmente) em 2007 e UHE Jirau (3.750 MW, originalmente) em 2008.

Figura 3.8 - Distribuição das fontes de energia negociadas no ACR até 2008 Fonte: ZIMMERMANN, 2008 (elaboração própria)

Os leilões de energia nova de 2009 também apresentaram resultados pífios em relação a hidreletricidade em especial. Houve contratação de 1805,7 MW de eólicas como energia de reserva. No 8º leilão (A-3), realizado em 27/08/2009, apenas dois empreendimentos comercializaram energia: uma PCH e uma UTE a bagaço de cana-de-açúcar. O 9º leilão (A-5), previsto para 21/12/2009, foi cancelado devido à ausência de ofertas de UHEs.

Os leilões de energia nova de 2010 apresentaram melhor desempenho no que concerne à energia hidráulica, uma vez que incorporaram a UHE Belo Monte. O 10º leilão (A-5), realizado em 30/07/2010, envolveu a entrada de 809 MW de potência hidráulica, distribuídos entre 4 PHCs e 3 UHEs. Ainda em 2010 foi realizado o 2º leilão de fontes alternativas, em 26/08/2010. Os empreendimentos que lograram êxito foram: 5 PCHs (101 MW de potência instalada e

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62,4 MWmed de garantia física), 1 UTE a bagaço de cana (65 MW de potência instalada e 36,5 MWmed de garantia física), 50 usinas eólicas (1.520 MW de potência instalada e 658,5 MWmed de garantia física).

No ano de 2011, os resultados foram novamente pouco significativos para a hidreletricidade nos leilões de energia nova, com a incorporação de apenas uma nova UHE (UHE São Roque - 135 MW). Observa-se a maciça participação da energia eólica, seguida pelo gás natural e pela biomassa. O leilão A-3 incorporou a ampliação da capacidade instalada da UHE de Jirau em 450 MW; esta última não pode ser considerada uma nova UHE, uma vez que as licenças ambientais, etapa mais crítica do empreendimento, já se encontravam emitidas. Os contratos de energia eólica equivaleram a aproximadamente 1.067 MW. A biomassa participou com 4 UTEs totalizando 197,8 MW (bagaço de cana-de-açúcar). O gás natural teve participação significativa neste leilão, com entrada de 1.029 MW (2 UTEs). No leilão de energia renovável complementar (LER), houve a contratação de 951 MW de eólicas, 267 MW em biomassa de cana-de-açúcar (4 UTEs) e 30 MW em biomassa de cavaco/resíduo de madeira (1 UTE). No leilão A-5 houve a entrada de 135 MW de hidreletricidade (UHE São Roque), 976,5 MW de energia eólica e 100 MW de biomassa cana-de-açúcar (2 UTEs). Novamente aqui se verifica a ausência de um portfólio de novos projetos de UHEs, o que resultou na contratação de grande quantidade de energia eólica, pois o mercado não poderia prescindir de ser atendido.

Além de ter havido o aumento da participação das UTEs a combustíveis fósseis na oferta de energia elétrica, há ainda a questão de que este aumento foi, majoritariamente, de UTEs “mais caras”. Este fato está relacionado à forma como estas são classificadas e remuneradas. Deve-se considerar que, ao realizar uma análise de viabilidade econômico-financeira de um empreendimento, o empreendedor considera fatores tais como: investimento inicial, custos com operação e manutenção, a venda de energia elétrica e, no caso de usinas térmicas, o custo do combustível. O objetivo básico, neste sentido, é a obtenção do maior lucro possível, ou seja,

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remuneração do capital a níveis compensadores (taxa de retorno ou TIR33 em relação à TMA34) e o menor payback35 possível (SA JUNIOR e AZEVEDO, 2002).

As usinas termelétricas são classificadas em termelétricas de base (TBs) e termelétricas complementares (TCs). As TBs requerem maior investimento, mas possuem custo variável unitário (CVU)36 mais baixo, quando comparadas às TCs. As TCs, por sua vez, demandam menor investimento e menor tempo de construção, mas apresentam maior CVU. As TCs normalmente são contratadas na modalidade “disponibilidade de energia” e, quando despachadas, seus custos variáveis são arcados pelo pool de agentes que adquiriu a energia desta usina, desonerando o investidor destes custos. Portanto, os investidores podem estipular uma receita fixa relativamente menor para estas usinas. Os investidores em TBs, quando participam de leilões com contratações na modalidade “disponibilidade de energia” precisam estabelecer receitas fixas maiores para estas usinas, para remunerar investimentos maiores, em comparação com as receitas fixas das TCs.

As TCs tem pouca chance de serem despachadas pelo ONS, pois em condições hidrológicas regulares, o que ocorre na maioria dos períodos, sua posição na ordem de mérito é bastante baixa (CVUs elevados). Já as TBs, por possuirem CVUs mais baixos, tem maiores chances de serem despachadas pelo ONS.

Logo, há uma tendência de se beneficiar, na contratação na modalidade “disponibilidade de energia”, usinas com receita fixa mais baixa, porém custo variável mais elevado. Esta constatação, aliada à tendência às crescentes dificuldades para implantação de UHEs, potencializa o problema e, nada sendo feito para resolvê-lo ou ao menos mitigá-lo, os impactos nas tarifas ocorrerão, inexoravelmente.

33 A Taxa Interna de Retorno (TIR) é a taxa necessária para igualar, em termos de valor presente, o investimento

requerido, com os seus respectivos retornos futuros, ou saldos de caixa. Na análise de investimentos ela significa a taxa de retorno de um projeto.

34 A Taxa Mínima de Atratividade (TMA) é uma taxa que representa o mínimo que um investidor se propõe a ganhar

quando faz um investimento, ou o máximo que um tomador de dinheiro se propõe a pagar quando faz um financiamento.

35 Payback, ou tempo de retorno, é o período de tempo necessário para que um projeto recupere o capital investido. 36 O CVU engloba todos os custos operacionais do empreendimento, exceto aqueles considerados na formação da

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3.10. As emissões de CO2 no setor elétrico brasileiro

No Brasil, a geração de eletricidade representa um percentual bastante reduzido das emissões de CO2 em relação ao total. O setor de energia como um todo é responsável por 23%

das emissões, segundo dados de 2004. A parcela do setor elétrico representa apenas 2,5% do total. Desta forma, para se conseguir atacar o problema do CO2 com resultados efetivos, não é no

setor elétrico que os recursos para redução de CO2, que são limitados, necessitam ser aplicados.

Na Figura 3.9 estão detalhados os percentuais de participação nas emissões de CO2 dentro do

setor de energia.

Diretrizes objetivando reduções nas emissões de gases de efeito estufa podem trazer repercussões econômicas e financeiras de grande monta. Para o setor de energia, caso se estipule, por exemplo, uma meta de redução de 1,7 Gt de CO2, o volume de incentivos necessários atinge

US$143 bilhões. Para se alcançar o mesmo montante de redução, no que se refere ao uso da terra e desmatamento, o volume de incentivos é de US$46,8 bilhões, ou seja, 13,5 vezes menor (CALOU, 2009).

Figura 3.9 - Emissões de CO2 no Brasil e suas principais fontes

Fonte: VENTURA, 2009 (elaboração própria)

O estudo realizado pelo World Resources Institute denominado Climate Analysis

Indicators Tool (CALOU, 2009) aponta que o Brasil ocupa a 96ª entre os países, no que concerne

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comparação qualitativa as emissões do Brasil encontram-se no nível de 0,3 tCO2equ/hab.,

enquanto outros países com nível de desenvolvimento econômico semelhante estão em um patamar bem superior, por exemplo: México (1,6 tCO2equ/hab.), China (2,0 tCO2equ/hab.), África

do Sul (4,5 tCO2equ/hab.), Rússia (6,5 tCO2equ/hab.). Mencionando os países mais desenvolvidos a

diferença se torna ainda mais significativa: Canadá (5,9 tCO2equ/hab.), EUA (9,3 tCO2equ/hab.),

Austrália (11,6 tCO2equ/hab.).

Outros exemplos de políticas que contrapõe as metas de redução nas emissões de CO2 é o

estímulo à venda de automóveis, por intermédio de incentivos fiscais, e a atenção insuficiente às vias modais de transporte em larga escala com baixa emissão de GEE, a exemplo das hidrovias e ferrovias. Na Figura 3.10 está apresentada uma comparação entre os modais hidroviário, ferroviário e rodoviário considerando impactos ambientais, custos (representado pelo consumo de combustível) e eficiência energética. É nítida a desvantagem em privilegiar o meio rodoviário de transporte tanto de vista do ponto socioambiental como econômico e técnico.

Onerar o consumidor brasileiro, sabendo-se que existem aqui milhões de pessoas que não tem sequer uma geladeira, com programas de redução orientados para o setor elétrico é no mínimo um contrassenso, dada a baixa participação deste setor nas emissões de CO2.

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Figura 3.10 - Comparação entre os modais de transporte de carga sob aspectos ambientais, custos e eficiência energética37

Fonte: BARBOSA, 2007 (elaboração própria)