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Capítulo 2. QUALIDADE E GESTÃO DA QUALIDADE

2.1 Qualidade

2.1.3 A gestão da Qualidade

2.1.3.2 A Gestão Estratégica da Qualidade

‘Vantagem competitiva’ e ‘estratégia’ são duas expressões que entraram definitivamente na linguagem dos negócios, tendo vindo a adquirir um cunho de familiaridade junto de quem tem a responsabilidade de gerir organizações. Quem as conhece e usa nas actividades diárias sabe certamente que o seu real significado é hoje indissociável da qualidade. ‘A qualidade tem impacto decisivo na sobrevivência da organização’ (Paladini, 2006) não é uma frase promocional, poder-se-ia dizer uma criação de marketing, mas o reflexo de uma constatação acerca do macro ambiente (geral) e micro ambiente (de tarefa) em que existem as organizações: a elevada concorrência entre elas e as exigências e constantes mutações das necessidades dos clientes demonstram que a sua sobrevivência não está exclusivamente dependente das melhorias desenvolvidas nos processos e operações, que factores externos às dinâmicas organizacionais interferem com os resultados do desempenho, em suma, que qualidade é também domínio pelo conhecimento e acção no plano de um amplo, acelerado e multifacetado mercado. Não obstante a polémica que possa suscitar, facto para que Paladini (2006) nos chama a atenção66, uma nova definição começa a ouvir-se, fazendo eco das actuais percepções: ‘ qualidade é uma relação da organização com o mercado’ (Paladini, 2006). Isso quer dizer que sobrevivência organizacional deverá entender-se como evolução (=crescimento contínuo). Conforme sublinha este autor, ‘esta seria a

66 Paladini (2006) de certo modo desvaloriza essas vozes críticas, relembrando o teórico Tagushi, cuja conhecida afirmação (‘qualidade é a minimização das perdas impostas à sociedade’) já preconizava a relação qualidade-sociedade.

componente «temporal» do conceito’, porque qualidade não pode já conceber-se independentemente das mutações que necessidades, gostos, preferências e atitudes sofrem ao longo do tempo.

Dir-se-á, neste sentido, que a qualidade, ela própria, carece de um enquadramento

estratégico, e isso quer dizer a adopção de uma perspectiva estratégica. Conforme

Paladini (2006) nos explica, uma perspectiva é uma representação da realidade que ‘leva em consideração a posição de cada objecto no conjunto analisado (…). Por tratar- se de uma visão de conjunto, a perspectiva mostra os objectos como vistos de longe, ou de cima, ou seja, no seu contexto como um todo’. O mesmo autor acrescenta que, por seu turno, o adjectivo ‘estratégico’ caracteriza a visão que a organização constrói sobre a sua inserção num ambiente, possuindo uma vertente espacial na qual se observa a si mesma como todo social e em interacção permanente com os elementos coexistentes, bem como uma vertente temporal que lhe permite representar as mutações sociais, psicológicas, demográficas, políticas, económicas, tecnológicas, entre outras, que irão condicionar as suas formas de actuação futura.

Da relação entre uma e outra coisa resulta a perspectiva estratégica da qualidade, i.e. a

‘colocação da qualidade num contexto amplo, em geral de longo prazo, em que a qualidade não é vista de forma isolada, mas inserida num modelo em que se consideram os aspectos essenciais da sobrevivência da organização e de como a qualidade os afecta ou é por eles influenciada’ (Paladini, 2006).

Já em Gryna (2001) o mesmo conceito vem assim definido:

‘(…) é o processo de estabelecer objectivos a longo prazo orientados para os clientes e definir a abordagem para alcançar esses objectivos. A gestão estratégica da qualidade torna-se uma parte integrante do plano estratégico global de uma organização e é desenvolvido, implementado e conduzido pela gestão de topo.’

Quando comparadas, observa-se que as duas visões se complementam. A primeira centraliza a ideia de contexto geral, ao qual confere igualmente uma dimensão temporal, e a reciprocidade da influência organização-ambiente, enquanto a segunda reflecte, de uma forma mais evidente, as funções e os actores característicos da gestão estratégica –

definir objectivos, integrar a qualidade no planeamento global da organização, liderança de topo.

Muito relevante na análise de Paladini (2006) é a sua chamada de atenção para uma das condições da adopção de uma visão estratégica da qualidade, e que veio consolidar a linha de investigação seguida neste trabalho. Fala-nos Paladini (2006) de um conceito

consistente da qualidade, que apenas a visão estratégica pode contribuir para estabelecer.

Significa ele a crença na qualidade como valor. Dito de outro modo, a implicação desta asserção é o entendimento de há mudanças que se impõem às organizações, que passam pela assumpção de novos modelos de pensamento e de um novo corpo de crenças, de que os comportamentos e posturas seriam somente a sua consequência natural.

Uma terceira visão dá expressamente conta de como o enfoque estratégico se traduz na relação da qualidade com o mercado:

‘a qualidade, na gestão estratégica, é definida em relação aos concorrentes e não a padrões fixos e internos. São os clientes e não os departamentos internos que determinam se um produto é aceitável ou não. Assim, a preocupação com as especificações passou a ser secundária e só pode ser tratada após cuidadosa identificação das necessidades dos usuários. E se assim não fosse, a excelência do controlo do processo teria pouca vantagem, pois ficaria facilmente desviada do seu real foco: as necessidades dos clientes’ (Oliveira, 2004).

Neste passo, Oliveira (2004) opta por caracterizar a gestão estratégica da qualidade referindo dois pontos essenciais:

a relação de dependência que a qualidade mantém face à concorrência e a relação de dependência que a qualidade mantém face aos clientes.

À luz desta muito abrangente concepção de qualidade, as organizações vêem-se condicionadas a desenvolver atitudes de abertura ao exterior, quer dizer, a tomar posição proactiva face ao mercado, mediante investimento na inovação e monitorização constante do seu ambiente global.

Note-se que Paladini (2006) centra a sua perspectiva em torno da noção de qualidade como adequação ao uso, argumentando que esta via converge para o entendimento de

que a qualidade é simultaneamente evolução (dimensão temporal) e multiplicidade (dimensão espacial), porque tanto sofre alterações conceptuais ao longo do tempo como envolve simultaneamente inúmeros aspectos (preço, características operacionais, processos, padrões de eficiência…). A interpretação da qualidade à luz destas duas dimensões, que a definição de adequação ao uso integra, capacita as lideranças para ‘estender o seu raio de acção para além do ambiente de consumo, envolvendo a sociedade como um todo’ (Paladini, 2006).

Quadro 2.3: Princípios de Acção da Gestão Estratégica da Qualidade

Princípios de Acção da Gestão Estratégica da Qualidade

Gryna (2001) Paladini (2006)

1. Focalização nas necessidades dos clientes 1. Orientação das acções da organização para atender e superar as expectativas do mercado 2. Melhoria contínua de todos os processos da

organização 2. Determinação do que sejam as condições de uso de um produto 3. Compreensão do cliente-alvo, do mercado e

das condições operacionais 3. Ênfase na análise ampla do produto

4. Liderança da gestão de topo 4. Diversidade de itens em produtos e processos conforme os múltiplos usos do produto

5. Tradução e desdobramento das estratégias nos

planos anuais de negócios 5. Juízo de valor sobre o produto (é relevante para o produto o que é relevante para o cliente) 6. Adequação de recursos à obtenção de

vantagem competitiva 6. Utilização de bases quantitativas para avaliação do produto. (Fonte: Gryna, 2001 e Paladini, 2006)

A gestão estratégica da qualidade é, na sua essência, um processo de planeamento, mas, ao contrário do que sucede ao nível operacional, aponta para uma visão global da própria organização e do seu posicionamento futuro no mercado. Segundo Gryna (2001), trata-se de um processo desdobrável em oito etapas, requerendo um pleno protagonismo da gestão de topo.

Na Figura 2.12 encontra-se representada a ligação da organização ao meio imediato e mediato, em posição charneira que faculta a passagem da missão à visão. É neste ponto de transição que o presente, o estado em que ela se encontra, dá lugar ao futuro, o cenário em que ela se projecta. A visão de futuro perspectiva-se na sequência da interpretação que se efectua sobre um amplo conjunto de variáveis. No que toca especificamente às questões da qualidade, sublinha Gryna (2001) que quatro vertentes se destacam: custo da má qualidade, posição no mercado em matéria de qualidade, cultura da qualidade actual e sistema da qualidade actual.

A dimensão estratégica da qualidade reveste-se de cada vez maior importância à medida que a mudança e a crescente concorrência devêm a tónica dominante. Em termos de planeamento da qualidade, o que estará em causa será a capacidade para as organizações estruturarem e estenderem a sua actuação à totalidade das suas dimensões e níveis, tendo simultaneamente em conta todo um complexo conjunto de variáveis. A responsabilidade da gestão de topo, que toda a literatura reputa como imprescindível para a orientação estratégica, ganha renovada visibilidade, nos sucessos como nos fracassos. Factores concorrentes para a perda de vantagens competitivas associadas à qualidade encontram-se certos hábitos e práticas das lideranças executivas cuja manifestação se deve ora a preconceitos da mais variada ordem, ora, simplesmente, a má gestão. Num caso como noutro, falta compreender o actual valor estratégico da qualidade.

Figura 2.12: Etapas do Processo de Gestão Estratégica da Qualidade

(Fonte: Elaboração própria a partir de Gryna, 2001)

1. Definir a missão

2. Elaboração de uma análise SWOT

3. Definir uma visão

4. Desenvolver estratégias-chave

5. Desenvolver objectivos estratégicos

6. Desenvolver planos e projectos operacionais

7. Providenciar liderança executiva

8. Rever progresso Qual é o nosso negócio

actualmente?

Qual será o nosso negócio no futuro?

Ambiente interno e externo

Criar uma learning organisation Ganhar Lealdade e Retenção do Cliente

Ganhar o Baldrige Award

Desenvolver ratio qualidade/preço…. Desempenho do produto

Desempenho competitivo Melhoria da qualidade Custo da má qualidade Desempenho dos processos Satisfação do cliente

Lealdade e retenção do cliente

Deployment Conselho da Qualidade

Comunicação Top-Down e Bottom-Up

Quantificação, Avaliações e Auditorias / Balanced Scorecard