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A GLOBALIZAÇÃO E O BRASIL A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO

No documento 01. Apostila de Atualidades (páginas 61-63)

Bem, vamos fazer uma pequena viagem no tempo e lembrar das cenas de trabalhadores quebrando as máquinas que pareciam escravizá-los às primeiras fábricas, na Grã-Bretanha do início do século XIX, durante a 1ª Revolução Industrial. Mais adiante, quem não assistiu a um filme sobre os milhões de imigrantes europeus zarpando para a América, em geral expulsos do campo por conta da mecanização da agricultura, no início do século XX, e que se aglomeravam em guetos sórdidos de Nova York. Lá, esperavam “fazer a América”, encontrando do outro lado do Atlântico o trabalho que haviam perdido na Europa da 2ª Revolução Industrial. No Brasil, dezenas de milhões de pessoas têm histórias a contar sobre avós e bisavós desembarcando no porto de Santos, em busca da (improvável) felicidade nos campos de café ou nas fábricas têxteis.

Pois a 3ª Revolução Industrial – o coquetel entre desenvolvimento tecnológico acelerado, o fim do bloco socialista (que desorganizou a economia em uma larga porção do globo), a liberdade absoluta do capital e a reorganização produtiva em escala jamais vista também jogou para o alto a vida estável de imensas multidões. Como ocorreu com a 1ª e a 2ª Revoluções industriais, a Globalização que vivemos representou a transferência brutal de riquezas de uma parte da sociedade, em direção ao grande capital financeiro, que, via investimentos – principalmente nas bolsas de valores –, fornece às empresas os recursos necessários a um desenvolvimento cada vez maior e a uma competição cada vez mais acirrada. Como também ocorrera nas Revoluções Industriais anteriores, a Globalização trouxe novas oportunidades para muita gente. E trouxe a miséria e o desespero para uma parte importante dos passageiros do planeta Terra.

O avanço da robotização e da informática reduziu de forma considerável a oferta de empregos na indústria. Observemos o caso de alguns países desenvolvidos. O Japão tinha, em 1980, 35,3% da População Economicamente Ativa (PEA) alojada no setor industrial. Nove anos depois, a fatia caíra para 34,3% e, em 2000, representava 31,2%. Na França, o tombo foi ainda maior, de 35,9% (1980) para 30,1% (1989) e 24,5%, em 2000. Pode-se imaginar o que representa o fechamento de uma fábrica, ou a substituição de centenas de empregos, para regiões que sempre viveram ao redor dessa atividade. O filme inglês Ou tudo ou nada, que ganhou um Oscar, narra a desagregação de uma pequena cidade, na qual gerações de trabalhadores ganharam a vida em uma mesma fábrica, que fecha as portas.

Economistas liberais argumentam que a 3ª Revolução Industrial/Globalização pode destruir empregos ali, mas os cria acolá. Por exemplo, no setor de serviços. É verdade que parte do sumiço dos empregos industriais deve-se à terceirização de certas atividades, como a alimentação dos trabalhadores, a segurança da fábrica, o marketing e design dos produtos. O processo engrossa o setor de serviços. Acredita-se, inclusive, que o trabalho intangível (design, marketing, jurídico etc) represente, em alguns casos, até 75% do custo final de um produto. No início dos anos 70, apenas os EUA e o Canadá contavam com mais de 60% da PEA no setor terciário (serviços). Em 1990, 12 países haviam rompido essa marca.

Também é fato que a Globalização gerou imensas oportunidades nas áreas de tecnologia da informação ou comércio exterior. Países como a Irlanda, Israel e a Índia encontraram na produção de softwares um novo rumo para o desenvolvimento. A economia irlandesa cresceu 7,7% ao ano entre 1991 e 2000, contra a média de 1,9% registrada

pelos países que aderiram ao euro, a moeda única da União Européia. Isso fez com que a taxa de desemprego entre os irlandeses despencasse de 13% para 4,3% no período.

O governo da Alemanha, de sua parte, ofereceu na virada do século XXI uma quota de dez mil vistos de trabalho para pesquisadores indianos, especializados em tecnologia da informação. E o pólo de alta tecnologia de São Carlos, no interior de S. Paulo, um dos mais importantes da América Latina, oferece grandes incentivos para atrair pesquisadores e engenheiros de outras regiões. Mas estamos falando de exceções, pelo menos até o início do século XXI, quando este texto sai do teclado de um valente computador IBM. A lógica da 3ª Revolução Industrial – redução de custos/aumento da produtividade/desenvolvimento tecnológico/reorganização geográfica da produção – tem implicado a destruição maciça de empregos. “São opções de organização econômica baseadas na maximização da produtividade de uma minoria altamente tecnicizada”, diz o economista Ladislau Dowbor, lembrando que, na era da globalização, convivem workaholics enlouquecidos e multidões de sem-emprego.

Ainda falando sobre os países avançados, a taxa de desemprego na Alemanha, que era quase insignificante, de 0,6% em 1973, pulou para 3,1% em 1979, 7,9% em 1983 e 8,1% em 2000. E no Japão, os 1,3% de desempregados em 1973 transformaram-se em 4,7%, em 2000. A faixa dos europeus que viviam abaixo da linha da pobreza, que era de 11,8% em 1975, chegou a 14% em 1989, representando 44 milhões de pessoas. Outro fator que amplia o desemprego é a pressão dos deserdados das economias periféricas. A desorganização econômica no Leste europeu e na África – onde o fim da ajuda econômica norte-americana, francesa e soviética, dos tempos da Guerra Fria, quando as superpotências disputavam influência política nessas regiões, está levando milhões de pessoas a buscarem a felicidade no 1º Mundo. São legiões de argelinos na França, moçambicanos em Portugal, albaneses na Itália, geralmente executando os trabalhos mais humildes, como clandestinos, sem grandes direitos trabalhistas, em funções que a maioria dos “nacionais” rejeita.

A porcentagem de trabalhadores estrangeiros sobre o total cresceu de 5,9% para 9,3% na Áustria, entre 1990 e 2000; de 0,4% para 2% na Dinamarca, de 0,2% para 2,2% na Espanha e de 7,9% para 10,4 nos Estados Unidos. Não por acaso, em vários desses países, partidos políticos de extrema-direita chegaram ao poder no período, prometendo limitar ou mesmo proibir a imigração. Mas não se trata apenas de analisar o crescimento do desemprego no seio da 3ª Revolução Industrial e sim a mudança do tipo de emprego oferecido e a queda na qualidade de muitos postos de trabalho. Do Welfare State aos McJobs É inegável que a Globalização provocou algumas modificações muito interessantes na estrutura de trabalho. A disseminação da Internet, por exemplo, permite que muita gente trabalhe em casa ou em seu próprio escritório. As terceirizações facilitaram o surgimento de milhões de pequenas empresas – com freqüência mantidas por uma só pessoa –, em áreas de consultoria e assessoria. Com isso, uma legião de profissionais, em geral bastante especializados, passou a depender menos dos humores de um patrão ou do desempenho de uma só empresa, passando a oferecer serviços a diversos clientes e exercendo maior controle sobre seu tempo e seu trabalho.

Também perdeu sentido o empregado-padrão dos tempos do fordismo, da 2ª Revolução Industrial. Aquele trabalhador que executava uma só operação, a mais simples possível para que o treinamento fosse acelerado e a substituição imediata, em caso de necessidade. A 3ª Revolução Industrial exige um tipo de trabalhador participante, com maior nível de escolaridade, que conheça o conjunto do processo produtivo, de forma a poder oferecer sugestões capazes de aumentar a competitividade da empresa. Muitas empresas passaram a oferecer comissões e bônus por produtividade, não apenas aos executivos, como ocorria há décadas, mas a todos os trabalhadores.

Analistas liberais vêem nessa nova era uma relação mais livre entre capital e trabalho, defendendo inclusive a ruptura de normas trabalhistas rígidas. No Brasil, José Pastore, um dos mais sólidos representantes da corrente liberal da sociologia, afirma que “tecnologias que enfrentam leis trabalhistas inflexíveis, mais destroem do que geram empregos”. Em um texto escrito em 2000, Pastore observa que, nos EUA pós Ronald Reagan, cada 1% de crescimento no PIB gera um aumento de 0,5% no nível de emprego. Já na Europa, onde as leis são mais rígidas, 1% de progresso no PIB representaria apenas 0,006% a mais em postos de trabalho. Agora, essa é apenas uma das faces da “liberdade” gerada pela Globalização. O outro lado da moeda é a liberdade absoluta do capital que, sem o aborrecimento representado pelo Leste europeu – e pelo medo do inimigo comunista – pode avançar sem entraves. Pode impor suas condições e, por conta do pavor das pessoas diante do fantasma do desemprego e das flexibilizações operadas por governos neoliberais, pode modificar dramaticamente – para pior – as relações de trabalho.

Comecemos pelo desaparecimento de milhões de empregos industriais, em detrimento do setor de serviços e como fruto do desenvolvimento tecnológico. Nos EUA, cada cem postos de trabalho no setor siderúrgico geram 450 empregos em outras áreas. No setor de serviços, cem novos empregos criam 147 outros. Já no comércio, cem vagas abertas têm como conseqüência a oferta de apenas 94 postos. As novas necessidades da produção vêm levando, em todo o mundo, à multiplicação de formas “alternativas” de trabalho. São empregos de meio-período, estágios para jovens, com remunerações baixíssimas (conhecidos nos EUA como McJobs, em referência à casa McDonald’s, que adota bastante essa modalidade), cooperativas de trabalho – para reduzir os impostos e encargos sociais – e mesmo postos clandestinos, sem qualquer garantia.

Na Alemanha, o trabalho independente, por conta própria, saltou de 7,7% para 8,4% da força de trabalho, entre 1983 e 1989. Na Grã-Bretanha pós-Thatcher, os 15,4% de empregados em tempo parcial de 1979 viraram 17,6%, dez anos depois. E nos Estados Unidos, o crescimento foi de 14,4% para 16,9% no mesmo período.

A França viu o número de trabalhadores em tempo parcial crescer de 1,5 milhão, em 1982, para 2,2 milhões em 1989. No total, o número de franceses absorvidos pelas “novas formas de trabalho” cresceu de 2,02 milhões em 1982 para 3,4 milhões, em 1989. Na década seguinte, o processo apenas se aprofundou. Em 2000, exerciam trabalho em tempo parcial 26,2% dos australianos (contra 22,6% em 1990), 17,6% dos alemães, 12,2% dos italianos (8,8% em 1990) e 23,1% dos japoneses (19,2%), segundo a OCDE.

Pode-se perguntar: “mas e a resistência às mudanças mais violentas, levando-se em conta que estamos falando em países desenvolvidos, onde o sindicalismo tem força, tradição?”. Acontece que a liberdade quase absoluta do capital só foi possível após os sérios golpes vibrados contra o sindicalismo na Europa e Estados Unidos, na década de 80. O fim da Guerra Fria também destruiu parte do conteúdo ideológico que alimentava a disputa entre as centrais sindicais – principalmente na Europa Ocidental. E os efeitos da globalização – leia-se a terceirização, a transferência de atividades para o setor de serviços, a reorganização espacial da produção e a disseminação das novas formas de trabalho dificultaram imensamente a atividade sindical. Grandes ações, como greves em plantas fabris gigantescas tornaram-se, com freqüência, inviáveis, devido à crescente fragmentação das operações.

A taxa de sindicalização nas sete maiores economias do mundo, então, caiu de 32% em 1980 para 27% em 1985 e 25%, três anos depois. O fato é que a Globalização está abalando seriamente (alguns analistas acham, inclusive, que vai eliminar) o “pacto social-democrata”, estabelecido após a 2ª Guerra Mundial na maior parte dos países desenvolvidos. Leia-se a combinação entre crescimento econômico, emprego à disposição, salários e direitos sociais razoáveis. O caso do Japão é notável. Ali havia, há meio século, uma espécie de pacto social à base do emprego quase vitalício, em troca de uma ação “colaborativa”, menos questionadora, do movimento sindical. Um pacto tão aceito que, em 1991, foram iniciados apenas 2.172 processos trabalhistas no país, contra quase 400 mil na Alemanha... Pois pela primeira vez desde a 2ª Guerra, os japoneses têm de conviver com o desemprego, ainda que em níveis muito mais baixos do que na Europa ou nas economias em desenvolvimento. E, desta vez, não há o “perigo comunista” a justificar concessões sociais e trabalhistas para manter o país sob o guarda-chuva do capitalismo.

A Globalização vem gerando um fenômeno duplo e complementar. De um lado, um núcleo econômico moderno e dinâmico, que oferece empregos de alta qualidade. Citemos o caso das grandes empresas transnacionais, que geram cerca de 75 milhões de postos de trabalho diretos – 12 milhões dos quais nos países em desenvolvimento.

Para muitos dos passageiros desse núcleo, a flexibilização das formas e regras do trabalho é bastante positiva, uma vez que permite melhores remunerações e, talvez, melhor qualidade de vida. Mas para quem está do lado de fora desse núcleo moderno, a Globalização tem significado o aumento da exclusão, a distância maior do emprego formal, a dificuldade de recolocação profissional (principalmente quando o trabalhador é mais velho ou, muito jovem, ainda não chegou ao mercado), o recurso a formas mais precárias de trabalho, aos bicos e mesmo à delinqüência. Essa dicotomia entre núcleos modernos e enclaves do atraso se verifica nas relações entre países, dentro de um mesmo país, entre regiões e até na mesma cidade. Para os analistas liberais, a tendência é de que a modernidade vá, gradualmente, se impondo e contaminando positivamente as sociedades. Até agora, porém, o que se vê é exatamente o contrário. Sob o império da “mão invisível”, da liberdade quase absoluta do capital, que se impôs com a Globalização e o fim da Guerra Fria, as fraturas só têm crescido.

Fonte: http://www.clubemundo.com.br/revistapangea

No documento 01. Apostila de Atualidades (páginas 61-63)