• Nenhum resultado encontrado

Apontamentos e memórias: quando a história individual se entretece com a coletiva e

2- A graduação, o ingresso na pesquisa acadêmica e a atuação na formação de professores

O percurso inicial da minha atuação pedagógica, marcado pela confusão a que outros docentes mais desmotivados provocava, hoje me faz relembrar do que Tardif (2006, p. 103) explica sobre a configuração de saberes docentes:

[...] um professor ‘não pensa somente com a cabeça’, mas ‘com a vida’, com o que foi, com o que viveu, em termos de lastro de certezas. Em suma, ele pensa a partir de sua historia de vida não somente intelectual, no sentido rigoroso do termo, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.

Na graduação, encontrei os constructos que me ajudaram a pensar a sala de aula como espaço onde a história emocional, afetiva, pessoal e interpessoal dos alunos emergia nos momentos em que os conteúdos conceituais eram os mais trabalhados.

Nas Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, no primeiro período do curso de licenciatura em Letras, encontrei a professora Gilberlande Pereira, pessoa que investiu atenção para orientar meus primeiros passos na pesquisa acadêmica. Sob a cuidadosa orientação dela comecei a fazer parte do Programa de Iniciação Científica (PIC – FAINTVISA), a trabalhar como monitora na faculdade, a desenvolver, junto a minha grande amiga-irmã Alexsandra Karla, o projeto: “Estudo da ambiguidade discursiva em textos publicitários nacionais”. Fui simplesmente enlaçada pela linguística, foi paixão a primeira leitura nesse campo de estudos. Até esqueci a minha obsessão pela matemática, física e química.

Gil, carinhosa e firme, orientou Alê e eu a participarmos do II ECLAE – Encontro de Ciências da Linguagem (2003), em João Pessoa/PB. Inscrevemos, então, o trabalho “Estratégias de Leitura e Produção Textual: o caso da ambiguidade discursiva em textos publicitários nacionais”. Nessa comunicação oral apresentamos uma análise parcial dos resultados obtidos na pesquisa efetivada no PIC.

A experiência no II ECLAE foi ímpar: primeiro congresso, primeira pesquisa, primeiro contato com renomados pesquisadores na área da linguagem e o incentivo de outros tantos estudiosos que assistiram/participaram das apresentações trazendo contribuições.

O olhar cúmplice da minha querida orientadora, minha mãe científica, como ela costuma se nominar, foi a maior energia que precisei para seguir com determinação. A sistematização, a agudez no olhar, o estudo do discurso por traz

do discurso, o fascínio pela língua e pela linguística foram, através do

direcionamento de Gilberlande, cristalizando-se em procedimentos de estudo e de pesquisa.

Esses primeiros trabalhos foram crisálidas que cresceram e desabrocharam ao longo do curso de Letras e das atividades formativas e laborais que ocorreram concomitantes. Cheguei ao 2º período do curso, fascinada pela leitura, pela linguística e desafiada pelo latim, pela teoria da literatura; entre as reticências de Clarice Lispector, sob as diretrizes da inesquecível Jacineide Travassos, estive emaranhada na teoria da literatura, de tal sorte que os trabalhos que eu apresentara eram prestigiados por alunos que já estavam em períodos mais avançados.

Num desses seminários, conheci o amigo Alberto, ele dizia que admirava a arte da palavra e da simplicidade. Beto e eu passamos a discutir e a produzir literatura, fazíamos viagens no tempo, nas artes, nas letras. A escrita era uma prática necessária, inquietante, jorrava entre os meus dedos, por entre os meus poros. Eu nem imaginara que alguns anos depois, estaria naquela mesma sala orientando alunos do curso de licenciatura em Letras a perceberem a natureza insubordinada das palavras.

Chegando ao 2º ano do curso, conheci Hugo Monteiro. Ele trouxe não apenas uma perspectiva ampla do entendimento do que é a leitura, a escritura, a literatura, mas do que é a pessoa humana que produz e é produzida na e pela linguagem. Hugo, após algumas aulas, chamou-me para trabalhar num projeto com formação docente.

Novamente eu estava de frente a uma nova porta, um convite para trabalhar com uma das pessoas que mais admiro, era muita responsabilidade. Pensei: trabalhar com formação docente, como? Eu ainda estou na graduação. E a escola?

Tive receio de não conseguir. A timidez era grande. Mas aceitei o convite para trabalhar num projeto de leiturização, no município do Cabo de Santo Agostinho. Hugo foi meu professor, é meu amigo, desde que o conheci tenho aberto portas a partir dos ensinamentos que ele me traz.

Hugo organizou um grupo de estudos, Neelij – Núcleo de Estudos da Leitura e da Literatura Infanto-Juvenil, no qual participavam Palove, Poliane, Mariano, eu e vez ou outra algum convidado. Esse grupo de inesquecíveis amigos e de profissionais sérios também trabalhava no projeto de leiturização. Primeiro, participamos do projeto assessorando o Hugo nas ações que ele elaborava e efetivava para os momentos de formação continuada dos professores das quatro regionais do Cabo de Santo Agostinho. Depois, sob as orientações dele, começamos a visitar as escolas e a efetivar os encontros.

Nas reuniões do Neelij conheci a transdisciplinaridade, a ludicidade, a criticidade, a fases e faces da literatura infanto-juvenil. Registrava as aprendizagens, as questões, as reflexões num caderno verde. Hugo sempre nos ouvia com atenção, tínhamos liberdade para criar, construir, partilhar; abraçamos a meta de ler o maior número possível de livros literários por semana e de pensar caminhos, a partir da literatura infanto-juvenil, para auxiliar as professoras a utilizar os constructos teóricos das estratégias de leitura, da teoria do scaffolding (GRAVES & GRAVES, 1995;

SOLÉ, 1998), da transdisciplinaridade na elaboração de planos de trabalho que primavam pela leiturização dos alunos.

Nos encontros com professores inseridos no projeto de leiturização, trazia a minha prática pedagógica para exemplificar o que dizia a teoria. Muitos professores abraçaram o projeto, demonstravam interesse, compromisso, responsabilidade, criatividade, desejo de aprender e traziam suas frustrações, diziam-se sozinhos.

Como frutos desse trabalho, tínhamos professores engajados no objetivo de possibilitar a alfabetização e o letramento dos alunos através da arte da palavra, a literatura. Para socializar os tantos projetos e sessões de leitura efetivados pelos professores, Hugo, a secretaria de Educação do Cabo e a ONG PLAN Internacional do Brasil organizaram o 1º Simpósio sobre Educação e Leitura no município do Cabo de Santo Agostinho, no período de 03 a 07 de novembro de 2003.

Naquela ocasião, participei pela primeira vez de uma mesa de debates, fazia aquela expressão de que estava tudo no mais absoluto controle, mas a timidez dos primeiros cinco segundos e o desejo de dizer tudo que eu vivera na efetivação do projeto me faziam transpirar. Abordei o tema “Poesia para crianças: o brincar com a linguagem”. Nesse evento conheci as autoras Eliana Yunes e Lenice Gomes. Lembro-me da Eliana afirmando que “só aprendemos as coisas que são filtradas pelo coração, aprendemos DE COR aquilo que nos toca a alma”. Lenice, por sua vez, fisgava a atenção de todos com uma contação de histórias e me despertou o desejo de também tomar a palavra e espalhar histórias no ar.

Nesse mesmo período, a FAINTVISA organizava a 1ª Semana de Estudos Integrados (18 a 21 de novembro de 2003), eu participei apresentando trabalhos na modalidade de comunicação individual, com o tema “Poesia para Crianças - um diálogo entre a teoria e a prática” e na modalidade de comunicação coordenada, com o trabalho “O texto Publicitário nacional – Uma análise das ambiguidades”. A professora Gilberlande Pereira tinha assumido a coordenação do curso de Letras.

Na faculdade, Hugo, Gil, Maria Lúcia, Jacineide, Zezinha, Verônica Campos começaram a me incentivar a começar a estudar para fazer o curso de mestrado. Uma confusão: cada um me estimulava a seguir uma área: Linguística, Teoria Literária, Educação.

Maria Lúcia começou a me acompanhar, solicitando atividades extras de leitura, fichamentos e a construção de um possível objeto de pesquisa. Malu e eu nos tornamos amigas-irmãs.

O ano de 2004 foi então um ano de muitas mudanças: eu comecei a trabalhar na escola Recanto, em Recife, continuava no projeto de leiturização, era monitora da disciplina “Leitura e Produção Textual”, ministrada por Hugo, participava no Neelij, do PIC - FAINTVISA como monitora da professora Gilberlande. Doação de mente, de corpo e de espírito às atividades formativas e laborais.

Na Escola Recanto comecei a trabalhar em salas regulares, experienciava toda a liberdade de conduzir o trabalho pedagógico consoante as diretrizes da pedagogia freinetiana. Foram quatro inesquecíveis anos de trabalho, interrompidos quando ingressei como professora na escola pública, período em que já tinha sofrido o processo de desconstrução proposto pela filosofia da inclusão. Eu vivia o conflito de quem estava aprendendo a ver, a vivenciar o difícil processo da auto e da hetero- avaliação de atitudes.