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Barreira Atitudinal: gênese, conceituação e taxonomia

1. Atitudes diante das pessoas com deficiência: construindo a taxonomia

A atitude é um processo fortemente influenciado por predisposições genéticas e elementos fenotípicos oriundos dos discursos construídos, disponíveis ou nutridos pela sociedade. (ATKINSON et. al., 2002).

Esses discursos materializados nas relações sociais tendem então a moldar atitudes no processo de interação ou de interatividade. De um lado, a interação é

definida por Laplane (2000) como uma cena que envolve dois ou mais indivíduos os quais exercem influência recíproca. De outro, a interavidade é definida por Coll (2004) como o salto teórico e metodológico da interação, situado no âmbito do ensino, e que é regulada de acordo com o conjunto de normas e regras as quais determinam dizeres e fazeres na estrutura de participação que preside a atividade conjunta de professor e alunos.

Quando os alunos têm alguma deficiência, as atitudes e o discurso do professor tendem a materializar, durante a interatividade, compreensões, afetos e comportamentos esteados na representação que se tem da deficiência e da pessoa que a possui. Por exemplo, numa pesquisa sobre a inclusão de alunos com deficiência na representação social das professoras, uma das profissionais entrevistadas por Rodrigues (2007, p. 113) afirmou:

Muitas coisas eu aprendi no esforço, no dia a dia. Porque formação mesmo... Eu fico com medo. Quando eu falo medo nesse sentido. Nesse ano eu peguei um aluno considerado com deficiência bem leve. É um menino que praticamente você faz esse jogo de tá reforçando, reforçando. Mas se eu pegar um aluno com deficiência visual como é que eu vou trabalhar essa questão? Meu medo é esse. Porque tudo que eu aprendi, aprendi né? Na prática, tem que fazer, eu fui lá e fiz.

O medo de não saber como interagir com o aluno com deficiência, o reconhecimento de que aprendeu com a prática e o entendimento de que a educação desse aluno se dá pelo reforço demontram, por exemplo, as dimensões cognitiva e comportamental da atitude do professor. Nesse caso, é relevante refletir que a compreensão equivocada sobre o processo de aprendizagem do aluno com deficiência revela a subestimação das potencialidades desse aluno, o que lhe impede a aprendizagem.

A atitude pode ser, portanto, entendida como um processo endógeno que emana para o exterior e traz impactos diretos no processo de construção da identidade individual e grupal dos sujeitos sociais. (ATKINSON et. al., 2002). A atitude pode ser até volátil, razão pela qual alguns discursos, como, por exemplo, o midiático e o pedagógico influenciam, interferem, direta ou subliminarmente, as pessoas no que tange a hábitos, a comportamentos e a ações estimulados pela leitura sócio-histórica da diversidade humana.

1.1- Componente cognitivo das atitudes

O plano cognitivo de uma atitude está relacionado a alguma representação cognitiva de um objeto, pessoa ou evento. As crenças e os demais componentes cognitivos (conhecimento, maneira de encarar o objeto etc.) relativos à pessoa, objeto ou evento alvo de uma atitude podem constituir a base para atitudes preconceituosas, elaboradas a partir de uma série de cognições acerca do elemento, situação ou indivíduo que é objeto de discriminação. (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2009).

Essas cognições são também produzidas através de sistemas simbólicos, fabricados no discurso, por meio da marcação, valoração ou desprestígio das diferenças constitutivas da pessoa humana, do contexto social ou do objeto em foco. (SILVA, 2004).

Ao observar um trecho da entrevista realizada por Rodrigues (2007), pode-se compreender como o componente cognitivo da atitude, manifesto verbalmente, demonstra o modelo médico de compreensão das possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento das potencialidades da pessoa com deficiência

[...] ele não aprende no mesmo tempo que os outros. Não aprende no mesmo tempo que os outros. Eu preciso de um especialista que pudesse me dizer que atividades mais seriam mais apropriadas pra ele? Que atividades seriam essas pra avançar nesse cognitivo dele? E eu não tenho. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 127)

A comparação enfática da desenvoltura dos alunos com e os sem deficiência, a mensuração do tempo e ritmo de aprendizagem, a busca pela padronização são atitudes pedagógicas que estão ancoradas na percepção do déficit como a característica principal do aluno, portanto, o entendimento equivocado acerca das nuanças do processo de aprendizagem e ainda a percepção turva das potencialidades dos alunos conduziram essa professora a crer que apenas um profissional especializado poderia contribuir para o desenvolvimento de saberes e competências.

A professora, sob esse entendimento, retira de si a parcela de responsabilidade com a escolarização do aluno com deficiência, pois, na ausência

do especialista, ela assume não ter condições de orientar o aluno no processo educativo.

Experiências sociais como essa demonstram que é comum as pessoas buscarem a coerência racional das atitudes, através de justificativas, levando até a exaustão argumentos que expliquem negações, rejeições, sentimentos de pesar.

O âmbito cognitivo das atitudes suscita afetos positivos ou negativos e serve como base aos comportamentos, os quais podem se tornar entraves de difícil eliminação no contexto da educação da pessoa com deficiência.

1.2- Componente afetivo das atitudes

A vertente afetiva das atitudes está estritamente relacionada à cognição e corresponde ao segmento emocional, sentimental presente nas atitudes sociais. Rosenberg (1960 apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009) defende que os componentes cognitivo e afetivo das atitudes tendem a ser coerentes entre si.

Assim, considerando que, muitas vezes, a representação cognitiva que a pessoa tem de um objeto social é imprecisa ou até errônea, Rodrigues et. al. (Ibid.) explicam que se a representação é imprecisa, o afeto tende a ser pouco intenso e se errônea, em nada interferirá na intensidade do afeto, o qual será consistente com a representação cognitiva que a pessoa faz do objeto, seja ela correspondente à realidade ou não. Por exemplo, na pesquisa realizada por Albuquerque (2007), quando se perguntou sobre uma palavra representativa do conceito de inclusão de alunos com deficiência, obtiveram-se as seguintes respostas de cinco das professoras entrevistadas:

Porque você tem que ter amor ao próximo, se você não tem amor ao próximo como dar tudo isso? Se não tiver amor, é mesmo que nada. [...]

Para incluir pessoas com deficiência em salas regulares é preciso amor. [...]

Se não tiver amor e dedicação, você não consegue mesmo atingir seu objetivo. [...]

Sem amor não se consegue desenvolver um bom trabalho principalmente nessa área ou em qualquer área. [...]

Porque sem amor você não pode ter dedicação e atenção ao que está fazendo. [...] (ALBUQUERQUE, 2007, p. 137).

Dessas construções verbais, depreende-se que as professoras, esteadas no modelo caritativo de compreensão da pessoa com deficiência, julgam que a inclusão dos alunos com deficiência é muito mais um ato de caridade, de amor, de benevolência do que a efetivação de um direito. O afeto suscitado por esse entendimento pode predispor ações de proteção exacerbada, piedade, exaltação das potencialidades percebidas, instigar as professoras ao elogio desmedido ao aluno pela mínima ação que ele realize etc.

Nesse caso específico, é possível identificar que as cognições em relação ao aluno com deficiência, provoca afetos (piedade, caridade, tolerância) e esses imputam comportamentos que podem se tornar limitantes ao desenvolvimento pedagógico do aluno (e.g. atitudes protetoras que terminam por fixar uma pseudoparticipação do aluno com deficiência no processo de ensino-aprendizagem).

Destarte, nesse contexto pedagógico, é perceptível a congruência entre as dimensões cognitiva e afetiva da atitude. Hovland & Rosenberg (1960 apud RODRIGUES et. al., 2009) explicam que a destruição dessa congruência afetivo- cognitiva é um meio de alterar um desses componentes e possibilitar o movimento de um processo de restauração o qual, sob certas circunstâncias, poderão conduzir a uma reorganização das atitudes, por meio de mudanças no componente previamente alterado e acionado nas relações sociais com o objeto das atitudes.

Assim, é importante considerar que, sob essa perspectiva da reestruturação de cognições para se alcançar a mudança no plano dos afetos e do comportamento social, muitas teorias tem surgido para explicitar caminhos possibilitadores (BRAGHIROLLI, RIZZON, 1994; ATKINSON et.al. 2002; POZO, 2002; PEREIRA, 2002; RODRIGUES et.al., 2009) e vários documentos legislativos, que discorrem sobre os direitos humanos, têm defendido a formação e a informação como bases para a constituição da mentalidade e atitudes includentes. (Declaração de Salamanca, 1994; Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência - ONU, 2006; entre outros).

As atitudes são, portanto, resultantes da experiência de cada pessoa e ao mesmo tempo das representações cognitivas mantidas pela sociedade em relação

aos objetos sociais (e.g. grupos em situação de vulnerabilidade). O caráter pessoal, idiossincrático e volátil das atitudes demonstra que elas são sempre construídas e vivenciadas de modo relativizado, ou seja, “em relação a” um objeto, situação ou pessoa, variando em intensidade, impacto nas relações travadas com o objeto social.

Quando, nas atitudes, as cognições se cristalizam tornam-se de difícil acesso e alteração, adquirem, através da carga emocional, a força motivadora e impulsionadora para a ação. (BRAGUIROLLI; RIZZON, 1994). O componente comportamental da atitude mais do que uma ação efetiva, significa uma tendência, uma predisposição à ação.

1.3- Componente comportamental das atitudes

A dimensão comportamental da atitude está vinculada à intencionalidade do comportamento em relação a alguém, a algo ou a uma situação. O comportamento combina, pois, as cognições e os afetos e se refere à vertente ativa da atitude. Ao examinar mais um trecho da entrevista realizada por Albuquerque (2007) com professoras que atuam com alunos com deficiência inseridos em salas regulares do ensino fundamental e ensino médio, pode-se perceber como o comportamento envolve o que as pessoas sentem ou pensam:

[...] eu vejo muita dificuldade. Eu tenho muita dificuldade em trabalhar. Por não saber. Por não saber trabalhar? E... é complicado quando no grupo se fala em inclusão se, se a gente não tem como fazer essa inclusão, né. A gente tenta trabalhar aquilo ali, agora é difícil. E principalmente quando você pega uma turma mais avançada: uma primeira, uma segunda, uma terceira série você tem que dá aquele conteúdo, tem que ser trabalhado aquilo ali e aquele seu aluno talvez se sinta um pouco de lado, porque você tem que trabalhar com o restante da turma que tá acompanhado e ele tá ficando um pouco esquecido, né? Na alfa a gente tem mais essa mobilidade, né? (ALBUQUERQUE, 2007, p. 120).

A alegação da dificuldade da professora em não saber como lidar com o aluno com deficiência (barreira atitudinal de ignorância) , leva a um comportamento de exclusão do aluno, ao deixá-lo “esquecido”.

O comportamento não é apenas determinado pelo que as pessoas gostariam de fazer, mas também pelo que elas pensam que devem fazer isto é, normas sociais, pelo que eles geralmente tem feito, isto é, hábitos, e pelas consequências esperadas de seu comportamento. (Grifo dos autores).

No caso citado anteriormente, o comportamento da professora leva ao “esquecimento” do aluno, acarretando-lhe a exclusão educacional, mesmo ele estando em sala de aula.

O que leva a percepção de que um dos fatores evidentes na coerência ou dissonância entre a dimensão cognitiva e a comportamental das atitudes, rumo ao cumprimento de normas sociais, é o grau de pressão da situação. Ou seja, tomando como eixo de reflexão o discurso dessa professora o fato de ela ter recebido um aluno com deficiência e não poder recusá-lo porque legalmente ele tem direito de estar na escola é algo incompatível com o que ela diz em relação à inclusão.

A ação imposta pela força da lei não alterou compreensões e afetos, em consequência, a resposta discriminatória da professora continua sendo mantida. E o que resta ao aluno? O discurso e a ação docente já o marcaram como ineficiente, a atitude é uma face do processo social que lhe imputa a chancela da menos-valia e o afasta do gozo aos direitos humanos, mormente da educação de qualidade.

Dessas reflexões sobre as dimensões da atitude traduz-se que as vertentes cognitiva e afetiva da atitude indicam predisposições para o comportamento, mas não o determinam.

Em geral, as atitudes tendem a prever melhor o comportamento quando “(a) elas são fortes e consistentes; (b) elas têm relação específica com o comportamento previsto; (c) elas se baseiam na experiência direta da pessoa; e (d) o indivíduo tem consciência de suas atitudes”. (ATKINSON et. al., 2002, p. 647).

Vale então destacar que, por vezes, há ambivalências entre os componentes que constituem uma atitude, o que pode ocorrer quando os componentes afetivos e cognitivos não são coerentes – por exemplo, quando o profissional da educação compreende que a inclusão é um direito do aluno, mas não consegue se desvencilhar de preconceitos cristalizados (componente afetivo contra a pessoa com deficiência) – muitas vezes é difícil prever se o comportamento será de rejeição ou

se o embate entre as duas dimensões da atitude fará com que o professor busque se empenhar e modificar atitudes, consoante ao que se espera dele.

Historicamente sabe-se que atitudes negativas direcionadas às pessoas com deficiência sempre existiram em razão das generalizações negativas e das tipificações que são construídas na interação social, as quais são mantidas por meio do discurso, de atitudes e de comportamentos.

Berger e Luckman (1985 apud GLAT, 1995) explicam que o processo de tipificação é constituído por esquemas em que as pessoas estabelecem a relação eu

versus outros, e nessa construção perceptiva são instituídas as interações sociais,

as atitudes e os comportamentos. Assim, na escola, o professor pode apreender o outro como aluno, homem, com deficiência, brasileiro, retraído, tranquilo etc., todas essas tipificações afetam e modelam continuamente as interações face a face.

Nesse contexto, vale destacar que quando as tipificações generalizadas são consideradas como verdades universais, elas se constituem nos chamados estereótipos, os quais fundam julgamentos sustentados por crenças equivocadas (preconceitos) e contribuem para a manutenção de estigmas, que funcionam como rótulos e incitam a discriminação. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995; PEREIRA, 2002; VELHO, 2003).

De acordo com Pereira (2002), esse procedimento é considerado arriscado, pois pode induzir a uma concepção enganosa tanto de si quanto do outro. E quem é o outro? Segundo esse autor (Ibid.), qualquer um pode ser o outro e só é possível definir quem é o outro quando fica claro quem está olhando, avaliando, situando a pessoa em esquemas esteados nas crenças advindas da primeira informação recebida, a qual tem considerável impacto sobre as impressões e, em consequência, sobre as atitudes. Esse efeito é chamado de primacial e pode vir a enquadrar o objeto social das atitudes num esquema de crenças complexo e resistente a dados novos. (ATKINSON et. al., 2002).

Essas teorias, quando surgem relacionadas às pessoas com deficiência, apontam, buscam explicar e justificar comportamentos sociais dessas pessoas e de outros indivíduos sem deficiência diante delas. Portanto, teorias, esquemas ou modelos de entendimento construídos historicamente podem induzir as pessoas a

erros na compreensão, no afeto e na ação social. Um exemplo claro dessa elaboração cognitiva e social é explicitado por Schneider (2003,62) ao mencionar uma das falas de uma professora atuante em classe especial:

[...] A senhora aplicou o teste ABC a estas crianças?

— Não, o teste ABC só é aplicado em casos de dúvida. Mas, depois de muitos anos de ensino, a gente adquire experiência. Quando comecei com estas crianças, pude ver que a maioria delas era imatura. Estava na cara. Só tive dúvidas em uns poucos casos. E então apliquei o teste. [...]

Então, a senhora acha que elas vão ser AEs [alunos excepcionais]? — Sim, muito provavelmente. Já está na cara. Nós podemos dizer quase imediatamente.

A generalização que essa professora construiu acerca dos alunos com deficiência fornece cognições que parecem conferir a ela a habilidade de avaliar potencialmente os alunos apenas no primeiro contato, a partir das primeiras impressões.

A ciência, nesse caso, serviu como justificativa para a manutenção da crença estereotipada, da autorrealização, da profecia que imprime ao aluno a incapacidade e a imaturidade. A classificação do aluno como excepcional retira, obviamente, da professora a responsabilidade com o processo educativo da criança a quem ela tipifica como desviante.

O estereótipo é construído a partir de julgamentos e do estabelecimento de categorias consideradas universais. No âmbito etimológico, o estereótipo deriva de duas palavras gregas: stereos e túpos, significando respectivamente rígido e traço.

Essas generalizações rígidas construídas e mantidas pela sociedade a respeito de atributos e comportamentos constituem os mecanismos cognitivos de manutenção de estigmas, os quais funcionam como um processo metonímico em que se faz referência a um atributo depreciativo da pessoa. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995; VELHO, 2003).

De acordo com Pereira (2002), os estereótipos podem ser definidos como crenças sobre predicados típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre esses predicados, como também sobre o grau com que eles são

compartilhados nas interações sociais. Eles influenciam a percepção social, o julgamento e o comportamento, como se pode compreender a partir da seguinte situação ilustrada por Schneider (2003, p. 79) ao mencionar o discurso de uma professora que trabalha com alunos com deficiência:

— Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno excepcional] típico.

— Mas ele parece ser bom aluno.

__ É, é surpreendente, mas ele é bom aluno. Sofre, porém, de distúrbio de conduta, como você viu. Ele não é muito bom da cabeça — e apontou para a própria cabeça. — E depois vem de um ambiente terrível. Acho que a mãe dele é alcoólatra; as irmãs todas são prostitutas — as piranhas do morro. Daí você pode imaginar que tipo de criança ele deve ser. É sempre a mesma coisa com essa gente.

Os estereótipos afetam as informações e as interpretações a respeito da identidade, das potencialidades e do comportamento do aluno com deficiência. Assim, essa professora traz avaliações infundadas, preconceituosas e busca informações, explicações, justificativas que alimentam a profecia autorrealizadora.

Essa tendência reflete uma das três possibilidades indicadas por Pereira (op.cit.) como mecanismo de uso dos estereótipos como instrumentos de racionalização, justificativa para a manutenção de preconceitos e de ações discriminatórias. O autor explicita que

[...] num nível mais individual, os estereótipos servem como justificativas para o próprio eu, permitindo que o indivíduo lide melhor e de uma forma mais confortável com as suas próprias atitudes preconceituosas e excludentes. Em um nível mais contextual, os estereótipos também cumpririam uma função de justificar as ações grupais, enquanto em um plano mais geral os estereótipos cumpririam a função de justificar o sistema, oferecendo os recursos cognitivos que permitam a manutenção da estrutura atual da sociedade em que os percebedores se situam. (PEREIRA, 2002, p. 49).

Dentre os fatores mais significativos para a caracterização dos estereótipos, destaca-se, então, o consenso, a homogeneidade, a distintividade, os fatores descritivos e avaliativos. (PEREIRA, Ibid.; ATKINSON et. al., 2002). Considerando, pois, o discurso da professora, mencionado anteriormente, é perceptível que esses fatores imprimem a inferiorização não apenas ao aluno com deficiência, mas ao

grupo social no qual ele está inserido. Nesse caso, por razão de deficiência e de classe social, a discriminação múltipla é praticada.

1.4- Preconceito

Preconceito é um vocábulo de origem latina (praejudicium) o qual demarca o prejuízo social que, em alguma medida, é vivenciado pela pessoa alvo da ação preconceituosa.

Na base do preconceito estão as crenças sobre características rígidas e universais que são atribuídas a pessoas ou a grupos. Em outras palavras, o preconceito é uma atitude negativa baseada em generalizações e estabelecida na dimensão da crença, dos juízos de valor, do afeto e não do conhecimento. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995).

Essas opiniões, crenças, teorias admitidas sem ser analisadas influenciam o modo, às vezes inconsciente e ingênuo, como as pessoas agem diante de grupos em situação de vulnerabilidade e comumente estigmatizados.

O preconceito é uma atitude (formação de opinião) próxima do estereótipo, que mal se funda em experiência (informação, conhecimento objetivo) e tanto mais em formações imaginadas ou generalizações subjetivas de opiniões, etc. É característica do preconceito também a persistência irrefletida, inflexível e resistente e a ação em sua maioria destrutiva (raramente benéfica) [...] (ADORNO et al 1978 apud DORSCH, 2001, p. 688).

Três dimensões parecem sustentar os preconceitos: a social, a afetiva e a cognitiva. Entre os fatores sociais, podem-se destacar as injustiças sociais, o senso de identidade social, a conformidade e o suporte institucional. No caso dos fatores emocionais, podem estar vinculados à frustração-agressão e à personalidade autoritária, enquanto no caso dos fatores cognitivos podem estar situados na categorização, nos estímulos que capturam a atenção e a atribuição de causalidade. (PEREIRA, 2002).

O poder e a força do preconceito advêm, portanto, do conjunto de ideias genéricas, pré-estabelecidas e mantidas na e pela sociedade. A exemplo da descrição que uma professora forneceu a Schneider (2003, p. 73) durante a

pesquisa: “— Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno excepcional] típico.” Depreende-se dessa fala a crença equivocada de que os alunos com deficiência apresentam características comportamentais comuns e impróprias para o ambiente educativo, o que revela que “o preconceito possui um sentido eminentemente pejorativo, designando o caráter irrefletido e frequentemente dogmático dessas crenças, que se revestem de uma certeza injustificada”. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 244).

A atitude preconceituosa é, pois, fomentada no contexto histórico e cultural de percepção da diversidade humana no qual se sustenta frequentemente a ideia dicotômica da inferioridade e da superioridade, do eficiente e do deficiente, do dominado e do dominante.

Um grande problema que se verifica na escola é que na materialização do