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2 A ADOÇÃO DO NEOLIBERALISMO E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESTADO

4.1 A ADCESP na construção e condução das greves

4.1.5 A greve de 2012

A greve de 2012 aconteceu em dois momentos: no primeiro período letivo, com uma duração de quatro dias e a do segundo período com mais de um mês de duração. Vejamos agora como se deu o desenrolar do movimento paredista. A decisão da categoria de paralisar as atividades foi adiada algumas vezes em virtude das propostas apresentadas ao governo e à

espera de uma possível resposta. Pelos ofícios da ADCESP, constatamos que, desde o dia 19 de março, a categoria enviava ofícios ao Governo Estadual, solicitando audiência de negociação. Foram realizadas assembleias e aprovados indicativos de greve para o dia 18 de abril, caso o governo não cedesse às reivindicações ou apresentasse propostas para a categoria. Entretanto, no dia 18, o governador Wilson Martins (PSB) assinou a nomeação de 213 professores efetivos (198 aprovados e 15 classificados) em concurso público realizado em dezembro de 2011. Ainda assim, as paralisações de advertência continuaram.

A categoria se reuniu em assembleia no dia 23 de maio e deflagrou greve, por tempo indeterminado, com início previsto para 28 de maio. Em seguida, informaram ao governo sobre a deflagração do movimento, ao tempo que solicitaram audiência de negociação (ASSOCIAÇÃO..., 23 maio, 2012).

Na pauta de reivindicações constava: o piso salarial no valor de R$ 2.324,00 (conforme previsão do Dieese) para professor 20 horas, que então era de R$ 1.071,00; restaurantes universitários em todos os campi, melhoria imediata dos laboratórios e acervos bibliográficos; nomeação dos professores classificados e técnicos aprovados no último concurso; mais verbas e autonomia financeira. Dentre as pautas, constavam reivindicações do Movimento “S.O.S UESPI” e da greve de 2011. O primeiro dia de greve foi marcado pela distribuição de panfletos no campus Poeta Torquato Neto e utilização de carro de som para divulgar as reivindicações da categoria, objetivando mobilizar os colegas e apresentar à comunidade universitária as reivindicações e a situação de precariedade do trabalho docente na UESPI. A categoria recebeu o apoio dos estudantes e dos servidores técnico- administrativos.

Essa greve, no entanto, durou apenas quatro dias em virtude de reunião realizada entre membros do governo e docentes para o estudo de propostas. Em assembleia realizada no dia 31 de maio, decidiram suspender o movimento até o dia 12 de junho quando deveriam receber proposta do governo que seria avaliada em assembleia dia 13. Nesse dia, como não receberam a tão sonhada proposta, decidiram que não iniciariam o segundo semestre letivo previsto para iniciar em agosto, aprovando assim, indicativo de greve para aquele mês.

No dia 19 de junho, o governo enviou proposta para o sindicato sugerindo “[...] um reajuste equivalente a eventual aumento geral dos servidores acrescido de 5% (cinco por cento), nos anos de 2012, 2013, e 2014” (GOVERNO..., 19 jun. 2012). Os professores ficaram decepcionados com os rumos das negociações, recusaram a proposta de reajuste e decidiram apresentar uma contraproposta, com aumento de 37% (trinta e sete por cento) retroativo ao mês de maio.

Os docentes, retornaram às aulas, mas continuaram o processo de negociação com o governo, para evitar a greve no segundo semestre. Dois fatos interessantes nessa greve: o primeiro foi a aprovação da duplicação da contribuição sindical, no período de greve. Entretanto, o movimento só durou quatro dias, a solicitação do desconto pelo sindicato foi feita em 24 de maio e este só enviou ofício solicitando a atualização da contribuição sindical para 1% (um por cento) no dia 08 de agosto. O outro fato foi a proposta feita na assembleia realizada dia cinco de julho, sobre a retenção dos diários de classe do período letivo 2012.1. Esse ponto foi muito polêmico: professores se mostraram com medo de atitude tão radical, o assunto não ficou decidido na assembleia, sendo encaminhado para próxima reunião. Não identificamos nas atas seguintes se essa atitude foi tomada pelo sindicato, mas pelo que conhecemos do movimento, acreditamos que não foi aplicada medida tão radical. Fato bem ilustrado na fala do professor Luciano Melo, que “destacou que nossas assembleias estão esvaziadas e que isso nos tira força para as próximas atividades; devemos ter cuidado para não iniciarmos movimentos sem a presença da categoria.” (ASSOCIAÇÃO..., 05 jul. 2012). Outros professores também se mostraram receosos de tal atitude com medo de retaliações. A ação era de radicalidade para impactar a negociação, contudo os professores não estavam articulados o suficiente para esse tipo de ação: uma vez encerrada a greve, as assembleias estavam esvaziadas, dificultando a mobilização da categoria. Mesmo assim, mantiveram o indicativo de greve para agosto.

Em assembleia realizada no do dia13 de agosto, debateram a campanha salarial e fizeram o planejamento da greve que se iniciava. Foi discutida a proposta enviada pelo governo à categoria, que consistia em um aumento linear de 10% e um plano quadrienal que previa aumento de 40% entre 2012 e 2015. Os 10% seriam escalonados nos meses de agosto e dezembro. A comissão de negociação da ADCESP alertou para os problemas da proposta, que estava longe do reivindicado pelos docentes, desconsiderava a data base, além do fato de o governo não cumprir o escalonamento proposto a outras categorias, podendo assim, os professores da UESPI sofrerem pelo não cumprimento do escalonamento sugerido. Após os esclarecimentos e debates em torno da proposta, ela foi colocada em votação, tendo sido rejeitada por 59 (cinquenta e nove) votos contrários, 02 (dois) a favor e 06 (seis) abstenções. “Em seguida, a assembleia aprovou como contraproposta o reajuste de 37% (trinta e sete por cento) retroativo a maio e para 2013 nova negociação com base no piso do Dieese.” (ASSOCIAÇÃO..., 13 ago. 2012).

Dia 27 de agosto foi realizada mais uma assembleia em frente ao prédio principal da administração da UESPI, seguido de protestos, o que culminou na ocupação da reitoria. Os

estudantes e professores exigiam um posicionamento do reitor Carlos Alberto sobre as reivindicações da categoria.

As atividades durante os dois momentos de greve foram bastante dinâmicas: assembleias, atos públicos, mobilização na Parada da Diversidade e no Grito dos Excluídos, aulas públicas no centro da cidade e nos campi da instituição, passeatas até o Palácio do Karnak e ocupação da reitoria da universidade. Outra estratégia da greve foi a visita a todos os campi da UESPI para ouvir as reivindicações dos docentes e estudantes. Foi formada uma comissão de professores que viajaram aos campi situados no interior do Estado, para reforçar o movimento e discutir a realidade do ensino superior no interior, a fim de motivar os professores a aderirem ao movimento grevista. Desses encontros surgiram pautas de reivindicações por campus, fato que motivou a adesão de docentes dos campi do interior. Marcaram audiência com o reitor para entregar as pautas de reivindicação de cada campi, como não foram recebidos, ocuparam a reitoria por 24 horas. Fato ocorrido no dia 27 de agosto, após uma assembleia em frente ao prédio principal da administração da UESPI, seguido de protestos que culminaram com a ocupação da reitoria. Os estudantes e professores exigiam um posicionamento do reitor Carlos Alberto sobre as reivindicações da categoria. (REITOR..., 2012).

As pautas da categoria eram: aumento integral de 37% sem escalonamentos, piso salarial de R$ 2.324,00 (DIEESE) para professor 20 horas, restaurantes universitários em todos os campi, infraestrutura e acervos bibliográficos, nomeação dos professores classificados e técnicos aprovados no último concurso, mais verbas e autonomia financeira, acrescentada às pautas específicas dos campi. Apresentaram pautas tanto para o governo do Estado como para a reitoria. Dentre as que competiam a reitoria estavam: anulação de decisão que prejudicava os professores substitutos que aderiram à greve; explicitação do posicionamento da reitoria a respeito do aumento salarial solicitado pela ADCESP (37% retroativo a maio); apresentação de um plano de obras e serviços, então em andamento e as já autorizadas pelo governo; revisão da política de encargos docentes e mediação junto ao governo de audiência de negociação. (ASSOCIAÇÃO..., 27 ago. 2012).

O Tribunal de Justiça decretou a ilegalidade da greve no dia 29 de agosto. O despacho foi dado pelo desembargador José James Pereira. A decisão fez parte de uma ação ajuizada pela Procuradoria Geral do Estado e, por esta, todos os professores deveriam retornar às salas de aula em 24 horas sob pena de multa diária de R$ 5.000,00(cinco mil). (TRIBUNAL..., 2012). O sindicato alegou que não foi notificado, mas que assim que isso ocorresse entraria com recurso. E deu continuidade às atividades da greve. O governo reagiu e mandou cortar o

ponto dos grevistas. Decisão prontamente atendida pela administração superior da UESPI. O fato do corte dos salários motivou novas manifestações.

Diante desses fatos, ampliamos a luta com atos públicos em frente ao Tribunal de Justiça, em Parnaíba, Campo Maior, Picos e Piripiri, marcha partindo da Facime em direção ao Palácio do Karnak, panfletagens, assembleias, reivindicações junto ao Ministério Público. (...). Por decisão de assembleia geral, foi desfiliado o reitor e iniciamos a campanha “Fora reitor”. (JORNAL..., 2013, p. 02).

Além disso, desmotivou muitos professores que retornaram às salas de aula com medo de novas represálias. Por conta das dificuldades em manter a greve com pouca adesão, o sindicato convocou nova assembleia para avaliar o movimento e decidir sobre a sua continuidade.

Assim, em assembleia geral realizada no dia 1 de outubro, a categoria fez avaliação do movimento e, ao final desta, decidiram suspender a greve com 20 votos a favor e uma abstenção. Na avaliação dos presentes à assembleia, a greve foi muito positiva, principalmente, pela grande adesão dos campi do interior. Por outro lado, foi a luta mais dura em razão de cortes de salários, assédio moral, desconto do imposto sindical da ADCESP, que foi cortado do contracheque de alguns professores, imposição da lei de encargos docentes que ampliava a carga horária de ensino, em prejuízo da pesquisa e extensão. Diante de todas as formas de pressão, todos os campi retornaram às atividades normais, continuando em greve somente alguns professores do campus Torquato Neto. Considerando as avaliações, decidiram suspender a greve, mas continuar a luta e a mobilização, pois agora tinham que lutar pelo pagamento do salário descontado.

O governo, por conta própria, implantou o aumento de 5% (cinco por cento) ao salário dos professores da UESPI, como tinha implantado para todo o funcionalismo público. A impressão foi de que a greve finalizou sem nenhum ganho aparente. Mas, daquele dia em diante, o sindicato ampliou o número dos apoiadores do movimento, pois os professores contratados reconheceram que foi graças à luta do sindicato que foram efetivados na UESPI. Os professores e estudantes dos campi do interior puderam apresentar suas demandas. Como a greve foi apenas suspensa, os professores organizaram um calendário de manifestações e de negociação com o governo. Com muita luta, conseguiram a devolução dos salários cortados dos professores no mês de dezembro. A luta continuou na justiça e o sindicato chamou a responsabilidade de todos os órgãos que podiam exigir uma resposta do Estado aos problemas da UESPI.

Pelo exposto, é possível ter uma ideia das dificuldades que os docentes da UESPI tiveram ao buscar canais de negociação com o Estado e conhecer um pouco da realidade da instituição e dos principais problemas enfrentados pelos professores. Como podemos ver nas pautas de reivindicações, os problemas se repetiam a cada greve, prova das dificuldades em atender uma universidade com vários campi espalhados pelo interior, com o mínimo de estrutura para funcionamento. O quadro de técnicos administrativos efetivos também é muito precário. A maioria dos trabalhos na instituição ainda é feita por alunos bolsistas que executam as mesmas tarefas dos técnicos, como auxiliar nas coordenações dos cursos, na biblioteca e nas demais instâncias administrativas.

Em todas as greves, a relação com o Estado foi marcada pela dificuldade em dialogar e pelo uso da força da lei para encerrar o conflito. O Estado utilizou como estratégia de pressão a solicitação de ilegalidade da greve e as ameaças de suspensão de salários dos professores, para forçar o retorno para a sala de aula. Os demais poderes foram solicitados na intervenção do conflito, como a participação da Assembleia Legislativa do Estado que fez audiências sobre a realidade financeira, física e estrutural da UESPI, levantou propostas para resolver o conflito, mas de fato não se empenhou em fazer cumprir a lei de repasse dos 5% do PIB do estado para a UESPI. Também foi marcada pela participação da Justiça nas negociações, a qual sempre que os professores não aceitavam a proposta do Estado, ameaçava aceitar o pedido de ilegalidade da greve; fato concretizado em todas as negociações. A ADCESP sempre recorreu ao Ministério Público em busca de apoio para fiscalizar as ações da administração superior da UESPI e da política estadual para os docentes.

Em relação à luta, as estratégias utilizadas pela ADCESP foram bastante atualizadas com a maneira de conduzir o conflito, adotando sempre as estratégias utilizadas pelo ANDES/SN quando teve que enfrentar o Estado. Utilizou de paralisações, aulas públicas em praças, em frente à universidade. Utilizou também as redes sociais, conseguiu espaços nos meios de comunicação impresso e televisivo, visitou os campi do interior, fazendo mobilização dos professores e utilizou uma estratégia considerada bastante radical em um conflito como esse: a ocupação da reitoria e ameaça de retenção dos diários de classe, ao fim do período letivo. O sindicato utilizou estratégias bastante diversas para se fazer ouvir e sempre buscou o apoio dos estudantes no momento da luta. Embora tivesse vozes discordantes nas assembleias, a diretoria do sindicato sempre conseguiu aprovar as suas propostas de encaminhamento da luta. Era ela que propunha o início e o fim da greve. Também, a diretoria sempre iniciava a avaliação do movimento destacando, principalmente, os pontos positivos e os ganhos políticos com a greve, apesar de nem sempre as assembleias e

as greves terem uma boa adesão dos professores. Estratégia entendida por nós como de afirmação política do poder do sindicato. Almeida (2007), explicando sobre a luta e sua relação com a estratégia, destaca a necessidade de se fazer uma avaliação às claras do resultado da luta.

Há situações em que o sindicato é obrigado a negociar um acordo ruim, quando a relação de forças é muito desfavorável e é pior ficar sem acordo. Mas é preciso, em todas estas vezes, dizer isto com clareza aos trabalhadores, que o acordo significa uma derrota, que precisa ser revertida assim que a relação de forças permitir. Não se deve transformar derrotas em “vitórias”, mentir aos trabalhadores apenas para defender o prestígio da diretoria. Isto é típico da burocracia sindical, não de diretorias combativas e democráticas. (ALMEIDA, 2007, p. 89).

Sobre as mudanças pelas quais a UESPI passou, ao longo da luta dos docentes, podemos perceber o atendimento de algumas solicitações dos grevistas, como suspensão de cobrança de taxa aos alunos, melhoria dos acervos das bibliotecas, realização de concursos públicos para docentes e técnicos administrativos, contratação de professores aprovados em concursos públicos, melhoria salarial, aprovação do Plano de Cargos e Salários dos professores, eleição direta para reitores, diretores de Campi e coordenadores de cursos. Enfim, foram muitas as melhorias que a instituição obteve ao longo do tempo, entretanto, não podemos atribuir somente à luta da ADCESP. Essas conquistas foram possíveis também pelo trabalho de organização da universidade, a partir da administração superior que, desde 2003, começou um projeto de regularização da universidade e de seus cursos. A ADCESP foi importante no processo, na cobrança e fiscalização das ações da administração. Mas ambos contribuíram para as mudanças. Ainda há muito a se construir, porém a realidade de desvalorização do ensino superior e da universidade pública, gratuita e de qualidade, por parte do Estado neoliberal, tem agravado os problemas da instituição, principalmente, o financeiro. Ainda hoje, a universidade não tem orçamento fixo garantido em lei. Geralmente, o orçamento anual aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado não é liberado na sua totalidade para o funcionamento da universidade. Com o tempo, os problemas se modificaram e se ampliaram tornando mais complexa e permanente a luta docente.

Hoje, além da questão financeira da universidade, os docentes têm que enfrentar uma carga horária de trabalho excessiva, dificultando o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão, O grande tripé de funcionamento da universidade pública. Também constitui um problema a visão do trabalho produtivo, pela qual o docente é avaliado mediante quantidade de produção ao longo do ano, ao mesmo tempo em que tem que vivenciar uma série de programas implantados na universidade, como: Educação a Distância - EAD, PARFOR,

PIBID e tantos outros que dividem os professores em busca de complementação de salários através dessas bolsas. Tal situação cria, muitas vezes, uma “casta” de professores (dirigentes e coordenadores desses programas) que se sentem diferentes daqueles que atuam só no ensino de graduação, dificultando a luta dos docentes em busca de melhoria para a classe.

Percebemos que a diretoria da ADCESP tentou referenciar a luta na estratégia mais geral na luta sindical em defesa dos direitos e contra a flexibilização e avanço das políticas neoliberais. O Estado restrito, através de seus agentes, tentou construir a privatização da universidade pública, bem de acordo com o receituário neoliberal do período. E, nesse caso, o movimento docente está tentando resistir a esse processo. Porém, o movimento tem uma contradição: no plano da “pequena política”, ele ainda está na fase corporativa de organização (melhores salários), o que dificulta que ele tenha ganhos mais expressivos no plano da “grande política”, ou seja, a resistência ao projeto neoliberal para a educação pública.