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O governo de Lula da Silva já transformado

2 A ADOÇÃO DO NEOLIBERALISMO E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESTADO

2.3 O Partido dos Trabalhadores: das ruas ao gabinete

2.3.1 O governo de Lula da Silva já transformado

Edmundo Fernando Dias (2006) vê o governo petista como transformista. Neste sentido, o autor fez a análise do governo de Lula mostrando como se operou a mudança do PT e como o mesmo fez a contrarreforma contra a classe trabalhadora, ao tempo em que analisou também a participação da CUT no processo, inclusive, abordando as mudanças que a Central operou para se tornar instrumento de apoio do governo petista.

Dias (2006) é muito crítico sobre a vitória do PT ter significado uma chegada ao poder ou ganhar parte dele, como muitos membros assim acreditavam. Ele chega a questionar a ingenuidade militante em acreditar na mitologia política.

Para ele, muitos militantes pagaram caro pela confusão que fizeram entre poder e governo. Exemplifica com a vitória eleitoral dos socialistas chilenos que chegaram ao governo, mas não tinham o poder e mostra que os grupos que controlam o poder político e econômico são fortes suficientes para pressionarem os governantes de esquerda a adotarem seu projeto político. “O poder do capital financeiro aliado ao controle dos executivos e dos parlamentares é capaz de garantir um decisivo boicote a uma posição socialmente construída de modificação do jogo político [...]” (DIAS, 2006, p. 130). O objetivo é explicar que, no caso

de uma vitória de Lula, os grupos acostumados a ser poder não abririam mão de suas posições e iriam se organizar para pressionar o governo para mantê-los em seus respectivos postos de comando ou a adotar as suas demandas. Fica clara na análise de Dias a sua concepção de Estado como Estado ampliado e lugar de lutas por hegemonias.

Após a vitória do petista, se confirmou quem era a classe dominante no cenário político com a formação dos ministérios do Governo Lula. Para Dias (2006), o mercado falou mais alto na composição dos ministérios. Parte da equipe de Fernando Henrique Cardoso foi contemplada com cargos no novo governo:

[...] O segredo da esfinge se revelou. O ministério contemplou posições políticas muito diversificadas. A agricultura e o desenvolvimento diretamente sob o controle dos empresários. A fazenda reafirmou e radicalizou o acordo com o FMI. O Banco Central [...] era entregue a um ex-dirigente máximo do Bank of Boston, segundo maior banco credor do Brasil e deputado eleito pelo PSDB [...]. (DIAS, 2006, p. 144).

O governo se compôs sem alterar a natureza do Estado brasileiro. Lula elegeu- -se com enorme apoio das massas trabalhadoras, mas deu continuidade à política neoliberal de FHC. E, segundo Dias (2006), não deu o menor sinal de reversão do quadro, além disso, praticou uma política de despolitização e desorganização: falou diretamente às massas passando por cima das organizações.

O traço messiânico não apenas desorganiza mas, sobretudo, deseduca, acaba por mitificar a política. As classes trabalhadoras são chamadas a apoiar. A decisão ou fica com os técnicos ou com o Conselho do Pacto Social, cuja composição revela o peso da fina flor dos capitalistas. Recria assim perversamente, e sem sabê-lo, uma noção de “classes produtivas” que reúne exploradores e explorados irmanados pela ideia de nação. Ideia, no mínimo, tipicamente liberal por que reduz classes a indivíduos atomizados. Este movimento permite que a política passe da arena dos conflitos e dos movimentos para o espaço dos técnicos, terreno privilegiado da dominação burguesa, não obstante nas constantes falas de seus ministros. O Estado, vale dizer, o Presidente, encarna a sabedoria política e os grandes projetos [...] (DIAS, 2006, p. 148).

Embora Dias (2006) apresente o presidente Lula como condutor do processo, ele não caracteriza o governo como bonapartista, já que o governo foi legitimado por mais de 50 milhões de votos. Então, não havia necessidade de abandonar o projeto das esquerdas para adotar o projeto da burguesia nacional; projeto que foi rejeitado na campanha eleitoral. O autor critica duramente as alianças que foram feitas com a direita para se criar uma base de sustentação no Parlamento. É sabido que o grupo cobraria caro o apoio concedido e tentaria implementar o seu governo no Parlamento, pois a direita não costuma abrir mão de ser poder.

Dias é enfático ao qualificar o Governo Lula como continuísmo dos anteriores ao privilegiar o projeto da classe dominante que sempre esteve no poder e com o poder:

O conjunto das alianças oportunistas para aprovar as “reformas” contra a população, prova concreta daquele falso messianismo, criou um monstruoso bloco de apoio parlamentar (o Centrão petista) que tem a capacidade de capturar parcelas crescentes de seus “opositores” liberais e social- democratas, não por eficácia política, mas porque Lula realiza o programa daqueles que o PT combatera anteriormente [...] (DIAS, 2006, p. 186).

Dias (2006) segue criticando o governo e a forma como foram implementadas as reformas, mormente a da previdência, que diminuiu direitos dos trabalhadores e prejudicou, principalmente, o funcionalismo público, beneficiando os grandes capitalistas com a criação dos fundos de pensão. O autor denuncia ainda os famosos rombos da previdência, afirmando que eles passaram para a população tentando convencer que a mesma estava falida e só dava prejuízo para o Estado, não passando, portanto, de criação fantasiosa para convencer da necessidade da reforma. Essa questão já foi tratada aqui, confirmando a falsa falência da previdência. Segundo ele, muitas vezes, os recursos foram desviados para outras rubricas, cobrindo despesas, inclusive, da dívida externa. O autor mostra um quadro de total desrespeito pelos trabalhadores, até mesmo por aqueles que formavam o PT e lutavam para o partido cumprir o que diziam os seus estatutos e projetos de governos. Eles eram perseguidos pela direção do partido. Muitos foram expulsos do PT por se oporem à adoção do projeto das classes dominantes pelo partido tido como dos trabalhadores ou porque duvidavam da natureza do partido e do governo:

A “Reforma” da Previdência é paradigmática em relação às demais políticas estatais. Foi, longa e cuidadosamente preparada pelos governos Collor-FHC e agora por Lula. Mas, também, pelo processo de empobrecimento da sociedade, pela construção do antagonismo trabalhadores do estado X população e pelo processo de construção dos Fundos de Pensão, capitaneado por Gushiken, seu guru. Um enorme contingente de trabalhadores foi lançado à chamada informalidade. Isso é decisivo na destruição da previdência pública já que estes não contribuem para ela ou o fazem em pequeníssima medida. O processo de congelamento salarial dos trabalhadores do estado leva a que essa categoria tenda a desaparecer e ser substituída por trabalhadores sem direitos sociais, sem carreira e concurso: o verdadeiro paraíso dos governantes. (DIAS, 2006, p. 187).

A reforma da previdência selou o fim da adoção do tão propagado Estado de Bem- Estar Social pelo governo brasileiro. Nos governos de Collor e FHC, a central sindical Força Sindical serviu como principal instrumento para amortecer a luta entre trabalhadores e patrões, agindo junto aos trabalhadores buscando construir consenso em torno das reformas implementadas pelos dois governos neoliberais. Embora a CUT já vinha passando por

transformações desde os anos 1990, foi nos governos Lula que seu transformismo ficou mais aparente. No Governo Lula, a CUT, que no passado recente criticava duramente a Força Sindical como traidora dos trabalhadores, também assumiu seu lado reformista para se adequar ao núcleo de sustentação do governo petista.

A CUT assumiu a forma da Central que combatera (Força Sindical) e instalou-se um novo sindicalismo de resultados, negócios e apoio incondicional ao governo. Progressivamente, deixou de ser um instrumento de luta dos trabalhadores para monitorar-lhes a ação no sentido da redução da radicalidade das lutas, da aceitação acrítica das chamadas transformações do mundo do capital (perversamente designado mundo do trabalho). Cada vez mais distinta e isolada dos trabalhadores, transformados em exército de apoio à direção, em massa de manobra devidamente disciplinada por ela [...]. (DIAS, 2006, p. 189).

Para Dias (2006), assim como o PT, a CUT também se transformou para dar base de sustentação ao governo; e elenca algumas mudanças que comprovam a transformação: a) a aceitação da primeira fase da reforma da previdência com a substituição de tempo de serviço por tempo de contribuição como critério para se aposentar. A aprovação desse ponto prejudicou, principalmente, a situação dos trabalhadores rurais, dos informais e dos trabalhadores da ordem privada que teriam dificuldades para se aposentar. Além disso, foi ampliado o tempo de serviço para se aposentar, comprovando que as grandes questões da classe trabalhadora foram abandonadas. b) a CUT atuou na intensificação da subordinação da classe trabalhadora pelo grande capital e passou a receber financiamentos externos à contribuição dos trabalhadores, como: verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e de convênios assistencialistas, além de ampliar os convênios com a iniciativa privada, criando linha de crédito para os trabalhadores.

Tratamos de algumas transformações que podemos extrair da análise de Dias (2006) que comprovam as mudanças que foram operadas no interior da Central e que, de certa forma, não foram nada favoráveis à classe trabalhadora. Boa parte da classe já não se sentia representada pela Central e não participava de lutas cruciais para os trabalhadores, como a greve contra a reforma da previdência, quando vários trabalhadores marcharam para Brasília para protestar contra o assalto dos direitos dos trabalhadores, principalmente, dos servidores públicos. A CUT nada fez e houve uma cisão no interior da central. Os grupos descontentes com a postura da CUT fundaram uma nova central: a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), em março de 2004, no encontro nacional sindical de Luziânia (GO). No encontro, foi definido um calendário de lutas contra a reforma sindical. Em junho de 2010, foi fundada

a CSP Conlutas – Central Sindical e Popular, agregando em seus quadros sindicatos, movimentos sociais e estudantis.

Mesmo com um cenário completamente desfavorável aos trabalhadores, caracterizado por Dias (2006) de contrarrevolução, ele fez um apanhado da conjuntura para conclamar a união das classes trabalhadoras na defesa dos direitos sociais. Com as reformas implementadas, foram se tornando políticas focalistas que, segundo o autor, mantiveram e reafirmaram a estrutura de dominação do capital. Essas reformas operadas no aparelho do Estado pelos governos de Collor a Lula contribuíram para a reformatação da classe trabalhadora, transformada no governo do PT em classe colaboradora, destruindo assim, o antagonismo de classe necessário em um sistema democrático.

Dias (2006) alerta para o risco de desaparição da subjetividade antagônica e da própria classe antagônica, que pode morrer por não poder atender suas necessidades básicas e por sofrer o processo de idiotização operado pelas reformas que foram feitas também na educação. Em toda a tragédia anunciada, o autor conseguiu ver um ponto positivo que é a oportunidade de os movimentos sociais, sindicatos e partidários contrários à política econômica operada pelo governo unirem-se de forma autônoma e com independência de classe para lutarem pelos direitos sociais, como as lutas em prol das reformas universitária, sindical e trabalhista:

[...] Juntar essas lutas, criticar e lutar para inviabilizar o processo de destruição das classes trabalhadoras e da sociedade é nossa palavra de ordem, nosso norte de intervenção social. [...] Temos que superar as perspectivas de categorias que tendem ao particularismo para assumirmos a visão estratégica de classe e assim construirmos uma sociedade autodeterminada, uma nova sociabilidade, contra esta ordem a favor da hegemonia dos trabalhadores. (DIAS, 2006, p. 218).

O autor faz uma análise baseada na formação política da classe trabalhadora para que esta se fortaleça e parta para a ação. Esta classe, segundo o autor tem que reagir à implementação da política neoliberal. Na análise, é possível perceber as disputas de projetos no interior do estado, como também a organização da classe dominante. Cabe à classe trabalhadora se preparar melhor para disputar os espaços na estrutura do estado.

Outro autor que também percebeu certo transformismo no PT para se tornar governo foi Emir Sader (2004) que, juntamente com um grupo de intelectuais, como Laura Tavares, César Benjamin e Rafael Gentili, organizou obra para avaliar o primeiro ano do Governo Lula.

Emir Sader (2004) fez uma avaliação da política nacional e do contexto econômico internacional no qual Lula deveria governar; conjuntura marcada pelo domínio econômico norte-americano com a implantação do neoliberalismo e a imposição do modelo para os países economicamente dependentes. No Brasil, o cenário era de crise política por causa dos prejuízos econômicos causados com a adoção da política neoliberal pelos governos anteriores. As esquerdas e os movimentos sociais brasileiros lutavam contra esse modelo econômico. A eleição de Lula foi pautada em um rompimento com o neoliberalismo, pelo menos era o que as esquerdas esperavam. Então, foi a partir dessa questão que Sader pautou sua avaliação do Governo Lula com o seguinte questionamento: em que medida logra sair do modelo neoliberal?

A partir desse critério, o autor julgou o governo de forma negativa, apresentando as principais decisões que podiam ser consideradas ruins para a retomada do desenvolvimento e apontou ainda traços conservadores e messiânicos na postura do presidente. Primeiro, a política neoliberal foi mantida e aprofundada, com a intensificação do ajuste fiscal, superando os índices solicitados pelo FMI. No entanto, aumentou o endividamento interno, tendo que fazer novos acordos com o órgão. Com isso, abandonou a política social que foi deixada para segundo plano, apresentando índices ruins e intensificou as reformas, como a da previdência e a tributária, seguindo religiosamente as recomendações do Banco Mundial. Segundo Sader (2004), Lula se revelou conservador nas duas reformas, na política econômica e nos discursos, tentando desmobilizar os movimentos sociais e aceitou a política neoliberal sem críticas.

O autor justifica tais posturas como parte do transformismo do PT que já vinha sendo operado desde 1994, quando o partido realizou uma série de mudanças internas, de composição, na relação com os movimentos sociais e com a institucionalidade, bem como, mudanças de temas centrais para o partido, passando a priorizar o ajuste fiscal em detrimento das políticas sociais (SADER, 2004).

Para Sader (2004), entretanto, a principal mudança foi a reinserção do partido na institucionalidade, ou seja, ganhar eleições passou a ser a principal prioridade, característica também apontada por vários autores que estudaram o transformismo do PT. Com essa mudança de postura, dá para entender as alianças que foram feitas com setores do grande empresariado, como na eleição de 2002, tendo como vice na chapa de Lula, José Alencar, empresário do setor têxtil. A Carta aos Brasileiros é apontada como o documento que selou o acordo com o FMI, comprometendo-se a manter a política econômica do seu antecessor. Para o autor, todos esses acordos comprovam a aliança de Lula com o capital financeiro e com os organismos internacionais em prejuízo das pautas dos movimentos sociais. Outro sinal de

transformismo e submissão a esses órgãos foi a formação da equipe econômica. Segundo Sader, esta se apresentava completamente alinhada com as determinações do FMI, inclusive, com poder de veto sobre decisões fundamentais:

Esse perfil fez com que Lula prometesse retomada do desenvolvimento e prioridade para o social, mas visse esses dois objetivos inviabilizados pelos critérios da equipe econômica de manter superávit primário superior ao exigido pelo FMI e administrar de forma conservadora e gradualista a baixa da taxa de juros, a tal ponto que esta apenas diminuiu de 25% para 17,5% em meio a uma brutal recessão. O governo Lula enfrenta o desafio da quadradura da roda: retomar o desenvolvimento, redistribuir renda, criar empregos e enfrentar os graves problemas sociais brasileiros, sem sair do modelo neoliberal. Conseguirá triunfar onde fracassaram De la Rua, Toledo, Fox, Battle e o próprio FHC? (SADER, 2004, p. 88).

Assim como o PT e o Lula se transformaram para se adequar à ordem, o mesmo teria ocorrido com Emir Sader. Na obra de 2004, é crítico ao governo petista reconhecido como neoliberal. Já em 2013, organizou obra sobre os 10 anos de governo do PT apontando na mesma os bons resultados do governo e caracterizando-o como governo pós-neoliberal. Para o autor, Lula teria superado o modelo neoliberal adotando outro mais preocupado com as políticas sociais.

3 REFORMA UNIVERSITÁRIA E SINDICALISMO DOCENTE NOS GOVERNOS LULA