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P ARÂMETRO ACÚSTICO I MPRESSÃO AUDITIVA

5 Procedimentos metodológicos

5.2 A grounded theory

O paradigma da grounded theory, traduzido para o português como “teoria

fundamentada nos (ou em) dados”103, é um conjunto de processos analíticos que se origina no trabalho de Glaser e Strauss (1967), como instrumental de pesquisa social qualitativa. Neste trabalho, orientamo-nos pela versão e pelos princípios metodológicos propostos por Strauss e Corbin (1990), os quais apresentam algumas diferenças em comparação com a linha desenvolvida pelo, anteriormente, co-autor da teoria, Barney G. Glaser. Gostaríamos, em primeiro lugar, de delinear os

fundamentos desse paradigma, para, depois, descrever a aplicação da teoria aos nossos procedimentos metodológicos.

Neste trabalho aplicamos uma metodologia originária das ciências sociais, com a qual pretendemos chegar à descrição da gramática individual de cada falante. Justificamos essa opção mediante dois argumentos principais. O primeiro argumento é o nosso interesse integrativo voltado ao âmbito performativo da língua104. O segundo argumento concerne ao nosso foco na gramática individual, pela preocupação crítica que compartilhamos com a seguinte opinião afirmada por Rieger.

Solange eine umfassende Sprachtheorie fehlt, welche die formal erklärenden Terme [...] über wohldefinierte Meßoperationen [...] mit quantitativ numerischen Termen [...] verbindet, ist es (noch) nicht möglich, linguistische Gesetzeshypothesen so zu

formulieren, daß daraus beobachtbare Zusammenhänge deduktiv prognostiziert und [experimentell] getestet werden könnten. Zusammenhänge, die daher nur aufgrund

103 Ver: <http://www.levacov.eng.br/marilia/grounded_theory.html>

104 O âmbito performativo, para nós, não corresponde à distinção entre “competência” e “performance” segundo a dicotomia gerativa. A nossa compreensão do âmbito performativo da língua orienta-se pela definição de Rieger (1995:25) “Dieser [der Performanz] liegt aber nicht primär ein Vermögen zur Produktion korrekter Sätze zugrunde, sondern die

kommunikative Kompetenz des sinnvollen Gebrauchs pragmatisch-funktionaler, d.h. bedeutsamer sprachlicher Äußerungen.” O âmbito performativo não se baseia em uma competência para produzir sentenças gramaticalmente corretas, e sim, na capacidade comunicativa de emprego de enunciados pragmático-funcionais, ou seja, enunciados que carregam significados.

bestimmter Beobachtungen und eher rudimentärer theoretischer Vorstellungen bestenfalls vermutet werden können, werden [...] deshalb nur als [...] Resultat jener Prozesse beschrieben werden können, die für das Zustandekommen dieser

Beobachtungen vermutet werden. (RIEGER, 1995:3)105.

Essa posição meta-teórica de Rieger dialoga com o desenvolvimento de teorias qualitativas baseadas em dados empíricos como, em nosso caso, a grounded theory, que surgiu como um questionamento crítico da aplicabilidade imediata do padrão de good science oriundo das ciências exatas em estudos de fenômenos sociais. A crítica formulada por Strauss e Corbin dirige-se em geral contra o positivismo inerente das exigências de compatibilidade, generalização, consistência, reproduzibilidade, precisão e verificação, no âmbito das ciências exatas e, em específico, questiona a possibilidade de reproduzir, em termos de pesquisa científica, fenômenos sociais e / ou psicológicos.

“The usual scientific canons include: significance, theory-observation compatibility, generalizability, consistency, reproducibility, precision and verification. [...] the dangers that must be guarded against by qualitative researchers when using such terms lie in their more positivistic connotations, [...]. However, no theory that deals with a social / psychological phenomenon is actually reproducible, [...].” (STRAUSS, CORBIN, 1990:250).

Temos que considerar, portanto, os preceitos quanto (i) ao desenvolvimento qualitativo de uma teoria e (ii) à justificação científica de tal.

Quanto ao desenvolvimento de uma teoria, Strauss e Corbin (1990) propõem que os diferentes domínios do processo científico, a saber, o levantamento dos dados, a sua análise, a proposta de hipóteses e de uma teoria, são mais proximamente interligados e mais bem conduzidos de uma maneira não-linear, deliberada e circular do que seguindo uma seqüência unidirecional.

“A grounded theory parte da suposição que o pesquisador, já durante a coleta de dados, desenvolve, aprimora e interliga conceitos teóricos, construtos e hipóteses, de tal maneira que levantamento e análise se superpõem.” (MAYRING, 2000)

105 Enquanto não dispusermos de uma teoria complexa da língua, que integre os termos formais, através de operacionalizações mensuráveis bem definidas, com os termos

quantitativos, não podemos formular hipóteses lingüísticas de uma maneira que permita a dedução prognóstica de correlações observáveis e empiricamente testáveis. Essas

correlações que, por causa disso, podemos somente supor com base em certas observações e idéias teóricas rudimentares, são correlações que podemos comunicar e descrever

[cientificamente] somente encaixadas na descrição dos processos que levaram à observação dessas correlações por nós supostas. (Adaptação do alemão pela autora)

O procedimento metodológico compreendido pela grounded theory inicia com uma codificação106 aberta dos dados, sem categorização prévia. Durante a avaliação, o pesquisador deve desenvolver categorias provisórias que, voltando a mais uma etapa de exploração dos dados, devem ser reavaliadas e reformuladas até encontrar categorias mais robustas e relevantes afirmadas pelo material empírico.

Frente a essa descrição bastante abstrata do processo de desenvolvimento de um modelo teórico no paradigma da grounded theory, gostaríamos de fazer duas

observações. Primeiro, para melhorar a compreensão do processo e das etapas que o compõem, mostramos em 5.4 como esse processo se dá na análise do nosso

material empírico. Segundo, pode parecer que o processo e as etapas descritos não estão tão distantes da metodologia científica de outras abordagens, como o início desta seção talvez tenha sugerido. A diferença entre uma pesquisa que segue outro modelo e uma pesquisa baseada no paradigma da grounded theory encontra-se justamente na explicitação de todas essas etapas. Em outros modelos, esses passos metodológicos acontecem, de uma maneira ou de outra, dentro da cabeça do

pesquisador no processo de busca por categorias e exemplos que satisfaçam os objetivos e hipóteses que quer defender. Com essa observação chegamos à questão da justificação da metodologia qualitativa que constitui a grounded theory. A

explicitação detalhada do processo de categorização é um procedimento

fundamental para uma teoria formulada dentro deste paradigma. Para a avaliação de uma teoria que segue a metodologia proposta, Strauss e Corbin (1990) sugerem este critério de qualidade:

“In a grounded theory publication, the reader should be able to make judgements about some of the components of the research process that led to the publication.” (STRAUSS, CORBIN, 1990:252).107

Antes de passar para a descrição da análise realizada com o nosso material empírico, nas seções a seguir, queremos apontar para um certo “parentesco” ou, pelo menos, para a compatibilidade que vemos entre a nossa abordagem fonético- fonológica complexa e emergente, a descrição fonético-fonológica na teoria de

106 Por “codificação” entende-se, na grounded theory, o processo de demarcar e rotular provisoriamente as unidades do fenômeno a serem interpretadas. Em nosso caso, isso se refere à coleta das ocorrências de róticos intervocálicos e sua primeira descrição, que

precede a sua apreensão em termos de variantes e, posteriormente, em termos de categorias dentro das gramáticas individuais.

exemplares adaptada da proposta de Bybee (2001) para a representação na gramática individual e a metodologia segundo o paradigma da grounded theory. Todas essas três linhas trabalham:

1) com categorias abertas;

2) com exemplares, suas propriedades individuais e as relações entre eles, em primeiro lugar, e só posteriormente com atributos categóricos e variantes

generalizadas;

3) sem recorrer a uma representação intermediária abstrata (estruturalista) e, em vez disso, utilizando um modelo lingüístico não-binomial108.

Destarte, cremos ter apresentado um encaminhamento metodológico consistente com os nossos objetivos e com o paradigma teórico em que nos apoiamos na realização deste estudo. A seguir, passamos a apresentar o material de análise, começando pela caracterização dos falantes e de como tratamos o perfil individual de cada um (5.3), para depois aplicar a metodologia adotada à avaliação fonética dos nossos dados (5.4).