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P ARÂMETRO ACÚSTICO I MPRESSÃO AUDITIVA

6 Apresentação dos resultados

6.4 As relações entre as variantes descritas

Na última seção deste capítulo, gostaríamos de relacionar a discussão acerca das propriedades fonéticas das 9 variantes com aspectos de sua distribuição e de seu uso em Blumenau e Lages. Para tanto, consideramos o que foi exposto no decorrer deste capítulo e, além disso, o que foi tratado nos capítulos 2 e 4. Examinamos as relações entre variantes foneticamente semelhantes e diferentes, vizinhas e

distantes uma da outra em nossa escala contínua, e como e quando são aplicadas para qual tipo de rótico. Procedendo assim, pretendemos chegar a uma conclusão provisória no que concerne às questões de distribuição e de distinção dos róticos nas duas cidades antes de, no capítulo 7, entrar na discussão da gramática individual de cada falante.

Atentemos, primeiramente, para o quadro dos róticos como um todo para, depois, examinar minuciosamente as relações entre as variantes particulares. O

levantamento fonético dos dados nas entrevistas gravadas com falantes de Blumenau e Lages confirma vários aspectos básicos discutidos em relação aos róticos do PB em geral, na literatura afim. A diversidade de formas é grande e as diferentes variantes estendem-se, tanto pelo modo, quanto pela zona de articulação, por um espaço articulatório bem amplo. Se levarmos em consideração que estágios anteriores das línguas latinas, em geral, e do PB, possuíam um número inferior de variantes na realização dos róticos, podemos enxergar o conjunto das variantes descritas como uma tendência de aproveitar o máximo do espaço articulatório definido e, ao mesmo tempo, de preencher as lacunas articulatórias entre uma variante e outra. Por essas duas tendências obtemos pares nos quais a diferença articulatória é maximizada (comparar BOERSMA (1998) e De BOER (1997), no capítulo 4), mas, ao mesmo tempo, casos em que a passagem gradual entre uma variante e outra diminui a distinguibilidade. Dessa forma, observamos, nesse quadro de róticos, os dois movimentos previstos pelo equilíbrio entre os princípios acústicos e perceptuais, conforme expostos no capítulo 4.

Na literatura, de acordo com o que foi discutido no capitulo 2, há duas tendências apontadas no comportamento dos róticos. O apagamento, especialmente em posição final de palavra e mais acentuadamente no grupo dos verbos no modo infinitivo, e a posteriorização. Os resultados deste estudo são compatíveis com essas duas tendências. No sentido do exposto no parágrafo anterior, a

posteriorização, nos dados de Blumenau e Lages, pode ser vista antes como uma extensão em número de variantes e espaço articulatório em geral, do que somente como posteriorização. O termo “fricativização” ao invés de posteriorização, é mais afinada com o fenômeno que descrevemos, porém a ocorrência de uma variante como a aproximante não cabe nem sob o rótulo de “posteriorização”, nem de “fricativização”.

No que concerne ao apagamento, observamos duas formas no material empírico que podem ser consideradas como um tipo de enfraquecimento. A aproximante, que poderia ser tratada como uma articulação de um tepe incompleto ou fraco, e a fricativa glotal, que, em nosso corpus, é realizada com muito pouca fricção, e, às vezes, especialmente na fala veloz, é reduzida à transição entre as vogais. Nesse aspecto, há ocorrências da aproximante que chegam a se assemelhar à fricativa glotal. Embora se trate de duas zonas de articulação bem distintas, há um efeito parecido em ambas as variantes. As características formantais das vogais vizinhas chegam a fazer parte do rótico e a propriedade articulatória é velada. Observamos, então, até na posição intervocálica, um enfraquecimento do gesto articulatório, resultando em um fechamento consonantal minimizado e até eliminado.

Concebendo a fricativa glotal, e mais ainda a aproximante alveolar, como tipos de rótico com tendência ao enfraquecimento ou até apagamento, também na posição intervocálica, interpretamos esse comportamento de maneira análoga ao

apagamento reportado para outras posições do rótico na sílaba. Levando em consideração que a literatura afim descreve a tendência ao apagamento do rótico, em posição final, especialmente acentuada, no grupo dos verbos, fica interessante considerar que os verbos com r-duplo em nossa amostra constituem o contexto em que mais nitidamente se realiza a aproximante.

Além de situar nossos dados em relação às tendências reportadas para os róticos no PB em geral, é possível situá-los também em relação à grande gama de

comportamentos regulares evidentes em nosso corpus. Em Blumenau há uma tendência que chama a atenção. Entre os falantes que distinguem, auditiva e acusticamente, os dois tipos de róticos estão todos aqueles que apresentam a vibrante alveolar no seu inventário – com uma exceção: o falante 16 de Blumenau distingue apenas auditivamente e também produz a vibrante. A vibrante é

concebida, pela literatura, como uma variante que tende à posteriorização e à fricativização. Reportamos no capítulo 2 que, especialmente na região Sul, há uma tendência à manutenção dessa variante. Entre essa tendência de manutenção e a tendência a distinguir categoricamente entre os dois tipos de rótico, podemos vislumbrar, em nossos dados, uma relação.

Contudo, antes de poder afirmar com vigor essas nossa conclusões concernentes à aproximante alveolar, é necessária uma reavaliação acústica de outros corpora. Pela semelhança entre essa variante e o tepe alveolar, não podemos excluir a

possibilidade de que, em muitos casos auditivamente identificados como tepe, poder-se-ia tratar de realizações da aproximante, também em outras variedades do PB. Se tal hipótese se verificasse, estaríamos frente a um enfraquecimento gradual do tepe, que pode levar ao seu apagamento intervocálico.

Em nosso caso, é interessante notar que os falantes de Blumenau realizam o tepe alveolar propriamente dito, identificado pelo estouro, com muito pouca freqüência. Enquanto na fala dos indivíduos de Lages aparece mais o tepe alveolar e muito menos a aproximante. Retomaremos a questão da relação entre a aproximante e o tepe alveolar no capítulo 7, quando discutirmos a possivel relação entre o contato de linguas em Blumenau e as diferenças na escolha da variante entre essa cidade e Lages.

Cabe também enfatizar que, ao reunirmos as variantes aproximante alveolar, tepe alveolar e tepe alveolar espirantizado no que denominamos grupo 1), detectamos, no caso do r-duplo, uma correlação entre a realização de uma variante desse conjunto e uma das posições de acento, em Blumenau, enquanto as demais posições se correlacionam às variantes fricativas, em Blumenau e Lages.

Após ter discutido o comportamento da aproximante, do tepe e da vibrante

alveolares, como também da fricativa glotal, gostaríamos de voltar a atenção para as demais variantes do nosso corpus, especialmente no que concerne às variantes

intermediárias127, o tepe e a vibrante espirantizados, e à diferença entre Lages e Blumenau quanto às variantes fricativa velar e uvular.

As variantes de modo articulatório intermediário, que apresentam um tepe mais uma aspiração ou fricção, ou então uma vibração sobreposta por uma fricção, ilustram um outro caso de aproveitamento de todo espaço articulatório, em termos de modo e zona, pelos falantes examinados. Gostariamos de comparar esse

comportamento com o experimento de De Boer (1997) com os agentes de

inteligência artificial no jogo de imitação. Nos agentes de De Boer, com o decorrer das repetições, as variantes próximas e não bem sucedidas em muitas partidas são eliminadas das listas de “fonemas” dos agentes. Na interação humana, não há um algoritmo estocástico que elimine de vez variantes fáceis de serem confundidas e com muito pouca freqüência para serem bem sucedidas. Sendo assim, não formularemos uma hipótese sobre o comportamento futuro e eventual

desaparecimento dessas variantes, mas gostaríamos de apontar para uma possível interpretação dessas formas.

Por último, consideramos as variantes fricativa velar e uvular. A fricativa velar é muito rara em Blumenau, onde predomina (na comparação entre essas duas variantes), a uvular. Em Lages, pelo contrário, há um grande número de

ocorrências da fricativa velar e nenhuma da uvular. A presença da uvular na fala de Blumenau pode ser interpretada como um resultado do contato com o alemão, já que a forma uvular é raramente reportada para o PB e é muito comum no alemão. Em Blumenau, ambas as variantes estão em concorrência, enquanto em Lages, sem a inserção da uvular, a fricativa velar é dominante na faixa dessas duas zonas de articulação. Veremos, no capítulo 7, se e como o grau de contato individual dos falantes de Blumenau influencia o uso da uvular.

127 Chamamos aqui o tepe e a vibrante espirantizados de “variantes intermediárias” no sentido de um modo de articulação intermediária, talvez mais apropriadamente descrito neste termo, já que observamos a gradiência intermediária, no sentido de zona articulatória, também entre as demais variantes.

6.5 Resumo do capítulo

Neste capítulo descrevemos as 9 variantes de róticos que ocorrem em nosso corpus nas cidades de Blumenau e Lages. Em cada cidade há um uso alternado de 8 variantes, sendo que a uvular ocorre exclusivamente em Blumenau e a retroflexa somente em Lages. Vimos que as formas que descrevemos são muito mais graduais do que categóricas, e que especialmente a fricativa velar, a vibrante e a vibrante espirantizada são variantes híbridas. Apresentamos, no início do capítulo, uma matriz em que identificamos essas 9 variantes dentro de uma escala gradiente, apontado dessa maneira para o caráter proximal dos 9 pontos que identificamos nesse continuum.

No que concerne à distinção dos tipos de rótico, descobrimos que 4 indivíduos de Blumenau e 4 de Lages não mantêm uma distinção categórica entre os dois tipos de rótico. Para o r-simples, a variante mais freqüente em Blumenau é a aproximante alveolar e, para o r-duplo, as variantes mais recorrentes são a vibrante alveolar e a uvular. Em Lages, para a realização do r-simples predomina o tepe alveolar e, para o r-duplo, a fricativa velar.

Em geral, há mais mistura e uma maior gama de variantes utilizadas pelos indivíduos de Lages. Em Blumenau, para o r-duplo, encontramos até 5 variantes em um falante e, em Lages, até 8. Nos falantes de Lages também ocorrem mais casos de exceções. Relacionamos os dois conjuntos formados pelos 10 falantes de cada cidade com os fatores “posição de acento” e “classe de palavra”.

Especialmente no agrupamento das variantes, observamos um comportamento na realização do r-duplo correlacionado, em Blumenau, ao acento em posição

“nenhuma” e, em ambas as cidades, à classe dos substantivos. Esta classe apresenta a segunda maior concentração de ocorrências na vibrante alveolar, enquanto os verbos e as demais classes de palavras têm como segunda variante uma realização dentro do conjunto 1).

O comportamento dos substantivos, apontado pela comparação dos dois grupos de falantes de cada cidade, será retomado na análise nas gramáticas individuais que realizamos no capítulo 7, quando consideraremos também a questão dos itens

lexicais mais freqüentes em cada falante, tentando ver o mapeamento, isto é, a organização fonológica de cada gramática individual.