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A hierarquia do capital escolar: escolaridades básica, secundária e superior

6. Relação com a Escola e acesso à instrução

6.4. A hierarquia do capital escolar: escolaridades básica, secundária e superior

6.4.1. Através da identificação das tendências de evolução, entre 1950 e 2001, do perfil da população portuguesa segundo níveis de instrução elementar, intermédio e superior, ficámos já, no ponto 6.2, com uma ideia relativamente precisa sobre o modo como se foi desenhando, nos espaços sociais em causa, a hierarquia do capital escolar.

É um ponto que, ainda assim, merece ser aprofundado, através de uma explicitação do ritmo a que, nas duas últimas décadas do século vinte – um período em que estavam, no essencial, consolidadas as condições político-institucionais indispensáveis a um processo de democratização sustentável da sociedade portuguesa –, foram os portugueses acedendo aos patamares que, na perspectiva das vantagens associadas à detenção de capital escolar, se podem considerar críticos: (i) escolaridade obrigatória de pelo menos nove anos; (ii) escolaridade secundária de pelo menos doze anos e (iii) escolaridade de nível superior.

Nesta perspectiva, os Quadros seguintes apresentam, sucessivamente, para as unidades territoriais seleccionadas, as percentagens de indivíduos com 15 ou mais anos que concluíram, no mínimo, os nove anos de escolaridade obrigatória (Quadro 6.5) e, para o universo dos maiores de 18 anos, as taxas de conclusão de, pelo menos, a escolaridade secundária (Quadro 6.6) e as taxas de realização de estudos de nível superior, com ou sem obtenção de grau (Quadro 6.7). Alerta-se, mais uma vez, para a necessidade de, ao ler a informação subsequente, não se perder de vista o facto de uma percentagem significativa, ainda que decrescente, de portugueses – aqueles que foram objecto de atenção particular no número sobre privação cultural extrema – nunca terem frequentado a escola nem, portanto, haverem obtido qualquer certificação académica. Desses não falam, a não ser indirectamente, estes Quadros.

6.4.2. Começando pelo acesso ao nível de instrução considerado obrigatório desde meados dos anos oitenta, confirma-se, pela leitura do Quadro seguinte, que, apesar do aumento significativo da proporção de indivíduos que, em Portugal, completaram, nas duas últimas décadas do século XX, os primeiros nove anos de escolaridade, continua a ser reduzido, no conjunto da população portuguesa, o peso dos que hoje detêm pelo menos o nível mínimo de instrução obrigatória (38,1% do total).

Mais preocupante ainda é que esse valor baixe muito em determinados contextos regionais, como é, justamente, o caso do Tâmega, do Vale do Sousa e do próprio concelho de Penafiel. Neste último, a proporção de indivíduos com mais de 15 anos munidos, à entrada do século XXI, com pelo menos o certificado de escolaridade mínima obrigatória não chegava sequer a um quarto do total.

Quadro 6.5 Taxa de conclusão da escolaridade de nove anos (1981-2001)

Taxa de Conclusão de Escolaridade de 9 Anos (%)

1981 1991 2001 H M T H M T H M T Portugal 15,3 12,6 13,9 23,6 21,9 22,7 38,9 37,3 38,1 Continente 15,5 12,8 14,1 23,9 22,1 22,9 39,2 37,5 38,3 Distrito do Porto 15,7 12,8 14,2 23,3 21,0 22,1 39,9 34,9 37,3 Grande Porto 19,7 15,7 17,5 28,6 25,6 27,0 45,2 42,0 43,5 Tâmega 5,1 4,6 4,9 8,9 8,9 8,9 20,1 20,6 20,3 Vale do Sousa 5,3 4,9 5,1 9,0 9,2 9,1 20,4 21,3 20,9

Com. Urbana Vale do Sousa 5,2 4,8 5,0 8,9 9,1 9,0 20,6 21,3 20,9

Castelo de Paiva 5,0 3,9 4,4 8,2 7,4 7,8 22,8 21,6 22,2 Felgueiras 5,5 4,9 5,1 8,5 8,6 8,5 18,8 19,7 19,3 Lousada 4,3 3,9 4,1 7,6 7,2 7,4 18,2 17,9 18,0 Paços de Ferreira 5,1 5,2 5,1 8,9 9,8 9,4 18,5 20,4 19,4 Paredes 4,7 4,9 4,8 9,0 10,1 9,6 22,3 24,6 23,5 Penafiel 6,4 5,2 5,8 10,2 9,6 9,9 22,3 21,6 21,9

Fonte: INE – Portugal, XII, XIII e XIV Recenseamentos Gerais da População, 1981-2001. Notas: Taxa calculada relativamente ao total da população residente com 15 e mais anos.

Os indivíduos que concluíram 9 anos de escolaridade são todos aqueles que haviam completado, pelo menos, o Ensino Secundário Unificado em 1981 e 1991 ou o 3º Ciclo do Ensino Básico em 2001, podendo ou não ter um nível de instrução superior a esse.

6.4.3. Que dizer, entretanto, do acesso a patamares intermédios de certificação escolar, nomeadamente aquele que corresponde à conclusão de 12 anos de escolaridade?

Depreende-se da leitura do Quadro 6.6 que a proporção de indivíduos com, pelo menos, o ensino secundário no conjunto daqueles com idade para “teoricamente” o poderem concluir (18 ou mais anos) cresceu, na última vintena do século, um pouco mais de três vezes, conduzindo, em 2001, a um valor de cerca de 23%.

O ritmo de crescimento verificado, em idêntico período, no Vale do Sousa e em Penafiel não diferiu substancialmente do ocorrido à escala nacional, mas, por razões que são imputáveis à reduzida expressão do ponto de partida, eram pouco mais de 10% os que, em 2001, aqui haviam completado pelo menos 12 anos de escolaridade.

Quadro 6.6 Taxa de conclusão da escolaridade de doze anos (1981-2001)

Taxa de Conclusão de Escolaridade de 12 Anos (%)

1981 1991 2001 H M T H M T H M T Portugal 8,0 6,8 7,4 13,6 13,1 13,3 22,1 23,6 22,9 Continente 8,2 6,8 7,5 13,9 13,2 13,5 22,4 23,8 23,1 Distrito do Porto 8,7 7,3 8,0 14,1 13,4 13,7 23,8 21,7 22,7 Grande Porto 11,0 9,0 9,9 17,9 16,4 17,1 27,3 27,6 27,4 Tâmega 2,3 2,6 2,5 4,3 4,9 4,6 8,8 11,0 9,9 Vale do Sousa 2,4 2,7 2,6 4,3 5,2 4,8 8,9 11,4 10,2

Com. Urbana Vale do Sousa 2,4 2,7 2,6 4,3 5,1 4,7 9,0 11,3 10,2

Castelo de Paiva 2,4 2,1 2,3 3,5 3,9 3,7 9,4 10,3 9,9 Felgueiras 2,6 2,7 2,6 4,5 4,8 4,7 8,4 10,5 9,5 Lousada 1,7 2,1 1,9 3,5 3,9 3,7 7,0 9,0 8,0 Paços de Ferreira 2,7 3,0 2,9 4,2 5,6 4,9 8,3 11,0 9,6 Paredes 2,1 2,8 2,4 4,0 5,5 4,8 10,1 13,3 11,7 Penafiel 2,9 3,0 3,0 5,2 5,6 5,4 9,6 11,5 10,6

Fonte: INE – Portugal, XII, XIII e XIV Recenseamentos Gerais da População, 1981-2001. Notas: Taxa calculada relativamente ao total da população residente com 18 e mais anos.

Os indivíduos que concluíram 12 anos de escolaridade são todos aqueles que haviam completado, pelo menos, o Ensino Secundário Complementar/12º Ano em 1981, o Ensino Secundário Complementar em 1991 ou o Ensino Secundário em 2001, podendo ou não ter um nível de instrução superior a esse. Os valores relativos a 1981 podem estar ligeiramente sobrestimados face ao conceito de “escolaridade de 12 anos”, pois incluem indivíduos que completaram apenas o Secundário Complementar, à época representando 11 e não 12 anos de escolaridade.

6.4.4. Analisemos agora os números referentes à frequência/obtenção de grau no nível superior do sistema de ensino, os quais dão conta do peso específico que têm alcançado na sociedade portuguesa os sectores mais bem dotados em capital escolar.

A verdade é que, em vinte anos, cresceu muito, no conjunto do país, o referido peso, já que, de um valor de apenas 3,6%, em 1981, se passou, em 2001, para um pouco menos de 15%. Não sendo muito diferente o ritmo de crescimento verificado em idêntico período nas outras escalas territoriais que nos importam, o valor no ponto de chegada é, porém, nesses casos, bastante mais modesto: em Penafiel, por exemplo, só 6,2% dos maiores de 18 anos que, em 2001, residiam no concelho haviam frequentado, estavam frequentando ou tinham completado estudos superiores.

Quadro 6.7 Taxa de obtenção de estudos de nível superior (1981-2001)

Taxa de Consecução de Estudos de Nível Superior (%)

1981 1991 2001 H M T H M T H M T Portugal 3,5 3,6 3,6 8,6 8,4 8,5 13,4 15,2 14,4 Continente 3,6 3,7 3,6 8,7 8,5 8,6 13,7 15,4 14,6 Distrito do Porto 3,8 4,1 3,9 9,2 9,0 9,1 15,4 13,8 14,5 Grande Porto 4,8 4,9 4,9 11,9 11,1 11,5 17,2 18,4 17,9 Tâmega 1,1 1,7 1,4 2,4 3,4 2,9 4,6 6,8 5,8 Vale do Sousa 1,0 1,8 1,4 2,5 3,4 3,0 4,7 6,9 5,8

Com. Urbana Vale do Sousa 1,0 1,8 1,4 2,4 3,4 2,9 4,6 6,8 5,8

Castelo de Paiva 1,1 1,5 1,3 1,9 2,4 2,1 4,0 5,5 4,8 Felgueiras 1,1 1,7 1,4 2,4 3,0 2,7 4,1 6,4 5,3 Lousada 0,8 1,4 1,1 2,0 2,6 2,3 3,8 5,8 4,8 Paços de Ferreira 1,0 1,9 1,5 2,2 3,7 3,0 4,4 6,6 5,5 Paredes 0,8 1,7 1,3 2,4 3,6 3,0 5,2 7,8 6,5 Penafiel 1,3 2,0 1,6 3,1 3,9 3,5 5,1 7,2 6,2

Fonte: INE – Portugal, XII, XIII e XIV Recenseamentos Gerais da População, 1981-2001. Notas: Taxa calculada relativamente ao total da população residente com 18 e mais anos.

O grupo em consideração inclui os indivíduos que completaram, possuem incompleto ou frequentam um grau de instrução de nível médio (cursos médios) ou superior (bacharelato, licenciatura ou pós-graduações).

6.4.5. Analisando, finalmente, a composição, segundo o género, do conjunto de indivíduos que, no universo dos maiores de 18 anos, alcançaram níveis de escolaridade superiores à escolaridade obrigatória (completando o ensino secundário/frequentando ou completando o ensino superior) – ver de novo os Quadros 6.6 e 6.7 –, o que se impõe sublinhar, em sintonia com uma ideia já anteriormente avançada, é que, desde a década de setenta, o avanço, nas gerações jovens, para patamares de instrução e certificação escolar mais exigentes tem sido, nas unidades territoriais do Noroeste Português que estamos a analisar, mais intenso entre as raparigas do que entre os rapazes. Nestas regiões, a hierarquia do capital escolar, favorece, cada vez mais, nas últimas décadas, o sexo feminino – facto que não tem correspondência a nível nacional, a não ser (e ainda assim de forma limitada) nos anos de transição para o século XXI.

Sugerimos atrás que uma tal tendência estará associada a alterações, no universo juvenil feminino, dos padrões de aspirações de mobilidade social, alterações essas imputáveis, elas próprias, às dinâmicas de transformação/inviabilização da economia camponesa que, desde há, pelo menos, quatro décadas, se foram desenhando na região. Talvez se possa adiantar entretanto, nesta altura, que esse movimento foi acompanhado e de algum modo reforçado, no

mesmo período, pela manutenção, entre os jovens do sexo masculino, de níveis elevados de retracção perante a escola, explicáveis, em grande parte, pela atractividade de percursos de mobilidade geográfica e de inserção no mercado de trabalho muito pouco exigentes em capital escolar.

São hipóteses a que voltaremos no número seguinte.