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4. Actividades económicas e formação de classes

4.8. Síntese e balanço crítico

No presente capítulo foi possível desenvolver uma abordagem minimamente heurística sobre as relações entre economia e sociedade na região do Vale do Sousa. Uma tal abordagem, ancorada numa análise de dados estatísticos oficiais em série temporal, permitiu a identificação de um processo relevante de transformação socioeconómica na região em estudo e, com algumas diferenças relevantes, no concelho de Penafiel.

Na região, estas transformações envolveram uma mudança nas taxas de actividade, feminização e crescimento da presença jovem na população activa, tal como um importante movimento de desruralização e um consolidado movimento de activos em direcção às ocupações profissionais na indústria. Configurada em torno de um assalariamento pouco qualificado nos ramos tradicionais da indústria (ainda que com variações intra-regionais relevantes), a mudança, em concelhos como o de Penafiel, do mundo agrícola camponês e semi-aristocrático de meados dos anos 1950 para o mundo em (des)industrialização do ano de 2001, implicou divisões relevantes no espaço social. Estas estabeleceram-se principalmente em torno da propriedade económica (geralmente, uma pequena empresa), visto que a cultura (através da escola) ou a burocracia (através da presença significativa de emprego público ou do incremento organizacional) não deram origem a posições sociais mais sólidas e qualificadas. Com a sua especialização nas actividades construtivas e extractivas, o concelho de Penafiel parece, efectivamente, possuir um menor dinamismo económico, assim se compreendendo a relevância crescente do desemprego e a pressão consolidada para o estabelecimento, por parte dos seus activos, de migrações pendulares com horizontes geográficos cada vez mais alargados.

5. Actividade agrícola e espaço social rural

5.1. Introdução

A informação contida no presente capítulo – dedicado à análise da evolução geral da actividade agrícola no concelho de Penafiel e região envolvente, no quadro das transformações globais da agricultura e do espaço social rural português – visa reconstituir e aprofundar o trabalho de recolha e análise de informação estatística desenvolvido em finais da década de 1970, aquando da realização dos estudos originais sobre Fonte Arcada. A prossecução de tal objectivo far-se-á aqui quer através da revisão e enriquecimento do conjunto de indicadores então tratado, quer, fundamentalmente, através da inclusão de material estatístico relativo a momentos posteriores a essa data.

As séries de dados resultantes deste esforço de actualização da informação estatística relativa a Penafiel, ao Vale do Sousa e às unidades territoriais de enquadramento que têm vindo a ser convocadas para análise, agrupam, por isso, informação que recobre aproximadamente a segunda metade do século XX. Em diversos casos, porém, as séries de dados apresentadas são mais curtas, correspondendo ao período entre 1968 e 1999 ou, não raras vezes, apenas aos anos de 1989 e 1999.

A circunstância de muitos dos indicadores analisados no presente relatório recuarem apenas a 1989 traduz, por um lado, o carácter relativamente limitado e incipiente da informação recolhida no âmbito dos recenseamentos agrícolas realizados até então e, por outro lado, o salto qualitativo e quantitativo a que vimos assistindo nas últimas décadas no plano das estatísticas agrícolas, especialmente desde o Recenseamento Geral da Agricultura de 1989, facto certamente não alheio às transformações por que tem passado a agricultura portuguesa – sobretudo depois da adesão do nosso país, em 1986, à Comunidade Económica Europeia –, as quais geraram necessidades, a este nível, até então inexistentes.

O facto de a actividade agrícola constituir um dos domínios da realidade social e económica portuguesa que, no decurso das últimas décadas, mais rápida e profundamente viu alterada a sua configuração explica, de resto, os obstáculos em que esbarra a tarefa de construção de séries longas de informação estatística sobre o tema. A uma realidade em permanente e acentuada mudança, respondeu o sistema estatístico com ajustamentos e alterações, frequentemente radicais, nas nomenclaturas utilizadas. Compreende-se, por isso, que algumas das tentativas de harmonização de conceitos desenvolvidas no âmbito da análise cujos principais resultados aqui se reproduzem possam motivar interpretações da informação não isentas de ambiguidade. No sentido de conter eventuais equívocos, procurar-se-á, sempre que necessário, e ao longo do texto, evidenciar as premissas na base de cada um dos processos de harmonização conceptual desenvolvidos.

Por decorrerem de alterações significativas nos critérios de inquirição e nos métodos de recolha de informação, alguns aspectos há, todavia, que merecem referência prévia e atenção especial. Referimo-nos, em particular, à alteração dos critérios de delimitação do universo de explorações agrícolas a recensear ocorrido entre os Recenseamentos Gerais da Agricultura de 1979 e 1989. O principal dado a reter desta alteração reside no facto de os limiares mínimos para delimitação das explorações agrícolas a inquirir terem sido elevados de 0,5 hectares para 1 hectare entre 1979 e 1989, o que terá resultado na eliminação de numerosas unidades agrícolas, sobretudo de tipo familiar, do processo de recenseamento.

Sabendo nós que no Noroeste Português predominam as explorações de pequena e muito pequena dimensão, não podemos deixar de concluir que é na região sobre a qual temos incidido o nosso olhar que mais intensamente se farão sentir os efeitos desta alteração, com implicações óbvias na fiabilidade da análise comparativa dos dados de 1979 e 1989.

Sabendo nós também que é no grupo das unidades de menor dimensão que se recruta o grande contingente de explorações cujos membros dos respectivos agregados domésticos desenvolvem actividade profissional fora destas, é de crer que os resultados relativos à população agrícola familiar e à sua articulação, através dos mercados de trabalho, com outros sectores de actividade e outros contextos socioterritoriais – informação alvo de escrutínio no ponto cinco do presente capítulo – possam ter sido condicionados por esta alteração de fundo introduzida no Recenseamento Geral da Agricultura de 1989.

Por outro lado, o facto de a dimensão das unidades agrícolas continuar a não ser o critério exclusivo de delimitação do universo de explorações a inquirir seguido pelos Recenseamentos de 1989 e 1999 – todas as explorações com menos de 1 hectare, mas com um mínimo de área

dedicada a, pelo menos, uma cultura especializada ou com uma actividade pecuária mínima, foram também recenseadas – leva-nos a admitir que as consequências da elevação do limiar mínimo de delimitação do universo de explorações agrícolas a recensear não terão irremediavelmente condicionado a fiabilidade global dos dados obtidos pelos dois Recenseamentos.

Relativamente à organização interna do capítulo, ele dividir-se-á em quatro grandes domínios de análise, cada qual visando o fornecimento de uma panorâmica geral da evolução ocorrida ao longo das últimas décadas nas unidades territoriais em estudo no respeitante às principais dimensões de caracterização da actividade agrícola. Assim, num primeiro momento, analisam-se os aspectos gerais de estruturação e organização das explorações agrícolas, procurando destacar as principais alterações ocorridas ao nível do seu número, dimensão da superfície agrícola utilizada e orientação técnico-económica.

Em seguida, discutem-se as principais transformações na estrutura e forma de exploração da propriedade fundiária do concelho de Penafiel e da região envolvente, à luz da evolução registada no plano nacional, para, posteriormente, abordar os aspectos relativos ao peso económico das explorações agrícolas e à modernização dos respectivos processos produtivos e estrutura organizacional.

Finalmente, analisam-se com alguma profundidade a evolução e características fundamentais da população agrícola, com destaque para os fenómenos de pluriactividade e pluri-rendimento que atravessam a agricultura portuguesa, em especial no Noroeste do país, no quadro das estratégias que habitualmente caracterizam a actividade agrícola de base familiar.

Com excepção de alguma da informação referente a este último ponto, obtida através do recurso aos dados compilados no âmbito dos Recenseamentos Gerais da População promovidos pelo INE entre 1950 e 2001, a informação estatística apresentada reporta-se aos resultados mais relevantes dos Inquéritos às Explorações Agrícolas do Continente de 1952-54 e 1968 e dos Recenseamentos Gerais da Agricultura de 1979, 1989 e 1999.