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Capítulo I – A História da Arte 25

3. A Iconografia e a Iconologia 51

3.2. A Iconografia e Flávio Gonçalves 57

O ensaio sobre Iconografia e História da Arte, publicado por Flávio Gonçalves em 1961, reflete a sua visão sobre a “Iconografia”. Segundo o autor, a Iconografia foi criada «nos fins do século XVII e registada pela primeira vez no “Dictionnaire” de Furetière, em 1701. A palavra Iconografia significa etimologicamente “descrição de imagens” (do grego

eikôn, imagem e graphia, escrita ou descrição)». Continuando, o historiador desenvolve a

finalidade da ciência referindo que o «vocábulo não reflete bem a finalidade desta ciência, pois o iconógrafo ou iconólogo vai mais longe: após descrever as figuras e cenas apresentadas, identifica-as, justifica as fórmulas adotadas e tenta entendê-las adentro da cultura e da civilização da época a que pertencem». O historiador divide a Iconografia e a Iconologia concluindo que: «Seria mais correcto para o efeito o emprego do termo

Iconologia (do gr. eikôn + logia); este vocábulo, porém, apesar do seu sentido de “ciência

das imagens”, desde sempre se empregou a propósito do estudo das imagens alegóricas e seus atributos (um dos capítulos da Iconografia)» 160. Mas Flávio Gonçalves lembra que o observador de uma pintura ou escultura tenta compreender o tema figurado e por outro lado analisar as formas utilizadas, o que facilmente se consegue com uma observação «atenta e estreita». Segundo a sua definição, o estudo de uma obra de arte divide-se «em dois capítulos diferentes» e explica:

«A Iconografia que nos documentos plásticos procura interpretar os assuntos representados, descobrir as origens destes e suas sucessivas modificações, captar-lhes o conteúdo ideológico; e a História da Arte, debruçada sobre as caraterísticas formais, a composição, o desenho, a cor, a luz, as escolas e processos dos artistas, a técnica. A História da Arte preocupa-se mais com a parte externa e material da pintura e da escultura, com o estilo, o objectum, o corpo; a Iconografia visa penetrar no substrato espiritual das obras artísticas, alcançar a sua lição temática, o subjectum, o miolo»161.

160 A Iconografia religiosa oferece, através de símbolos, emblemas, alegorias, uma linguagem oculta,

segundo os objetos que acompanham o assunto retratado, ou a pessoa, ou o momento. As personagens do clero, mártires ou figuras canonizadas, são representadas com indumentárias e decoração atribuível a cada uma, que o crente conhece, através dos atributos reconhecidos ou pelo vestuário ou por outros, estabelecendo-se assim uma linguagem figurada. Flávio Gonçalves. História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1990, pp. 21-22; Flávio Gonçalves – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

161 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 21; GONÇALVES, Flávio – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

Flávio Gonçalves desenvolve a sua posição quanto ao vínculo da Iconografia à História da Arte e argumenta: «Uns, como Bréhier, acham-na “auxiliar” da História da Arte. Outros, como Panofsky, vêem na Iconografia um “ramo da História da Arte que se relaciona com o assunto ou significado das obras, em oposição à sua forma”». E acrescenta que «modernamente com o desenvolvimento dos estudos iconográficos, há uma tendência para incluir a Iconografia no grupo das ciências autónomas», afirmando ser Louis Réau o «paladino da referida independência científica»162.

Flávio Gonçalves atribui ao estudo iconográfico a função da identificação do assunto versado na obra de arte, o que facilita a crítica estética e formal; a datação e a proveniência, fornecendo pistas sobre a origem e a autoria e acrescenta favorecer o estudioso «sobretudo para a demarcação e caraterização dos períodos iconológicos»163.

Flávio Gonçalves divide o estudo iconográfico em três etapas: A Iconografia de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos; A Iconografia de uma época, de um facto histórico ou costume antigo; A Iconografia de uma doutrina ou de uma religião164.

Acrescenta que ao iconólogo interessa debruçar-se sobre a investigação de todas as áreas e expressões culturais, como «pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, esmaltes, azulejos, peças de ourivesaria, moedas, medalhas, etc.», permitindo, a Iconografia da arte religiosa, através do estudo das imagens e das suas fontes como «a literatura sacra», a verdadeira História dos «mitos e dos dogmas, das correntes teológicas, místicas e morais»165.

O historiador refere convictamente que a Iconografia é uma ciência complementar da História da Arte, embora com «autonomia cultural» uma vez que «mais do que em auxílio do historiador da Arte, o iconógrafo vai completar-lhe o juízo». Flávio Gonçalves acrescenta que «o primeiro verifica como e quando foram realizados o quadro ou a escultura; o segundo explica por que razão a imagem se apresenta sob determinados

162 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, pp 22-23; GONÇALVES, Flávio – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

163 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 24; GONÇALVES, Flávio – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 126 (9 maio 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

164 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 22; GONÇALVES, Flávio – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

165 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 22; GONÇALVES, Flávio – “Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

aspectos»166. Alonga as suas conclusões referindo o grande auxílio que a Iconografia presta à História da Arte: «Sendo complementares, as duas ciências não podem viver separado [sic]. Isolá-las seria truncá-las. As obras de arte só se mostram de todo inteligíveis quando iluminadas de ambas as faces, quando se fundem numa síntese, a forma e o pensamento»167.

Realça Flávio Gonçalves como se torna fundamental o auxílio da Iconografia à História da Arte, e conclui que antes do final do século XIX, quando a História da Arte foi encarada como uma ciência, a Iconografia era considerada como uma coleção de regras destinadas aos artistas na produção das suas obras. O seu carácter normativo, vindo do período da Contra-Reforma, assumia uma forma catequética, semelhante ao ensino da teologia e da moral. A partir do momento em que o método se definiu numa base científica, liberto do seu cariz exclusivamente didático, foi possível estudar a origem das fontes e dar a devida atenção aos temas artísticos. O autor acrescenta: «deixando de impor protótipos, o iconólogo transmudou-se em observador, investigador e crítico. É hoje um cientista objetivo, divorciado das deformações inerentes a qualquer espírito de propaganda […]. Para a História da Cultura nenhuma conclusão é válida, sem uma investigação imparcial e uma crítica livre»168.

Pelo que podemos perceber, do estudo do historiador, Flávio Gonçalves engloba na Iconografia o exame iconológico, ou seja, a análise que o historiador produz, a questão científica vertida em discurso. Tal como Panofsky refere, a interpretação iconológica ultrapassa o conhecimento dos temas, das formas e dos textos literários a que as fontes estão ligadas. É uma faculdade mental equiparável «à de fazer um diagnóstico – uma faculdade que não posso descrever de melhor maneira do que com o desacreditado termo de “intuição sintética”»169.

Mas o segundo não ousou como Panofsky fez, declarar que para a Iconologia é como «fazer um diagnóstico» embora Flávio Gonçalves confirme, para a interpretação

166 GONÇALVES, Flávio – História da Arte Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 23; GONÇALVES, Flávio –“Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

167 GONÇALVES, Flávio – História da Arte Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, p. 23; GONÇALVES, Flávio –“Iconografia e História da Arte”. Comércio do Porto. Porto, ano 107, n.º 85 (28 março 1961). Suplemento “Cultura e Arte”, p. 5.

168 GONÇALVES, Flávio – História da Arte. Iconografia e crítica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1990, pp. 28-29.

iconográfica, definições como «escutar a mensagem» ou «penetrar no substracto espiritual»170.

170 Achamos que devemos acrescentar neste ponto algo aparentemente irrelevante. Estudamos nos livros de