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Capítulo I – A História da Arte 25

1. Os fundamentos da História 27

1.1. O movimento ANNALES 29

1.1.1 O tempo breve e a longa duração 31

Fernand Braudel, no seu livro História e Ciências Sociais, fala «longamente da História, do tempo da História»37. A História «tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo e ao acontecimento»38. Fundamentava-se na narração dramatizada de «pouco fôlego» num tempo breve com escolhas deliberadas. Uma História de discurso arrebatado, em contraponto com a uma História económica e social, tendo como elemento primordial das suas investigações a duração. O autor acrescenta que, fundamentalmente, o que se operou foi uma transformação no tempo histórico tradicional, diz mesmo que «um dia, um ano podiam parecer medidas corretas a um historiador político de ontem. O tempo não passava de uma soma de dias»39. Situa neste passo uma «História de fôlego ainda mais contido e, neste caso, de amplitude secular: trata-se da História de longa e mesmo muito longa duração»40.

A História secular é uma História de longa duração, e o acontecimento, ou a História factual, trata de uma História de curta duração que Braudel caracteriza como o «tempo breve, à medida dos indivíduos, da vida quotidiana, das nossas ilusões, das nossas rápidas tomadas de consciência»41. O acontecimento contido no preço do trigo, ou numa catástrofe, num facto económico, social, religioso ou político são pequenos acontecimentos que se organizam numa «massa» de pequenos ou grandes factos repetidos e que constituem o passado, refere este historiador42. As questões a que o historiador intenta responder tanto podem servir-se do tempo longo, lento, quase imóvel como do tempo breve para de novo voltar à longa duração.

Fernand Braudel fala no historiador familiarizado em investigar no tempo breve da História, representando uma mudança de pensamento aceitar a longa duração. Usar a longa duração abre espaço a outras inquietações, colocando outras interrogações sendo errado fazer uma escolha de uma destas histórias desprezando as restantes. «Para mim, a História é a soma de todas as histórias possíveis: uma coleção de ofícios e de pontos de vista, de

37 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 9. 38 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 9. 39 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 12. 40 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 10. 41 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 10. 42 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 11.

ontem, de hoje e de amanhã»43. Acrescenta o autor perentoriamente, duvidar da História que se limita «ao relato dos acontecimentos ou sucessos»44.

Fernand Braudel explica como «a investigação histórica deve forçar a porta do tempo presente»45, e pormenoriza a possibilidade de o fazer investigando a longa duração histórica. Aquilo a que chamamos o tempo da História, «que nós modelamos como se amassa o pão», bem com o próprio tempo atual e quotidiano, não são «da mesma massa: as suas durações dividem-se por tempos diferentes, sobrepostos, simultâneos»46.

Braudel quando diz não gostar do humor daquele a quem chama de «admirável economista» citando Lord Keynes declara que na longa duração estaremos todos mortos47.

Braudel resume que a longa duração, como a curta e a média não deixa de acompanhar- nos, e pergunta aquele historiador:

«A cozinha a que estou habituado e de que sou, no fundo, prisioneiro, de onde vem ela? A língua que falo, na qual penso, não tem séculos atrás de si? A minha maneira de viver e de pensar nasceu, também ela, há séculos; mesmo obstinado em querer pensar livremente, não me libertarei, na verdade, de uma herança cristã que permanece à minha volta, que me surpreende, que me acompanha e até me protege... […] A História de longa duração é pois uma maneira de observar o passado, suprimindo uma enorme parte da História vivida. De facto, isto significa eliminar o que é breve, o que é individual, o que é oscilação simples, o que é episódico… Para recriar uma paisagem de História segundo perspetivas intermináveis, multiseculares»48.

Guy Lardreau confronta Georges Duby perante a sua própria afirmação de que a cronologia é decisiva para a História. Duby defende-se dizendo ser essencial uma referência bem detalhada de uma duração para construir essa História. É necessário estabelecer pontos fixos cronológicos «em torno dos quais se disponham os dados»49. Respondendo a Lardreau, Duby centra o ponto da discussão na evidência de que foram as ideias de Marc Bloch e de Lucien Febvre que serviram para «nos libertar da mesquinhez

43 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 17. 44 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 19. 45 BRAUDEL, Fernand – Escritos sobre a História. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p. 288. 46 BRAUDEL, Fernand – Escritos sobre a História. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p. 289. 47 BRAUDEL, Fernand – Escritos sobre a História. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p. 289. 48 BRAUDEL, Fernand – Escritos sobre a História. Lisboa: Editorial Presença, 1992, pp. 289-290.

49 DUBY, Georges; LARDREAU, Guy –.Diálogos sobre a Nova História. Lisboa: Publicações Dom

do acontecimento e nos ensinar a olhar para outro lado»50, defendendo: «Disse ainda agora que há uma maneira mesquinha de fazer a História das estruturas, que alguns historiadores escrevem uma História de longa duração tão aborrecida, tão insípida como podia ser a História-batalha contra a qual se ergueram Bloch e Febvre, alinhando dados, números, percentagens, uns ao lado dos outros, a seco». Conclui Georges Duby que: «A boa História, a História suculenta é aquela que põe um belo problema e tenta resolvê-lo. O que faz o valor do acontecimento é que ele permite pôr melhor, abordar melhor, um problema. A vantagem do acontecimento é a de ser revelador»51.

O historiador apresenta a sua História do passado através do seu presente, da sua formação, dos autores que o influenciaram, das leituras que fez. A perspetiva do historiador é o resultado de outros pensamentos que criam um pensamento e uma forma próprios, forçosamente muito ficando a dever-se à imaginação de cada historiador. No caso de Georges Duby, este assume que o seu pensamento é fruto da articulação entre a psicologia, a antropologia, a literatura e a geografia52, que solidifica com as suas ideias e várias correntes, mas sempre próximo do homem.

Percebemos que a História não é estanque. Corre como um velho rio do qual fazem parte os seus afluentes. Quando o historiador investiga, segundo as ciências do homem e os seus meandros, vai percorrendo esse leito que lhe revela o homem de outrora e o homem do seu tempo.

Marc Bloch defendia o caráter científico mas também abstrato do trabalho histórico. Para ele a História distrai e dizia que a História «tem prazeres estéticos que lhe são próprios, que não se assemelham aos de nenhuma outra disciplina»53.

A observação das atividades do homem exercem um forte prazer de sedução à imaginação. O rigor dos estudos orientados no inquérito metódico «com as suas indispensáveis austeridades» existe a par da sedução pelo que «é estranho», fundamentalmente se há distanciamento de tempo e espaço. Acrescenta e conclui Bloch

50 DUBY, Georges; LARDREAU, Guy –.Diálogos sobre a Nova História. Lisboa: Publicações Dom

Quixote, 1989, p. 56.

51 DUBY, Georges; LARDREAU, Guy –.Diálogos sobre a Nova História. Lisboa: Publicações Dom

Quixote, 1989, p. 56.

52 DUBY, Georges; LARDREAU, Guy –.Diálogos sobre a Nova História. Lisboa: Publicações Dom

Quixote, 1989, p. 82.

que «evitemos retirar à nossa ciência o seu quinhão de poesia»54. E interroga: «É a História “ciência” ou “arte”?»55.

Faz sentido a pergunta de Bloch. O historiador, investigando e conhecendo a História que as fontes vão contando, vai construindo, com os seus conhecimentos, à sua própria medida, aquilo a que se chama o saber histórico. As palavras nascidas do conhecimento, da interpretação e da comparação constituem a História que antecipando respostas coloca problemas. Atualmente é mais difícil para o historiador apresentar-se também como escritor. O desenvolvimento dado à especialização da ciência histórica, considera Jacques Le Goff, possui um «carácter único» dos acontecimentos históricos que fazendo da História um género literário é, simultaneamente, uma arte e uma ciência existindo sempre «uma escrita da História»56. A obra histórica não é um trabalho literário vulgar, não se trata de «uma obra de arte como as outras» e «o discurso histórico tem a sua especificidade»57. A História tem um enredo, assemelha-se a um romance e, nessa singularidade, o historiador «constrói» o seu estudo histórico como um romancista «constrói» a sua “História”.

A História não é um romance mas é igualmente uma obra que, fazendo perguntas, se dá à investigação, abre-se ao pensamento, expõe-se à crítica e compõe-se simultaneamente de fonte histórica e de fonte de inspiração para o historiador.

Mas o que importa aqui é realçar que o movimento Annales, ultrapassando as fronteiras francesas renovou toda a História e todas as “histórias” globalmente. Colocou as teorias até então em confronto, provocou discussão, estimulou o diálogo abrindo ao historiador a possibilidade de passar a olhar para o homem e para a sua cultura, para a estrutura económica e social, utilizando a História antropológica, interligando as diversas ciências do homem, num tempo breve do acontecimento, ou num tempo longo. Braudel lembra que o tempo longo ou «mesmo de muito longa duração» coloca outras interrogações, sendo errado fazer uma escolha de uma destas histórias desprezando as restantes58. Mudando para sempre a História, os Annales ou a «nova, nova história»59 levantou problemas que se constituem em articulação entre as fontes que existem e as que

54 BLOCH, Marc – Introdução à História. Lisboa: Publicações Europa América, 2010, p.78. 55 BLOCH, Marc – Introdução à História. Lisboa: Publicações Europa América, 2010, p. 88. 56 LE GOFF, Jacques – História. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 13.

57 LE GOFF, Jacques – História. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 37.

58 BRAUDEL, Fernand – História e Ciências Sociais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 17.

59 JORNADAS FERNAND BRAUDEL, Chateauvallon, 1985 – Fernand Braudel e a História. Lisboa:

não existem, o pensamento do historiador e as possibilidades de colocar novas respostas a novas questões.

O historiador é um investigador, um prospetor, um indagador, observa, examina, avalia e, servindo-se das fontes que coletou, reconstrói o passado e adianta a sua interpretação que se baseia no conhecimento próprio, complementando-a com a sua análise sempre comparativa.